Tombo em escada

Masp é condenado a indenizar juíza federal que caiu em escada

Autor

21 de fevereiro de 2001, 0h00

A juíza federal Regina Helena Costa, passou uma situação constrangedora no Museu de Arte de São Paulo ao cair sentada em uma escadaria. Sofreu três fraturas, teve que esperar vinte minutos por socorro médico e ainda por cima enfrentou olhares de curiosos que paravam no local para ver o que estava acontecendo. Depois do vexame, resolveu entrar na Justiça contra o Masp por danos materiais e morais.

O juiz Milton Paulo de Carvalho Filho, da 20ª Vara Cível, considerou a ação procedente e concedeu indenização de cem salários mínimos por danos morais e R$ 624, por danos materiais. O advogado Luiz Camargo Aranha Neto, representante do Masp, disse que vai recorrer da sentença.

O advogado Clovis Beznos, que representa a juíza, disse que poderá recorrer para aumentar o valor da indenização por danos morais. Ele havia pedido mil salários mínimos inicialmente.

Na ação, a juíza alega que os responsáveis do Masp não prestaram socorro. Ela teve que esperar pelo atendimento do Fórum Pedro Lessa da Justiça Federal, que fica próximo ao local. Regina Helena ficou impossibilitada de locomover-se, paralisou todas as suas atividades e teve licença médica por setenta e cinco dias, entre outros prejuízos.

Segundo Bzenos, em entrevista para a revista Consultor Jurídico, “qualquer pessoa que passar por situação vexatória e de dores em quedas de escadas sem segurança, em lugar público ou privado, pode pedir indenização por dano moral”.

De acordo com ele, nessas situações é necessário verificar se o local tem as normas de segurança exigidas pelo Código de Edificações do Município. “No Masp deveria haver pelo menos três corrimãos na escada que é larga”, garantiu.

O advogado do Masp afirma que “o acidente foi fortuito e não houve qualquer negligência por parte do museu”. Segundo ele, a juíza pediu socorro à Justiça Federal porque o órgão tem serviço de ambulatório.

Aranha cita locais com escadarias largas que não possuem corrimão. Segundo ele, os projetos do arquiteto Niemeyer, por exemplo, incluindo a sede do STJ, “dispensam corrimão por questões estéticas, bem como demais prédios da capital federal, sem contar inúmeras igrejas espalhadas pelo Brasil”. Ele considera que o tombo foi “mera fatalidade, podendo ter ocorrido até mesmo em casa ou em ruas esburacadas”.

Leia, na íntegra, a decisão da Justiça.

PODER JUDICIÁRIO

SÃO PAULO

VIGÉSIMA VARA CÍVEL DA CAPITAL –

PROCESSO Nº 99.014.852-1.

VISTOS.

REGINA HELENA COSTA ajuizou ação de ressarcimento de danos em face de MASP – MUSEU DE ARTE DE SÃO PAULO.

Narrou que no dia 17 de setembro de 1996, após almoçar no restaurante do réu, quando descia as escadas nos fundos do museu, em frente à praça Antonio Benetazzo, em companhia de três colegas, único meio existente destinado pela ré para essa finalidade, desequilibrou-se e ao perceber sua iminente queda, segurou-se em um de seus amigos, vindo a cair sentada.

Disse que em razão da queda sofreu três fraturas, uma de maior gravidade na tíbia e outras duas, menores, na fíbula (perônio), vindo a ter a perna engessada do alto da coxa até o pé, inclusive, permanecendo imobilizada por quatro meses aproximadamente.

Alegou ainda que experimentou dor insuportável e viu-se constrangida a aguardar no chão por vinte minutos a chegada de socorro médico, providenciado junto ao Fórum Pedro Lessa da Justiça Federal, porquanto nada foi feito pelos responsáveis do Masp ou pelo restaurante para ajudá-la ou para tentar minimizar seu sofrimento, demonstrando desprezo pelo próximo e indiferença com a dor alheia.

Aduziu que em razão do acidente ficou impossibilitada de locomover-se, sendo obrigada a paralisar todas as suas atividades; foi-lhe concedida licença médica por setenta e cinco dias; deixou de votar nas eleições de 3 e 15 de novembro de 1996; ficou impedida de terminar o ano letivo da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, na qual é professora assistente de direito tributário.

Disse também que sofreu muito no período da recuperação, com dores por todo o corpo e, sem poder trabalhar, padeceu durante várias semanas angustiada e desanimada.

