Imunidade parlamentar

Câmara barra 153 pedidos de processos contra parlamentares

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2 de julho de 2001, 0h00

Os deputados federais têm um escudo mais forte do que a imunidade parlamentar para protegê-los da Justiça: a benevolência de seus pares. Os arquivos da Câmara dos Deputados comprovam isso. Na história da República, nenhum integrante da Casa respondeu a processo por crime comum.

Nos últimos 10 anos, o Supremo Tribunal Federal enviou à Câmara 153 pedidos de licença para processar deputados. Nenhum foi concedido. O assunto espinhoso será discutido pelos deputados quando acabar o recesso parlamentar.

O presidente da Câmara, Aécio Neves (PSDB-MG), já anunciou que pretende pôr em votação o que chama de “pacote ético”. O conjunto de projetos tem três itens: a emenda constitucional que restringe a imunidade parlamentar à liberdade de expressão; o projeto de resolução que cria o Conselho de Ética; e o Código de Ética da Casa. A Câmara deverá analisar todos os pedidos do STF para processar parlamentares que estão em tramitação.

Denúncias graves

No momento, há 14 casos na Comissão de Constituição e Justiça e outros 15 com pareceres já aprovados – todos contrários à autorização -, e prontos para irem a plenário. Na lista, há denúncias graves. É o caso da denúncia do Ministério Público do Acre contra o deputado José Aleksandro (PSL-AC), por falsificação de documentos no desvio de recursos da Câmara Municipal de Rio Branco.

Fernando Gonçalves (PTB-RJ) é suspeito de fraude com verbas federais do antigo Inamps para o Hospital-Escola São José, no Rio. Hélio Costa (PMDB-MG), de crime de estelionato. Ibrahim Abi-Ackel (PPB-MG), de abuso de poder. José Janene (PPB-PR), de corrupção ativa e passiva. Remi Trinta (PST-MA), de fraude na Previdência.

O deputado Eurico Miranda (PPB-RJ), presidente do Vasco da Gama, é acusado de ser um dos responsáveis pelo acidente no Estádio São Januário, em dezembro. O episódio resultou também em ação de difamação e injúria movida pelo governador do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho (PSB) e outra pelo jornalista Milton Neves Filho.

Em apenas dois casos a Câmara esteve perto de ceder. O ex-deputado Jabes Rabelo (PTB-RO) poderia ter sido o primeiro. Em 1991, a Comissão de Constituição, Justiça e Redação concedeu licença para que ele fosse processado. Antes que o parecer fosse analisado em plenário, Rabelo foi cassado por quebra de decoro parlamentar. Seu irmão, Abidiel Pinto Rabelo, foi preso em São Paulo com 554 quilos de cocaína e carteira funcional falsa, com assinatura do ex-parlamentar.

Em 1997, o ex-deputado Davi Alves da Silva também quase fez história. A CCJ considerou graves as acusações contra ele de falsificação de identidade previdenciária. Mas Davi escapou da Justiça com um destino pior: morreu assassinado durante a campanha eleitoral de 1998.

Fora isso, a Câmara tem preservado seus integrantes, mesmo nos casos de denúncias graves de crimes comuns e que nenhuma relação guardam com a atividade parlamentar. Privilégio desfrutado por deputados como Sérgio Barcellos (PFL-AP), acusado de ser mandante de um seqüestro. Se a Câmara desse a autorização, deputados como Flávio Derzi (PMDB-MS), Luiz Fernando (PPB-AM), Edison Andrino (PMDB-SC) e Arnaldo Faria de Sá (sem partido-DF) estariam respondendo a processo por peculato, estelionato, crime contra a administração pública e falsidade ideológica.

A saída legal para os parlamentares está prevista na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 53. Os parlamentares só podem ser processados criminalmente com a permissão dos colegas. Também não podem ser presos, a não ser em flagrante de crime inafiançável. Mesmo nessas situações, há uma brecha: se um deputado vai para a cadeia, a Câmara recebe os autos e tem a prerrogativa de julgar se o parlamentar é ou não culpado.

Em março de 1999, o deputado Remi Trinta foi libertado da cadeia com a ajuda dos colegas. Era acusado do crime inafiançável de racismo, por ter xingando um tripulante negro em vôo com destino a Brasília. Depois disso, se safou – mais uma vez com a ajuda da Casa – da ação criminal que seu acusador apresentou contra ele.

A imunidade parlamentar foi discutida na 6ª Conferência Nacional de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, que reuniu entidades de todo o país. No encontro, promovido pela Comissão de Direitos Humanos da Casa, a imunidade foi apontada como baluarte da impunidade. “Esse privilégio incentiva poderosos de redes organizadíssimas do crime a conquistar mandatos somente com o intuito de obter a impunidade“, avalia o presidente da Comissão, deputado Nelson Pelegrino (PT-BA). Ele defende a imunidade para atos relacionados à liberdade de expressão e opinião.

Fonte: Jornal do Brasil On Line

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