Mercado de capitais

Participação acionária de empregado não altera direitos trabalhistas

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29 de dezembro de 2001, 13h46

A participação acionária de empregados na empresa, embora prevista na legislação brasileira desde o advento da Lei nº 6.404/76 (“Lei das Sociedades Anônimas”), somente começou a ser implantada pelas empresas na década de 90.

Diante das diversas formas de participação acionária de empregados, as empresas, em sua maioria subsidiárias de grandes multinacionais, têm preferido implantar os “Stock Option Plans”, objetivando atrair e, principalmente, reter profissionais de talento.

Com efeito, o exercício, pelos empregados, da opção de compra de ações (sejam da própria empresa brasileira empregadora ou, ainda, das empresas estrangeiras controladoras) negociáveis no mercado de capitais, pode resultar em consideráveis lucros, caso as ações venham a se valorizar durante o período de carência estabelecido no plano. E é exatamente esse período de carência que faz com que os empregados, principalmente aqueles que ocupam os altos escalões nas empresas, desejem continuar em seus postos de trabalho, não se deixando seduzir por ofertas de emprego e oportunidades da concorrência.

A experiência de outros países no que se refere à participação acionária de empregados é vasta e relevante. Em decorrência do fenômeno da globalização, diversas empresas multinacionais passaram a adotar planos que permitem que seus empregados adquiram e, posteriormente, negociem no mercado de capitais, ações de seus empregadores.

Vale registrar que, embora o modelo do “Stock Option Plan”, desenvolvido primeiramente nos Estados Unidos, seja basicamente seguido pelas empresas em todo o mundo, os objetivos com a implantação dos planos de participação acionária são muitas vezes distintos. Enquanto as empresas latino-americanas e de parte da Europa visam conceder um benefício aos seus empregados, as empresas do leste europeu utilizam a participação acionária de empregados nos processos de privatização.

Inicialmente, as empresas brasileiras, ao implantarem os planos de opção de compra de ações, tiveram como principal alvo os grandes executivos, que são rotineiramente disputados no mercado de trabalho. Oferecer a esses importantes empregados a possibilidade de um considerável rendimento (negociação de ações em mercado de capitais), em troca de permanência na empresa por um determinado prazo, faz com que esses empregados se empenhem para que a empresa seja valorizada no mercado de capitais.

Algumas empresas, contudo, perceberam que não apenas os grandes executivos mas também os demais empregados deveriam fazer parte dos “Stock Option Plans”. Objetiva-se, com isso, que todos aqueles que são responsáveis pelo crescimento e desenvolvimento da empresa busquem o sucesso empresarial do seu empregador. Nesse sentido, o ideal de fidelidade também é reforçado.

Com a difusão dos “Stock Option Plans” no Brasil, torna-se necessário analisar a sua natureza jurídica, levando-se em consideração que a legislação trabalhista e previdenciária ainda não trataram do assunto.

“Stock Option Plans”. Definição.

No Brasil, a partir do início da década de 90, as empresas multinacionais começaram a oferecer opções de compra de ações a empregados de alto nível, responsáveis pela sua condução e desenvolvimento. Diante de um mercado de trabalho altamente competitivo, onde os grandes talentos são violentamente disputados pelas grandes empresas, as opções de compra de ações, através do “Stock Option Plan”, tornaram-se um relevante instrumento para a atração e a retenção de grandes profissionais.

A opção de compra de ações confere ao seu titular o direito de, num determinado prazo, subscrever ações da empresa para o qual trabalha ou da sua controladora no exterior, a um preço determinado ou determinável, segundo critérios estabelecidos por ocasião da outorga, através de um plano previamente aprovado pela assembléia geral da empresa.

O plano de opção de compra de ações, instrumento que efetivamente norteia a participação acionária dos empregados, deve basear-se sempre nos seguintes fatores: I) preço de emissão da ação, II) prazo para obtenção da elegibilidade do exercício das opções (prazo de carência ou “vesting”) e III) prazo máximo para o exercício das opções (termo da opção).