Sustentando a culpa exclusiva do réu pelo acidente sofrido, em razão da imperícia na construção da escada e na falta de aviso do risco que impunha aos seus usuários, requereu a procedência da ação, a fim de que o réu seja condenado no pagamento de indenização pelos danos materiais (R$ 624,09 – relativos aos gastos médicos) e morais sofridos, além do pagamento das custas e dos honorários de advogado.

Com a inicial vieram os documentos de fls. 10/64. O réu foi citado e contestou a ação.

Alegou, em preliminar, ilegitimidade de parte, tendo em vista que o imóvel pertence à Prefeitura Municipal, sendo sua a responsabilidade pelo acidente havido com a autora.


No mérito, sustentou que não construiu a escada; que ela não constitui uma armadilha, nem é perigosa; que os laudos juntados com a inicial não foram submetidos ao contraditório e a ampla defesa; que mantém o prédio dentro dos mais rigorosos padrões de segurança e conforto para o público, respeitando os limites impostos pela legislação; que foi determinada a interdição da escada e sua reforma; que não há registro anterior de qualquer acidente na mesma escada; que houve um tropeço fortuito da autora; que a autora foi socorrida, mas impediu auxílio de funcionários; que ficou exposta a curiosidade pública, por comando próprio; que não agiu de forma dolosa e nem ilícita; que a autora não sofreu dano algum; e, por fim, que após a sua recuperação retornou a seu posto, exercendo suas atribuições normalmente.

Impugnando o valor pretendido pela autora a título de danos morais, requereu a improcedência da ação. Juntou os documentos de fls. 77/106.

Houve réplica, onde a autora juntou os documentos de fls. 123/129. A autora especificou provas e complementou o depósito das custas devidas.

A autora interpôs agravo de instrumento contra a decisão proferida nos autos da impugnação ao valor da causa em apenso. As partes requereram a produção de provas.

Infrutífera a conciliação, o processo foi saneado, sendo determinada a realização da prova pericial. As partes indicaram assistentes e formularam quesitos.

O réu interpôs agravo retido contra a decisão que rejeitou a preliminar de ilegitimidade de parte.

O perito nomeado apresentou o laudo (fls. 204/224), com cujas conclusões manifestaram concordância a autora e seu assistente técnico. A ré juntou o laudo divergente de fls. 246/250.

Produzida a prova testemunhal (fls. 266/273), as partes ofertaram alegações finais, por intermédio de memorais, onde cada qual reiterou as razões anteriormente deduzidas.

É o relatório.

DECIDO:

A ação é procedente. O conjunto probatório evidencia, à saciedade, a responsabilidade do réu para a ocorrência do evento danoso. A culpa do réu é manifesta.

Com efeito, ficou comprovado que a autora precipitou-se na escada do museu e caiu no solo em virtude dos defeitos nelas existentes e apurados, consoante concluiu a perícia.

A “escada-rampa” onde a autora se acidentou (fotografias de fls. 61/64) não dispunha de corrimão e a largura e o cumprimento de seus degraus não atendiam as exigências contidas nos artigos 32 e 33 do Código de Edificações do Município de São Paulo (Lei n. 8.266/75), que a tornava perigosa.

Tivesse o réu construído ou adaptado a escada aos moldes legais, principalmente com os anteparos laterais ou corrimões, a autora não teria caído.

A prova testemunhal assegurou que o acesso obrigatório para o restaurante do MASP era pela escada em que a autora se acidentou. O réu desconsiderou os riscos que ela representava, por não atender os padrões técnicos legais, para a integridade física e segurança de seus freqüentadores e do público em geral, antes de escolher esta como única entrada para o seu refeitório.

A possibilidade do réu corrigir os defeitos existentes na escada, mesmo se tratando de imóvel tombado pelo CONDEPHAAT, também restou comprovada pelo documento de fls. 124, ficando afastada esta sua justificativa para não adequar a escada aos parâmetros legais e para se eximir da responsabilidade que lhe está sendo irrogada.

“O fato do Edifício do Museu de Arte de São Paulo ter sido tombado como monumento de interesse cultural não o isenta e impede de possuir as condições de segurança necessárias para permitir o acesso e a circulação interna do público”, como salientou o perito (fls. 215), pois é com esta – segurança – que o réu deveria se preocupar em primeiro lugar.

Já a idéia de que teria ocorrido um fato fortuito em nada se harmoniza com a situação aqui preconizada, porque a manifesta incúria do réu na manutenção da escada nas condições noticiadas não assume ares de imprevisibilidade e inevitabilidade, delineados no artigo 1.058 do Código Civil.

