O crime organizado

Atitudes e omissões do Estado fortalecem o crime organizado

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2 de janeiro de 2001, 13h05

1 BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DO CRIME ORGANIZADO

Neste Capítulo, enfocar-se-á, algumas questões preliminares acerca do Tema, desde sua definição até as condutas típicas, descritas na Lei nº 9.034/95, bem como discussão acerca da impropriedade do crime de quadrilha e bando, descritas no Código Penal (CP), art. 288, figurar como crime organizado.

1.1 DEFINIÇÃO

Não há uma definição que seja consenso entre os doutrinadores, apesar de não ser recente a atividade criminosa de forma organizada, como salienta Ivan Luiz da Silva (1998:47). Entretanto, como explica Silva (1998:48): “(…) o que se apresenta inovador, nas últimas décadas, é a tendência das sociedades criminosas organizarem-se, profissionalmente, nos moldes empresariais para atuarem no mundo do crime. Discorrer sobre a origem histórica do crime organizado é buscar sua origem no fenômeno criminal que melhor o representa no decorrer das séculos:a Máfia Italiana (onorata societá), em nosso entendimento a célula-mater da criminalidade organizada; pois ao que nos parece, serviu de inspiração, respeitando-se as devidas peculiaridades culturais, para as demais máfias existentes”. (Grifos do autor).

Sobre a origem da Máfia Italiana, continua Silva (1998:49) deveu-se a: “(…)criação de um poder paralelo com a finalidade de auferir lucros ilegais, corrompendo também o Poder Público para obter a impunidade por seus crimes e aumentar seus lucros” . (Grifos acrescidos).

No Brasil, segundo Silva (1998:51) o crime organizado em termos históricos “(…) é pouco comentado, restringindo-se à história do crime de quadrilha ou bando, o qual não se pode considerar como organizado, no rigor técnico do termo”.

Entretanto, não se pode negar que não exista crime organizado no Brasil, como destaca Luiz Flávio Gomes e Raúl Cervini (1997:83): “Não se pode deixar de admitir, de outra parte, que ele tenha recebido (e vem recebendo) muita contribuição no nosso país (particularmente no campo do tráfico de entorpecentes, de mulheres, de armas etc.). O Brasil, segundo a visão de alguns: a) é refúgio ideal para mafiosos de alto nível; b) é interessante praça de ‘lavagem de dinheiro’; c) é caminho para o tráfico de drogas; d) concentra 17% das contas bancárias dos narcotraficantes; e) é o principal produtor e fornecedor de matérias químicas para os laboratórios clandestinos”.

As principais características do crime organizado, segundo Silva (1998:60-61) são:

“1 – Estrutura hierarquizada empresarialmente, com divisão funcional de atividades – estrutura sofisticada e compartimentalizada em células, com cadeias de comando e divisão de trabalho bem delineadas, revestidas por uma rígida subordinação hierárquica entre seus componentes. Consiste numa estrutura quase híbrida entre uma empresa capitalista familiar e uma associação fascista paramilitar.

2 – Uso de meios tecnológicos sofisticados.

3 – simbiose freqüente com o Poder Público – é muito comum, nos meios de comunicação, a notícia de que o crime organizado financia políticos para conseguir favores. Sendo que esta é vital para caracterizar como crime organizado uma associação criminosa.

4 – alto poder de intimidação e violência.

5 – preferência pela prática de crimes rentáveis como: extorsão, pornografia, prostituição, jogos de azar, tráfico de armas e entorpecentes etc.

6 – tendência a expandir suas atividades para outros países em forma de multinacionais criminosas.

7 – diversidades de atividades, para garantir uma maior lucratividade”.

1.2 CONDUTAS TÍPICAS, SEGUNDO A LEI Nº9.034/95 E O CÓDIGO PENAL BRASILEIRO (CP)

Há grande confusão na legislação brasileira sobre o que seja crime organizado e crime de quadrilha e bando. Na lição de Gomes e Cervini (1997:89): “Foi elaborada uma lei de ‘combate’ (essa é a expressão utilizada pelo art. 4º da lei) ao crime organizado sem identificá-lo inteiramente, isto é, continuamos legislativamente sem saber o que é que devemos entender por crime organizado (stricto sensu), dentro da extensa realidade fenomenológica criminal”. (Grifos do autor).

