O Ministério Público reage

Procuradores querem revogar MP que dificulta investigações

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31 de dezembro de 2000, 23h00

O que motivou a Medida Provisória 2.088-35, que impede a “instauração temerária” de inquéritos por improbidade administrativa, foi um levantamento da Advocacia-Geral da União mostrando que, em dois anos, o Ministério Público Federal promoveu 47 ações contra autoridades e funcionários do governo, a maioria fundada “em propósito pessoal ou de cunho político”, segundo o jornalista Luiz Orlando Carneiro, do Jornal do Brasil.

O mais visado pelas ações é o ex-ministro do Esporte e Turismo Rafael Grecca (21 ações). O ministro da Fazenda, Pedro Malan, esponde a três processos. O presidente Fernando Henrique Cardoso entra na relação como acusado de improbidade administrativa em ações populares propostas por Antonio Rocha Barros (cisão da Telebrasília) e Walter de Freitas Pinheiro (venda do Sistema Telebrás).

Das ações contra o ministro Pedro Malan, duas referem-se ao socorro financeiro prestado ao extinto Banco Econômico e a outra é sobre a utilização de avião da FAB em viagens particulares. As ações de improbidade administrativa contra o ex-ministro Rafael Grecca referem-se aos seguintes casos: permissão ilegal de bingos eletrônicos; convênio com a Fundação Cultural de Curitiba; e repasses de verbas a municípios.

Na 22ª Vara Federal de Brasília, correm processos de improbidade administrativa contra Francisco Lopes, Cláudio Mauch e Tereza Grossi (Operação Banco Marka); Antonio Kandir (utilização de avião da FAB); e Clóvis Carvalho (idem). Na 20ª Vara, tramita um dos processos contra Malan (com o ministro Pedro Parente, Gustavo Loyola e Gustavo Franco); outro contra Paulo César Ximenes (suspensão do Programa de Desligamento Voluntário do Banco do Brasil). Dois processos envolvendo Rafael Grecca estão na 21ª Vara, havendo um outro em que o indiciado é o ministro dos Transportes, Eliseu Padilha (caso DNER).

Além do ministro Pedro Malan, são processados em outras varas federais, por utilização de aviões da FAB, os ministros Ronaldo Sardemberg, Luiz Felipe Lampreia, Raul Jungmann, Paulo Renato de Souza e o general Alberto Cardoso. O genro do presidente Fernando Henrique, David Zilbernstajn, diretor da Agência Nacional de Petróleo (ANP) é acusado de improbidade em contratos temporários.

Para o procurador da República Luiz Francisco de Souza, a Medida Provisória 2.088, editada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso para punir os representantes do Ministério Público e delegados de polícia que fizerem denúncias de improbidade administrativa improcedentes, é inconstitucional e será contestada no Supremo Tribunal Federal.

Ele prevê aumento da corrupção no país, em razão das amarras que o governo está impingindo à ação de procuradores, promotores e delegados. Segundo Luiz Francisco, os suspeitos têm em mãos, agora, uma poderosa arma para usar contra os fiscalizadores do dinheiro público, em caso de erro do Judiciário.

“O governo não está interessado em combater a corrupção”, disse Luiz Francisco ao Jornal do Brasil. O procurador é autor de diversas ações contra figuras importantes do governo e ex-parlamentares, como o ex-senador Luiz Estevão e o ex-deputado Hildebrando Pascoal.

Em nota oficial, Luiz Francisco e os procuradores Guilherme Schelb e Oswaldo Barbosa Silva citaram ações que protocolaram na Justiça nos casos Banespa, Marka e FonteCindam, Feira de Hannover, os bingos envolvendo o ex-ministro do Turismo Rafael Greca, DNER, Serpro e o uso de aviões da FAB. Todos citando pessoas de destaque do governo.

“Diante do escândalo do uso abusivo de aviões da FAB por ministros de Estado, o presidente da República ampliou as hipóteses de uso das aeronaves pelos ministros, permitindo sua utilização para viagens de fim de semana de retorno aos seus estados de origem (o que antes era proibido)”, critica a nota. “Infelizmente, o governo insiste em alterar livremente a lei, quando seus interesses são prejudicados pelo seu correto cumprimento”, conclui o documento.

Luiz Francisco de Souza disse que solicitará a elaboração de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade ao procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro. E também à Ordem dos Advogados do Brasil, que pode representar contra a medida provisória no Supremo Tribunal Federal.

Os procuradores usam cinco argumentos para questionar a MP. Segundo eles, a proposta fere a independência de ação do Ministério Público (artigo 127 da Constituição). Eles também consideram atacado o princípio da moralidade (cerceando o combate à improbidade administrativa) e derrubado o direito de proposição de ação dos procuradores e promotores.

