Advogados e a ética

Advogado que copia petição de colega fere Código de Ética

Autor

2 de janeiro de 2001, 23h00

Há algum tempo, a Justiça Federal de São Paulo e o Tribunal Regional Federal da 3a Região, em caráter experimental, adotou procedimento de busca de processos via internet, na qual permite a procura do nome do cliente e o andamento processual. A consulta pode ser feita pelo nome do advogado ou de seu número de ordem de classe.

Por tal procedimento, é possível que qualquer pessoa lançando os dados de determinado advogado, possa identificar quantos clientes possui, qual o andamento das ações, se o mesmo obtém sucesso ou insucesso em seus arrazoados, etc.

Não é rara a ocorrência de empecilhos do próprio advogado da causa, que se depara com seu processo no setor de xerox, tendo em vista solicitação de cópias de suas petições por terceiros estranhos ao processo, principalmente, para verificação dos argumentos do advogado, da interpretação dada pelo operador do Direito, das citações doutrinárias e jurisprudenciais, nas quais, muitas das vezes, é resultado de dedicação de dias e semanas para a elaboração daquela determinada peça processual.

E, infelizmente, constata a total semelhança de seus argumentos e petições em nome de outros colegas, que simplesmente utilizaram-se do simples trabalho de copiar, e quiçá, nem mesmo digitar novamente a petição, mas apenas utilizando procedimento de escaneamento alterando apenas o nome das partes e o patrono.

Fatores estes que, lamentavelmente, levam à conduta de pessoas que se aproveitam do trabalho alheio, para obtenção do lucro fácil, sem trabalho e dedicação, na qual desmerece o real prestígio da profissão e da honra e orgulho de ser advogado.

Por certo, o procedimento adotado pela Justiça Federal de São Paulo o foi na intenção de facilitar o trabalho profissional dos causídicos em São Paulo, mas não obstante a boa-fé e intenção louvável daquele órgão, alguns se aproveitaram da situação para o enriquecimento de forma ilícita, quebrando a lealdade que deve existir entre colegas, e principalmente, violando o direito autoral, ou melhor, afrontando um dos direitos de personalidade que se apresenta aquele, sendo existente tal direito a partir do momento da criação da obra ou trabalho artístico ou científico.

No caso, não longe, dizem que cada arrazoado e cada petição dirigida aos Tribunais brasileiros, constitui-se em documento público sob a criação de um operador do direito, na qual o faz em sua atividade mais nobre, a defesa de seu cliente.

Da mesma forma, torna-se reprovável a conduta daqueles que se utilizam o procedimento de consulta via internet, para saber quantos clientes tem um ou outro colega, sob o pressuposto da curiosidade em saber como está um ou outro. Também há pretensão de conhecer seus clientes, utilizando-se também como meio de captação de clientela.

O Código de Ética e Disciplina, em seu inciso IV do artigo 33 dispõe: “O advogado deve abster-se de: IV – divulgar ou deixar que seja divulgada lista de clientes e demandas”.

O referido código determina que é “dever” do advogado não permitir que se divulgue a lista de seus clientes e processos na qual atua, tratando-se, pois, de uma obrigação comissiva, na qual a sua omissão, implicaria na incidência da infração ética.

Ante isso, não basta que o advogado alegue que tinha apenas conhecimento que terceiros estão divulgando a lista de seus clientes e processos, mas que não participou de tal divulgação.

O simples conhecimento e a prova cabal de que há divulgação da lista de seus clientes e processos por terceiros, ou seja, a simples ciência e a conduta omissiva do causídico para ilidir a prática de terceiros, implica, necessariamente, na incidência da infração ética disposta no referido código.

Trata-se, pois, de um dever de cada advogado a estar sempre vigilante, no sentido de não permitir que seja divulgada a lista de seus clientes e processos, e quando tome conhecimento da ocorrência deste fato, providencie a suspensão daquela divulgação.

A ética do advogado caracteriza-se sob dois enfoques, como adverte o jurista renomado prof. Miguel Reale, o objetivo e o subjetivo.

No primeiro, tem-se pelas normas dispostas no nosso ordenamento jurídico, na qual deve observar o causídico as disposições de conduta as quais a norma jurídica dispõe abstratamente.

Na segunda, tem-se o subjetivo, na qual é dever moral de ordem interna e consciente do advogado, de não tornar determinada atitude ante o confronto de suas convicções pessoais.

No caso, deve haver consciência de cada advogado de que sua atividade não é uma atividade mercantilista, não devendo fazê-lo como se fosse um comércio, divulgando o número de seus clientes ou de seus processos, como se estivesse divulgando o recorde de vendas de uma empresa que vende um determinado produto. Isto é defeso ao advogado e infringe a ética.