São Gomes e Cervini (1997:90-91) quem faz a diferença entre crime organizado e crime de quadrilha ou bando: “(…) para suprir o ‘déficit’ conceitual e estabelecer o correrto âmbito de incidência da Lei 9.034/95, não podemos de modo algum interpretar isoladamente os seus dois primeiros artigos. Nenhuma intrerpretação, enfim, pode deixar de ser sistemática (Lex non este textus, sed contextus). É da interpretação conjugada de tais dispositivos que poderemos delimitar o objeto da lei, isso porque não é qualquer quadrilha ou bando que configura a organização criminosa explicitada no art. 2º. A lei foi feita para ‘combater’ o crime organizado (a criminalidade sofisticada), não a quadrilha ou bando (que integra o amplo conceito de criminalidade massificada)”.


Ainda segundo Gomes e Cervini (1997:91-92) o legislador ao não definir o que sejam “organizações criminosas” touxe graves embaraços para a interpretação e aplicação da Lei nº 9.034/95, tais como:

1) possibilidade de existência de organização criminosa com apenas 2 (dois) ou 3 (três) integrantes, mas que não poderão ser legalmente reconhecidas; explica-se: o art 1º da Lei supra referida fixou o delito de “(…) quadrilha ou bando como requisito mínimo para a existência de uma organização criminosa (…)”. Assim sendo, para haver quadrilha ou bando é necessário pelo menos 4 (quatro) pessoas, como sabido; assim, sem esse número legal mínimo é impossível falar-se em organização criminosa!;

2) organizações criadas para a prática de contravenções, também não poderá ser reconhecida como tal, devido ao art. 288, CP exigir um “(…) programa delinqüencial de delitos”; e

3) organizações criadas para prática de crimes omissivos, também não estará tipificada, pois o art. 1º somente se referiu a ações de quadrilha ou bando.

Com relação à pena, Luciano Henrique Cintra (capturado via Internet) faz comentários muito pertinentes, comparando a Lei nº 9.034/95 com a Lei nº 9.455/97:

“Lei nº 9.034/95, art. 10 – ‘Os condenados por crimes decorrentes de organização criminosa iniciarão o cumprimento da pena em regime fechado.

A situação se resolve, segundo lição de Luiz Flávio Gomes, da seguinte maneira: ‘Se o crime organizado por extensão for de natureza hedionda, a nova lei é mais benéfica e, portanto retroage; do contrário, a crimes não-hediondos a lei nova é prejudicial, porque fixa peremptoriamente o regime inicial fechado; é, assim, irretroativa’.

O legislador pecou de maneira capital no dispositivo da Lei 9.034/95, que pretensiona combater o crime organizado. Queria punir mais severamente a criminalidade decorrente das organizações criminosas mas só conseguiu beneficiar a criminalidade hedionda decorrente destas organizações.

(…) O membro de organização criminosa, que metodicamente comete crimes hediondos ou equiparados é beneficiado com a progressão de regime, enquanto o outro, criminoso solitário e ocasional nas mesmas infrações, deve cumprir integralmente a pena em regime fechado”. (Grifos acrescidos).

A título de conclusão deste Capítulo, citar-se-á jurisprudência sobre o assunto:

“Tráfico: desclassificação

EMENTA: Apelação criminal – crime de tráfico ilícito de entorpecentes – Pedido de desclassificação – Laudo toxicológico definitivo – Precisa a quantidade da droga, de aproximadamente dois quilos e meio – Confissão na polícia – Prova testemunhal. I – Havendo provas testemunhais e periciais a respeito da quantidade da droga apreendida, superior a dois quilogramas, elide por completo a negativa do réu de que é apenas usuário, e tipifica a conduta do art. 12 da Lei nº 6.368/76. II – Recurso improvido. (TJMA – 1ª C. Cr. – A. Cr. Nº 2035/97 – Ac. nº 24039/97 – Rel. Des. José Filgueiras – DJMA 11.02.98 – pág. 1)