A principal reclamação de Luiz Francisco recai sobre o que ele classifica de critério subjetivo imposto ao Ministério Público, no trecho “atribuindo a outrem fato de que o sabe inocente”, na proposição de ações de improbidade. Segundo a MP, se a ação for improcedente, os representantes do Ministério Público terão de pagar multa de até R$ 151 mil e podem perder o cargo. “Você condena uma conduta objetiva, não um fato subjetivo, como está querendo o governo”, argumenta Luiz Francisco, criticando o suposto conhecimento da inocência de quem se processa. Ele acredita que o juiz pode interpretar que o procurador sabia que o réu era inocente, condenando o acusador com base na medida.


“Enquanto não houver a telepatia nos tribunais, não se pode fazer isso”, frisou Luiz Francisco. “Só quando tivermos telepatia poderemos saber se uma pessoa é inocente ou não. Se há suspeitas, temos de investigar. Além disso, propomos a ação e o juiz pode indeferir ou aceitar a denúncia. Nós sempre recorremos ao Judiciário. Mas se um criminoso comprar testemunhas ou forjar documentos e for inocentado, quem vai pagar é o procurador.”

O procurador Guilherme Schelb classificou a MP de intimidatória. “Não me parece uma iniciativa para garantir o interesse público, e sim uma forma de reprimir a propositura de ações que incomodam o governo”, avaliou.

O presidente do Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região, juiz Fernando Tourinho Neto, acha um “procedimento correto” evitar que administradores públicos sejam alvo de ações de improbidade administrativa, “sem que tenham o direito de dizer, antes do início da ação, como e por que agiram quanto ao que foram acusados”. Mas não concorda com o ‘veículo’ usado pelo governo, a medida provisória (MP).

Para Tourinho Neto, o Executivo deveria enviar ao Congresso projeto de lei regulando o processo no caso das ações de improbidade administrativa, com base no que já dispõe o Artigo 514 do Código de Processo Penal, pelo qual o juiz pode dar 15 dias ao acusado para responder à denúncia por escrito.

Leia a íntegra da Medida Provisória

MP No 2.088-35, DE 27 DE DEZEMBRO DE 2000.

Altera as Leis nos 6.368, de 21 de outubro de 1976, 8.112, de 11 de dezembro de 1990, 8.429, de 2 de junho de 1992, e 9.525, de 3 de dezembro de 1997, e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 62 da Constituição, adota a seguinte Medida Provisória, com força de lei:

Art. 1o O art. 3o da Lei no 6.368, de 21 de outubro de 1976, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 3o As atividades de prevenção e repressão do tráfico ilícito, do uso indevido e produção não autorizada de substâncias entorpecentes e drogas que causem dependência física ou psíquica, bem como aquelas relacionadas com o tratamento, a recuperação e a reinserção social de dependentes, serão integradas num Sistema Nacional Antidrogas, constituído pelo conjunto de órgãos que exercem essas atribuições nos âmbitos federal, estadual, distrital e municipal.

…………………………………………………………………..” (NR)

Art. 2o Os arts. 25, 46, 47, 91, 117 e 119 da Lei no 8.112, de 11 dezembro de 1990, passam a vigorar com as seguintes alterações:

“Art. 25. Reversão é o retorno à atividade de servidor aposentado:

I – por invalidez, quando junta médica oficial declarar insubsistentes os motivos da aposentadoria; ou

II – no interesse da administração, desde que:

a) tenha solicitado a reversão;

b) a aposentadoria tenha sido voluntária;

c) estável quando na atividade;

d) a aposentadoria tenha ocorrido nos cinco anos anteriores à solicitação;

e) haja cargo vago.

§ 1o A reversão far-se-á no mesmo cargo ou no cargo resultante de sua transformação.

§ 2o O tempo em que o servidor estiver em exercício será considerado para concessão da aposentadoria.

§ 3o No caso do inciso I, encontrando-se provido o cargo, o servidor exercerá suas atribuições como excedente, até a ocorrência de vaga.

§ 4o O servidor que retornar à atividade por interesse da administração perceberá, em substituição aos proventos da aposentadoria, a remuneração do cargo que voltar a exercer, inclusive com as vantagens de natureza pessoal que percebia anteriormente à aposentadoria.

§ 5o O servidor de que trata o inciso II somente terá os proventos calculados com base nas regras atuais se permanecer pelo menos cinco anos no cargo.

§ 6o O Poder Executivo regulamentará o disposto neste artigo.” (NR)

“Art. 46. As reposições e indenizações ao erário, atualizadas até 30 de junho de 1994, serão previamente comunicadas ao servidor ou ao pensionista e amortizadas em parcelas mensais cujos valores não excederão a dez por cento da remuneração ou provento.

§ 1o Quando o pagamento indevido houver ocorrido no mês anterior ao do processamento da folha, a reposição será feita imediatamente, em uma única parcela.