Neste diapasão o Tribunal de Ética e Disciplina de São Paulo, no processo n. 2.220/2000, proferiu parecer através do ilustre e eminente relator João Teixeira Grande, na seguinte ementa e parecer:

“EXERCÍCIO PROFISSIONAL – DIVULGAÇÃO DE CAUSAS E CLIENTES PELO NOME DO ADVOGADO NOS COMPUTADORES DA JUSTIÇA FEDERAL – DEVER DE COIBIR DIVULGAÇÃO DOS NOMES DOS CLIENTES – ART. 33,1V, DO CED – CÓPIA INDISCRIMINADA POR ADVOGADOS ESTRANHOS AO PROCESSO – Recomenda-se à Justiça Federal mudança no sistema de computadores para obstar o acesso de estranhos aos processos.

É legitimado ao advogado pleitear a supressão de seu nome do sistema para preservação de seu trabalho e de sua clientela. O processo é público, mas não se justifica que o trabalho intelectual seja copiado sem autorização e por estranhos que visam ao lucro fácil. Advogado que assim procede falta com respeito ao colega e, portanto, com a ética. Processo E-2.220/00 – v.u. em 14/09/00 do parecer e voto do ReI. Dr. JOÃO TEIXEIRA GRANDE – Rev. Dr. BENEDITO ÉDISON TRAMA – Presidente Dr. ROBISON BARONI.”

“Parecer:

A publicidade de que se revestem os processos judiciais que não tramitam em segredo de justiça se deve à transparência que deve existir em todo ato público, no regime democrático de Direito.

Outrossim, essa característica não significa que o conteúdo dos processos possa ou deva estar a mercê de disseminação indiscriminada, mormente quando atinge limites que afetem direitos ou interesses de pessoas a ele vinculadas por questão de ofício, ou de beneficiários de serviços públicos.

Ao advogado é vedado se valer dos nomes de seus clientes para realçar seu trabalho perante terceiros ou perante o público, bem como é seu dever conter abusos de outrem nesse sentido.

No caso presente, da Justiça Federal, não se chega à adjetivação de abuso, mas de descuido estar expondo nomes e trabalhos a um veículo tão rápido, amplo e gratuito.

Uma certidão do distribuidor será cobrada e do conhecimento apenas da parte interessada, restando sua força de alcance a círculos restritos. Ademais, não há certidão, mesmo cobrada, expedida pelo nome do advogado. Isso seria uma violação ao seu sigilo profissional.

Da mesma forma que um advogado não pode levar a público o nome de um cliente, através protesto de titulo cambial, para preservação do sigilo, seus clientes não devem ser levados a público pela lnternet, sob o fundamento de facilitar exame de andamento de autos. Essa é uma prerrogativa que deve estar ao alcance somente do advogado e de seu cliente, mediante senha.

Há outra questão que merece exame. O trabalho desenvolvido por um profissional, fruto de muito estudo, dedicação e competência, constitui patrimônio intelectual que deve ser respeitado com, no mínimo, a citação do autor. E sabido, e bem sabido, ser prática corriqueira nos meios forenses a cópia pura e simples de fundamentações doutrinárias e jurisprudenciais, além (e principalmente) da interpretação do advogado, incertas em iniciais e arrazoados dos processos.

A Justiça Federal tem sido palco de verdadeiras corridas em busca de lucro fácil, propiciado por atos do Governo Federal, alimentando a famigerada “indústria das liminares”, na área econômica principalmente, como é público e notório, já há muitos anos.

Isso levou à prática, sem nenhum pejo, de serem copiadas iniciais na ânsia de liminares, inclusive com várias distribuições de causas com o mesmo objeto e mesmas partes, forma de escolher juizes com entendimentos favoráveis.

Essa atitude de copiar trabalho alheio sem autorização, ou no mínimo citando a fonte, não é ilegal, mas é muito feia, reprovável, aproveitadora e mercantilista, até, pois busca-se o ganho fácil.

Ao advogado, pois, é legítimo seja vedado acesso aos seus processos e clientes, no sistema de computadores, principalmente via lnternet, mediante bloqueio que a tecnologia bem sabe fazer.

Ademais, seria de se recomendar mudança em todo o sistema, como medida salutar de preservação do trabalho profissional e do sigilo profissional, este de interesse público e muito mais social que a divulgação indiscriminada do saber alheio”.

Flagrantemente, o serviço de busca de andamentos processuais através do nome do cliente, inclusive, mediante senha, seria um serviço de natureza beneficente a atividade profissional dos advogados.

Por certo, a adoção das medidas cabíveis serão tomadas pela Justiça Federal para a adequação da informática à lei, mas esperamos que não obstante tais medidas, cada advogado busque maior determinação, no sentido de respeitar o colega, o seu trabalho e profissionalismo, de forma a não se utilizar do labor alheio para defesa de seus próprios interesses patrimoniais ou ainda vasculhar a vida de colegas, sob a violação da ética e da moral, pois estas devem estar inerente no âmago de todo operador do direito, principalmente, ante a necessária e difícil adequação das conquistas tecnológicas com as condutas de respeito e consideração ao próximo, pois estas últimas qualidades já existem na maioria das pessoas em um passado não necessariamente tão “moderno”.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!