Projeto ad hominem

Palácio do Planalto tenta interferir na sucessão do STF

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5 de fevereiro de 2001, 23h00

A base governista incluiu entre as matérias consideradas urgentes a serem votadas na convocação extraordinária do Congresso um Projeto de Lei Complementar que trata da data de eleição e posse em tribunais.

Apesar de ser matéria de iniciativa privativa do STF, segundo estabelece a Constituição (artigo 93), o projeto foi apresentado pelo senador Lúcio Alcântara (PSDB-CE). Desde 1992, encontra-se na Câmara dos Deputados um projeto apresentado pelo Supremo, onde se reformula o Estatuto da Magistratura.

O texto atual proposto pelo relator Ramez Tebet (PMDB-MS), é ambíguo a ponto de se ter visto nele o propósito de se permitir aos atuais dirigentes de tribunais, além de um mandato tampão, até o fim do ano, a possibilidade de reeleição.

Em seu artigo 73-A, propõe-se que “os mandatos dos ocupantes dos cargos a que se refere o artigo 67-A desta Lei, cuja conclusão ocorra em datas posteriores a 1º de fevereiro, a partir de 2001, serão seguidos de mandatos com duração até 31 de dezembro de um mesmo ano, para os quais excepcionalmente se permite a reeleição dos mandatários imediatamente anteriores.”

O projeto já foi batizado de “Lei Marco Aurélio”, uma vez que se enxerga claramente a intenção do Palácio do Planalto de dificultar o acesso à presidência do STF de um ministro considerado independente demais para o gosto do governo. Juízes de Brasília consideraram a tentativa ofensiva em relação ao atual presidente da Casa, Carlos Velloso, que já manifestou seu apoio ao projeto considerado inconstitucional.

A eleição de Marco Aurélio está prevista para o próximo mês de abril e sua posse em maio. O projeto original, de autoria do senador Lúcio Alcântara (PSDB-CE), previa apenas o mandato tampão, com prorrogação da gestão para que os dirigentes de tribunais (onde isso já não acontece) passassem a tomar posse no início do ano, para dar cumprimento à Lei de Responsabilidade Fiscal.

Com a celeuma provocada em torno da proposta, duas novas redações passaram a ser examinadas. Pelo primeiro texto, estabelece-se quer a gestão dos atuais presidentes terão continuidade “a critério de cada tribunal, de mandatos com duração até 31 de dezembro do mesmo ano, para o qual se permite uma reeleição ou de mandatos com duração até 31 de dezembro do terceiro ano.”

Pela segunda redação, fixa-se que, a critério de cada tribunal, os mandatos serão estendidos “até 31 de dezembro de um mesmo ano, para os quais se permite, excepcionalmente, a reeleição dos mandatários imediatamente anteriores, sendo que neste caso, os mandatos terminarão em 31 de dezembro do terceiro ano.”

Juízes ouvidos por esta revista afirmam que o projeto padece de inconstitucionalidade formal por usurpar prerrogativa do Judiciário. O objetivo de interferir na sucessão do STF, para um dos entrevistados, é “escuso, ilegitimo e inaceitável”. Representa também “um retrocesso histórico, uma vez que interfere na autonomia do tribunal e tenta restabelecer norma que só vigorou no Brasil no período monárquico.

Carlos Velloso, o beneficiário da proposta, em entrevista na última segunda-feira (5/2) fez questão de afirmar que não teve participação na formulação da proposta, mas que apóia a extensão de seu mandato com o instituto da reeleição.

O ministro Costa Leite, presidente do STJ, por sua vez, repudiou o projeto e questionou a sua constitucionalidade. O presidente do Conselho Federal da OAB, Rubens Approbato, falando à repórter Márcia Quadros, da Gazeta Mercantil, se disse contrário a qualquer prorrogação de mandatos e também defendeu a iniciativa privativa do STF na matéria.

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