§ 2o Aplicam-se as disposições deste artigo à reposição de valores recebidos em cumprimento a decisão liminar, a tutela antecipada ou a sentença que venham a ser revogadas ou rescindida.

§ 3o Nas hipóteses do parágrafo anterior, aplica-se o disposto no § 1o deste artigo sempre que o pagamento houver ocorrido por decisão judicial concedida e cassada no mês anterior ao da folha de pagamento em que ocorrerá a reposição.” (NR)

“Art. 47. O servidor em débito com o erário, que for demitido, exonerado ou que tiver sua aposentadoria ou disponibilidade cassada, terá o prazo de sessenta dias para quitar o débito.


Parágrafo único. A não quitação do débito no prazo previsto implicará sua inscrição em dívida ativa.” (NR)

“Art. 91. A critério da Administração, poderão ser concedidas ao servidor ocupante de cargo efetivo, desde que não esteja em estágio probatório, licenças para o trato de assuntos particulares pelo prazo de até três anos consecutivos, sem remuneração.

Parágrafo único. A licença poderá ser interrompida, a qualquer tempo, a pedido do servidor ou no interesse do serviço.” (NR)

“Art. 117. …………………………………………………………………..”

X – participar de gerência ou administração de empresa privada, sociedade civil, salvo a participação nos conselhos de administração e fiscal de empresas ou entidades em que a União detenha, direta ou indiretamente, participação do capital social, sendo-lhe vedado exercer o comércio, exceto na qualidade de acionista, cotista ou comanditário;

…………………………………………………………………..”” (NR)

“Art. 119. …………………………………………………………………..”

Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica à remuneração devida pela participação em conselhos de administração e fiscal das empresas públicas e sociedades de economia mista, suas subsidiárias e controladas, bem como quaisquer empresas ou entidades em que a União, direta ou indiretamente, detenha participação no capital social, observado o que, a respeito, dispuser legislação específica.” (NR)

Art. 3o Os arts. 11 e 17 da Lei no 8.429, de 2 de junho de 1992, passam a vigorar com as seguintes alterações:

“Art. 11. ……………………………………………”

VIII – instaurar temerariamente inquérito policial ou procedimento administrativo ou propor ação de natureza civil, criminal ou de improbidade, atribuindo a outrem fato de que o sabe inocente.” (NR)

“Art. 17

………………………………………….”

§ 6o A ação será instruída com documentos ou justificação que contenham indícios suficientes da existência do ato de improbidade ou com razões fundamentadas da impossibilidade de apresentação de qualquer dessas provas.

§ 7o Estando a inicial em devida forma, o juiz mandará autuá-la e ordenará a notificação do indiciado, para oferecer resposta por escrito, que poderá ser instruída com documentos e justificações, dentro do prazo de quinze dias.

§ 8o O juiz rejeitará a ação, em despacho fundamentado, se convencido, pela resposta do réu, da inexistência do ato de improbidade ou da improcedência da ação.

§ 9o Recebida a ação, será o réu citado para apresentar contestação.

§ 10. O réu poderá, em reconvenção, no prazo da contestação, ou em ação autônoma, suscitar a improbidade do agente público proponente da ação configurada nos termos do art. 11, incisos I e VIII, desta Lei, para a aplicação das penalidades cabíveis.

§ 11. Quando a imputação for manifestamente improcedente, o juiz ou o tribunal condenará nos mesmos autos, a pedido do réu, o agente público proponente da ação a pagar-lhe multa não superior ao valor de R$ 151.000,00 (cento e cinqüenta e um mil reais), sem prejuízo do disposto no parágrafo anterior.

§ 12. Aplica-se aos depoimentos ou inquirições realizadas nos processos regidos por esta Lei o disposto no art. 221, caput e § 1o, do Código de Processo Penal.” (NR)

Art. 4o O art. 2o da Lei no 9.525, de 3 de dezembro de 1997, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 2o Aplica-se aos Ministros de Estado o disposto nos arts. 77, 78 e 80 da Lei no 8.112, de 11 de dezembro de 1990, exceto quanto ao limite de parcelamento das férias, cabendo àquelas autoridades dar ciência prévia ao Presidente da República de cada período a ser utilizado.” (NR)

Art. 5o Ficam convalidados os atos praticados com base na Medida Provisória no 1.964-34, de 21 de dezembro de 2000.

Art. 6o Esta Medida Provisória entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 7o Revogam-se:

I – o art. 26 da Lei no 8.112, de 11 de dezembro de 1990;

II – o inciso III do art. 61 e o art. 67 da Lei no 8.112, de 1990, respeitadas as situações constituídas até 8 de março de 1999;

III – a Medida Provisória no 1.964-34, de 21 de dezembro de 2000.

Brasília, 27 de dezembro de 2000; 179º da Independência e 112º da República.

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

José Gregori

Pedro Malan

Martus Tavares

Alberto Mendes Cardoso

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