Descabe, ademais, raciocinar sobre a circunstância de antes não ter havido algum acidente na escada. Primeiro porque há notícia de que outros já ocorreram (fls. 266). Segundo porque a despreocupação e o descaso do réu foi tamanho que só após o acidente com a autora é que vislumbrou os riscos da má-construção e segurança da escada.

Ressalte-se, por fim, que o réu não cuidou também de fornecer orientação ou alertar as pessoas com avisos, da forma cuidadosa como deveriam utilizar da escada, ou mesmo colocou a sua disposição algum funcionário para esta finalidade ou até para ajudar aquelas pessoas que teriam maiores dificuldades para utilizá-la.

Destarte, forçoso é reconhecer a culpa exclusiva do réu para a ocorrência do acidente que vitimou a autora.


Reconhecida a responsabilidade do réu, de rigor sua condenação para que repare os danos sofridos pela autora, porquanto comprovado também o nexo de causalidade entre o fato ocorrido (utilização da escada e queda) e seu resultado (lesões na perna).

O réu deve, pois, arcar com o pagamento dos danos materiais e morais suportados pela autora.

As despesas de tratamento são devidas pelo réu que pagará aquelas que, efetivamente, estão demonstradas nos documentos de fls. 29/46 e que totalizam R$624,09.

O pedido da autora de condenação ao pagamento dos danos morais também é de ser acolhido.

Isto porque o dano moral é devido, sem prejuízo da indenização pelos danos materiais, nos termos da súmula 37 do Egrégio Superior Tribunal de Justiça.

Já a doutrina e a jurisprudência pacificaram o entendimento segundo o qual é cabível a indenização por dano moral, entendido este como qualquer sofrimento diverso da perda patrimonial, ainda que dele não decorra morte ou lesão deformante, como na hipótese dos autos.

Assim, a autora tem direito à indenização do dano moral, pela dor e sofrimento resultantes do acidente, como expressamente admitem os incisos V e X do artigo 5º da Constituição Federal.

Neste sentido: WLADIMIR VALLER, ” A reparação do dano moral no Direito Brasileiro”, E.V; Editora Ltda., 2ª edição, 1994, página 45, RUI STOCO, “Responsabilidade Civil e sua interpretação jurisprudencial”, 3ª edição, edição RT, página 522 e CÁIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, “Responsabilidade Civil”, 3ª edição, editora Forense, 1992, página 60 e Apelação Cível n. 692.022-3, 11ª Câmara de Férias do Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, relator Juiz Ruiz, j. 2.2.98 e RT 745/285.

Regina Helena sofreu moralmente em face da gravidade do ferimento e da intensidade da dor. A autora, em virtude do acidente, se viu submetida a lesões e traumas, que têm como conseqüência direta e imediata a dor, a angústia, o medo, o desconforto emocional e psíquico, além da exposição ao abalo estético, mesmo que temporário.

Além da autora ter permanecido afastada de suas atividades normais por mais ou menos quatro meses, fato que lhe causou depressão, conturbação e aborrecimentos, ficou ainda submetida a situação vexatória logo após acidentar-se, pois permaneceu caída na escada, chamando atenção de todos, por largo tempo, até que o enfermeiro e o médico da Justiça Federal a socorressem, por falta de ajuda imediata do réu.

Segundo a jurisprudência predominante (JSTJ 37/55 e JTJ 142/93-100), fixação da importância da indenização é preciso levar em conta a natureza do acidente, sua gravidade, a condição financeira do réu e o nível sócio-econômico e personalidade da autora.

Assim, levando em conta estar circunstâncias, fixa-se a indenização por dano moral em cem salários mínimos, vigentes na data do pagamento.

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE a ação e condeno o réu a pagar à autora, de uma só vez, a indenização por danos morais no valor equivalente a cem salários mínimos vigentes na data do pagamento, além das despesas de tratamento no importe de R$ 624,09, devidamente atualizadas desde o desembolso e acrescidas de juros a partir da data do evento danoso.

O réu arcará também com o pagamento das custas, despesas processuais e honorários de advogado, que fixo em 15% do valor total da condenação.

Arbitro os honorários do perito judicial em R$1.440,00, corrigidos a data a apresentação do laudo, devendo ser descontada a importância já levantada por ele, também devidamente corrigida e dos assistentes técnicos das partes em dois terços deste valor.

P.R.I.

São Paulo, 6 de fevereiro de 2.001.

MILTON PAULO DE CARVALHO FILHO

Juiz de Direito

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!