Seção sob suspeita

Seção brasileira da Anistia Internacional está sob intervenção

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31 de dezembro de 2000, 23h00

Com 16 anos de existência, a Seção Brasileira da Anistia Internacional está sob intervenção do Comitê Executivo Internacional da entidade, sediado em Londres.

Sob suspeita de irregularidades – má gestão de recursos e superfaturamento -, toda a diretoria da Seção Brasileira foi destituída e suas contas estão sendo auditadas em Londres. Uma assembléia extraordinária, ocorrida em Campinas (SP), elegeu novos diretores, mas eles não podem assumir oficialmente seus cargos porque a questão está sub judice, segundo informa o Jornal do Brasil.

A diretoria destituída entrou com 11 ações na Justiça e praticamente paralisou as atividades da Seção Brasileira. Uma das ações, já acolhida em primeira instância, pede a anulação da assembléia extraordinária e impede a posse da nova diretoria.

A crise na Seção Brasileira da Anistia Internacional explodiu em abril de 2000 e desde então vem sendo mantida quase que em segredo por seus integrantes. Duas facções estão em guerra declarada pelo comando da entidade no Brasil: o grupo destituído, liderado pelo advogado Márcio Gontijo, ex-presidente da seção; e o grupo representado pelo filósofo Alexandre Guedes, atual presidente. O racha afugentou militantes e silenciou seus dirigentes. Uma das mais antigas entidades de direitos humanos do mundo, internacionalmente famosa por sua combatividade, a Anistia hoje parece envergonhada.

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Preocupados em preservar a imagem da entidade e com medo de ser processados por calúnia, militantes ligados à nova diretoria contam, reservadamente, que começaram a perceber as supostas irregularidades nas contas da entidade em meados de 1999.

A seguir, outros militantes passaram a enviar cartas para a sede em Londres expondo suas suspeitas. Em resposta a esses apelos, uma comissão representativa do Comitê Executivo Internacional foi enviada ao Brasil, em dezembro de 1999, e decidiu suspender a Seção Brasileira. Meses depois, em abril deste ano, a assembléia extraordinária de Campinas elegeu nova diretoria. A posse dos novos diretores, entretanto, foi suspensa por ordem judicial.

Nos dois campos de batalha, o silêncio é o mesmo quando se trata de falar em números. Tanto a diretoria destituída quanto os atuais dirigentes não informam o total dos recursos que teriam sido desviados nem a dimensão do suposto superfaturamento. Cartas enviadas aos associados e militantes de todo o país, no entanto, revelam que uma das irregularidades foi verificada no Programa de Língua Portuguesa, que consistia em publicar relatórios da Anistia traduzidos para o português e que era coordenado pelo advogado Carlos Alceu Machado.

Preços

Sempre em reservadamente, militantes do lado oposto acusam Machado de ter contratado uma firma pertencente a sua família para fazer as publicações. Dizem ainda que essa firma cobrava preços acima do mercado. Machado afirma que, chamado na época a dar suas explicações, conseguiu provar que a firma cobrava preços inferiores aos de mercado. Outro programa que teria apresentado irregularidades foi o de Educação em Direitos Humanos, coordenado por Ricardo Balestreri, ex-presidente da Seção Brasileira e pertencente ao grupo de Marcio Gontijo.

Nenhuma das acusações contra a diretoria destituída, entretanto, foi formalizada. Todas as ações que correm na Justiça em três estados – Rio Grande do Sul, São Paulo e Paraíba – foram movidas pelo grupo destituído e algumas pedem que os novos dirigentes sejam interpelados para confirmar suas denúncias e apresentar provas. Segundo Marcio Gontijo, os que já foram ouvidos pela Justiça negaram todas as denúncias em juízo. O atual presidente da Seção Brasileira, Alexandre Guedes, sediado em João Pessoa, falando ao Jornal do Brasil, se esquivou. ‘Isso é mais fofoca. Dinheiro é coisa menor.’

Virtual

De acordo com Guedes, a questão central foi o ‘questionamento em relação à linha de trabalho que vinha sendo adotada’. ‘É preciso mensurar se o que estava sendo feito era real ou virtual. Está havendo uma auditoria para ver se o trabalho realizado justificava os gastos’, disse ao JB o atual presidente da Seção Brasileira.

Sem falar em números, Guedes informa que a auditoria – que está sendo realizada em Londres – deverá ser concluída em julho de 2001, quando haverá assembléia para eleger nova diretoria. Ele espera ser reconduzido ao cargo nessa assembléia e afirma que, em oito meses de gestão, fez mais do que o grupo rival em 16 anos. ‘Eles tinham uma atuação elitista, não se articulavam com os movimentos sociais e os militantes não eram bem informados sobre as atividades da entidade. Era um mesmo grupo que se revezava na direção desde a fundação da Seção Brasileira’, conta Guedes, anunciando o recadastramento dos militantes.

O número de militantes, aliás, é uma incógnita. Guedes diz que não é possível calcular e também não informa os valores do orçamento da entidade. Carlos Alberto Idoeta, administrador de empresas e fundador da Seção Brasileira, diz que a entidade já chegou a ter 1.000 associados no Brasil, mas acredita que a crise fez esse número despencar. ‘Não me surpreenderia se hoje tiver apenas 10% a 20% disso.’

Procurado pelo Jornal do Brasil, o Comitê Executivo Internacional não atendeu aos pedidos de entrevista. Falando de Londres por telefone, a assessora de comunicação da sede da Anistia Internacional, Susan Kobrin, pediu que as perguntas fossem enviadas por e-mail. Embora tenha confirmado o recebimento das perguntas, Kobrin não enviou as respostas.

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