Tráfico internacional: furto qualificado

EMENTA: Penal – Processo – Tráfico internacional de entorpecentes – Furto qualificado – Materialidade delitiva e autoria comprovadas – Pequena quantidade de droga – Réu que se desfaz de parte da substância – Corpo de delito comprovado por prova testemunhal – Alegação de uso próprio – Dependência comprovada mas que não ilide a condição de traficante – Dosimetia da pena – Dupla consideração dos maus antecedentes – Apelo parcialmente provido. I. Materialidade e autoria delitivas comprovadas no conjunto probatório, que permitiu segura convicção acerca da procedência da imputação formulada. II. Réu que voluntariamente prejudica a produção de prova incriminatória, logrando êxito em se desfazer de parte da droga apreendida, subtraindo-a da vigilância da autoridade policial e atirando-a em parte no vaso sanitário, não pode ter a circunstância da quantidade reduzida de droga periciada considerada em seu benefício, para fins de desclassificação para uso próprio, quando a prova testemunhal é hábil em permitir aquilatar, com aproximação segura, a quantidade de droga adquirida pelo réu. III. A alegação de dependência não exclui, por si só a traficância, eis que as condições em que se apreendeu a droga, enterrada em local distante da residência do réu e de difícil acesso, são incompatíveis com a situação de quem alega fazer uso diário da substância, além de ter o réu cedido gratuitamente droga para consumo de terceiro, afastando a elementar ‘para uso próprio’ contida no tipo do artigo 16 da Lei nº 6.368/76. IV. Configurada a internacionalidade do tráfico, uma vez comprovado ter o réu adquirido a droga, por intermédio de sua amásia, na fronteira com a Bolívia, financiada com o produto do furto realizado. V. Inconformismo acolhido quanto à dosimetria da pena, indevidamente majorada em razão da dupla consideração dos maus antecedentes, de um lado agravando a pena-base, nas circunstâncias judiciais, e de outro para configurar a agravante da reincidência, circunstância legal genérica da Segunda fase. VI. Apelação parcialmente provida, com a redução da pena pelo tráfico internacional de entorpecentes para 9 (nove) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, a serem cumpridos em regime fechado integral, e 105 (cento e cinco) dias-multa, à base de um trigésimo a unidade, sendo 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de reclusão a pena pela prática do furto qualificado, a ser cumprida no regime inicial fechado, com pena pecuniária de 60 (sessenta) dias-multa, à base de um trigésimo a unidade. (TRF – 3ª R – 1ª T – Ap. Cr. Nº 97054757-5 – Rel. Juiz Theotônio Costa – DJ 10.03.98 – pág. 288)”.


2 CRIME ORGANIZADO E GLOBALIZAÇÃO

O efeito da globalização está presente em todas as atividades humanas – nos setores primário, secundário e terciário da economia. Assim também faz-se presente nas modalidades ilícitas, tais como o crime organizado.

Gomes e Cervini (1997:76-77) são bastante enfáticos: “(…) talvez seja a ‘internacionalização’ (globalização) a marca mais saliente do crime organizado nas duas últimas décadas. Já não é correto apontar a conexão norte-americana-italiana (Máfia siciliana e Cosa Nostra) como uma singular manifestação dessa modalidade criminosa. Inúmeras são as organizações criminais já mundialmente conhecidas. Podemos citar, dentre tantas outras ainda não tão destacads, a camorra napolitana, na’drangheta calabresa, a sacra corona pugliesa, a boryokudan e a yakuza japonesas, as tríades chinesas, os jovens turcos de Cingapura, os novos bandos no Leste europeu, os cartéis da droga, os contrabandistas de armas etc.

São grupos que atuam universalmente , favorecidos hoje pela globalização da economia, comércio livre, desenvolvimento das telecomunicações, universalização financeira, colapso do sistema comunista, processo de unificação das nações (que provoca rompimento das fronteiras) etc. Alguns já chegaram a formar um verdadeiro ‘antiestado’, isto é, um ‘estado’ dentro do Estado, com uma pujança econômica incrível, até porque existe muita facilidade na ‘lavagem do dinheiro sujo’, e grande poder de influência (pelo que é válido afirmar que é altamente corruptor) . Particularmente no que diz respeito à máfia, cabe destacar que da sua fase agrícola (anos 50/60), passando pela fase urbana ou empresarial, chegou-se à máfia da droga (anos 70/90), que dispõe de imenso capital e adquire uma gigantesca capacidade de penetração e influência política…o Estado não tem mais condições de enfrentar qualquer desafio… il vecchio Stato nazioale, impõe-se concluir, non regge più. (Grifos acrescidos).

Não serão os grupos que atuam nos morros e nas favelas do Brasil um exemplo de antiestado? Não oferecem, eles, “segurança”, “alimentação” e outros serviços que seriam (e são!) obrigações do Estado manter? Mas o Estado não mantém, não faz a sua parte no famoso Contrato Social, então, deixa que a outra parte contratante procure livremente (ou seja procurada) por quem lhes oferece condições mínimas de viver com dignidade: por mais paradoxal que seja, é nesses antiestados que a população busca seu acesso aos direitos básicos garantidos na Carta Magna e que os governos não cumprem ou não o fazem como deveriam; em retribuição: lei do silêncio, proteção aos criminosos…

E continuam Gomes e Cervini (1997:77) em sua elucidativa explicação:

“Uma nota mais recente da criminalidade organizada, pelo menos na América Latina e no que se relaciona especificamente ao narcotráfico, foi destacada por Jorge G. Castañeda: o narcotraficante atual está cada vez mais diferente daqueles jovens com pulseiras de ouro, cintos largos, anéis brilhantes…tornou-se um executivo, um empresário moderno, que se dedica a um negócio altamente lucrativo. Estão participando ativamente da vida econômica de vários países, assim como da vida política. Marcam presença principalmente nos processos de privatização, não só para ‘lavar dinheiro’, senão sobretudo para incorporar-se na vida econômica lícita. Estão integrando o ‘narcotráfico’ na vida institucional de cada país e desse modo buscam uma convivência pacífica, evitando-se a guerra fratricida e sangrenta”. (Grifos acrescidos).

Argemiro Procópio (1999:39) revela a influência que costumes e valores têm para o uso de entorpecentes e seu conseqüente tráfico, afiançando que, cada vez mais cedo, indivíduos são levados ao crime: “No Rio de Janeiro e em São Paulo, menores de 18 anos ocupam postos de comando no mundo dos narcóticos. Tais funções no passado pertenciam exclusivamente aos maduros e considerados experientes. As organizações criminosas empregam diretamente, sem salários fixos, milhões de pessoas, sendo parte constituída por crianças e adolescentes. A recompensa cresce nas funções de mando”.

Como se observa, o crime organizado também sofreu influências da globalização, onde cada vez mais, essas associações criminosas usam das modernas tecnologias para espraiar seu raio de ação.

3 CONCLUSÕES

Como se observa, o fenômeno do crime organizado é mundial. Entretanto, que soluções poderiam ser apontadas para o problema em questão? É melhor prevenir ou reprimir? Acredita-se que a melhor forma seja a prevenção, via educação. Quanto custa construir e manter uma escola? E uma instituição penitenciária?

Essa afirmação é compartilhada por Gomes e Cervini (1997:79) que expõem com muita clareza: “A melhor política, para fazer frente a semelhante fenômeno social, é a da prevenção, via educação, não a repressão (sempre apoiada no Direito Penal, que não é o instrumento adequado para punir aquilo que é socialmente adequado ou tolerado). A proibição do comércio do fumo constitui outro exemplo de irracionalidade: quantas organizações criminais fizeram (e ainda fazem) fortunas com tal proibição. O álcool, o fumo e o ‘uso’ (tráfico é outra coisa) de substâncias entorpecentes em geral, porque constituem objetos com uma forte e inegável demanda coletiva, sempre foram e continuarão sendo, à medida que legalmente proibidos, uma fonte inesgotável de riqueza ‘paralela’, livre de impostos e de outros encargos sociais”.

Deste modo, cumprindo sua parte no Contrato Social, o Estado conseguirá reduzir sobremaneira as condutas típicas e, entre elas, o crime organizado, mas principalmente, estará realizando sua função e transformando habitantes em cidadãos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, 1988.

CINTRA, Luciano Henrique. Alguns aspectos sobre a lei de crimes hediondos.[on line] Disponível na Internet via www.url:http://geocities.com/collegepark/bookstore/9642/hed.html. Arquivo capturado em 30 de setembro de 2000.

GOMES, Luiz Flávio, CERVINI, Raúl. Crime organizado: enfoque criminológico, jurídico (Lei nº 9.034/95) e político-criminal. 2. ed. rev. atual. amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.

PROCÓPIO, Argemiro (Org.) Narcotráfico e segurança humana. São Paulo: LTR, 1999.

SILVA, Ivan Luiz da. Crime organizado: aspectos jurídicos e criminológicos (Lei nº 9.034/95). Belo Horizonte: Nova Alvorada, 1998.

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