O preço de emissão da ação geralmente é o valor da ação da empresa no mercado de capitais, à época da assinatura do plano. Pode-se, ainda, definir o preço de emissão através da média do valor das ações nos últimos doze meses, com o intuito de se evitar grandes distorções no que se refere às eventuais perdas ou ganhos quando do exercício do direito de compra e venda das ações.

O prazo de elegibilidade, também chamado de prazo de carência, é o período em que o empregado deve permanecer na empresa até que possa exercer a sua opção de compra de ações. Após o fim do prazo de carência, o empregado, caso queira adquirir as ações cuja opção de compra lhe foi garantida, deve fazê-lo num prazo máximo, que costuma ser de seis meses (termo da opção).


Os planos de “Stock Option” representam, portanto, a concessão futura do direito de opção de compra de ações a destinatários específicos (administradores, empregados ou prestadores autônomos de serviços da companhia ou de suas subsidiárias), que possuem a prerrogativa de exercer um direito futuro de aquisição de um ativo, mediante o pagamento de um preço prefixado.

O empregado, após um prazo de carência determinado pelo contrato, pode, se quiser, exercer o direito de compra daquelas ações e pode delas dispor, comprando-as e negociando-as posteriormente. Como conseqüência direta das variações do mercado, no momento da negociação, as ações poderão ter um valor maior, igual ou até mesmo menor que o valor de emissão e o empregado, titular do direito de opção de compra, conseqüentemente, pode auferir ou não algum beneficio com a negociação delas.

Vale mencionar, ainda, que, no ato da assinatura do “Stock Option Plan”, o empregado não possui automaticamente o direito de comprar ações da sua empregadora ou da controladora da sua empregadora. O que o empregado possui, na verdade, é uma mera expectativa de direito, que só vai se materializar em direito subjetivo após o final do prazo de carência fixado pelo plano. Sendo assim, é importante esclarecer que, na hipótese de rescisão do contrato de trabalho, antes do final do referido período de carência, o empregado não tem o direito de exercer a opção de compra de ações.

É importante analisar, ainda, a hipótese em que, após o final do período de carência, o empregado exerce o direito de compra de apenas parte das ações a que faz jus e, após isso, é dispensado, sem justa causa. Nesse sentido, as decisões das cortes norte-americanas têm nos ensinado que se deve garantir ao empregado o exercício do direito de compra das ações restantes, cujo prazo de carência já se expirou. Esse direito, contudo, deve ser exercido dentro de um prazo razoável, para que a empresa não tenha ações de seu “Stock Option Plan” atreladas a um ex-empregado, por um prazo indeterminado.

Ademais, no Brasil, em casos de dispensa sem justa causa, é imperioso que se considere a projeção do aviso prévio, para se avaliar o direito do empregado de comprar ações através do “Stock Option Plan”. Ou seja, o aviso prévio, mesmo que indenizado, deve integrar o contrato de trabalho e, portanto, deve ser incluído na contagem do período de carência fixado no “Stock Option Plan”.

A concessão de opção de compra de ações a empregados, contudo, ainda é encarada como novidade no Direito brasileiro, que carece de legislação específica sobre a questão, seja no tocante às suas implicações trabalhistas seja no que se refere às suas implicações previdenciárias.

Em que pese o fato dos planos de opção de compra de ações serem cada vez mais utilizados, no Brasil, pelas empresas brasileiras e multinacionais como ferramenta para atração, retenção e estímulo de profissionais, ainda não há regulamentação específica sobre a matéria no que tange às suas condições de funcionamento e natureza jurídica.

“Stock Option Plans”. Natureza jurídica.

Caso defina-se que a opção de compra de ações seja um mero benefício concedido aos empregados, tendo natureza jurídica salarial, far-se-á necessária a sua inclusão na base de cálculo de todos os direitos trabalhistas (Décimo-terceiro salário, abono de férias, depósitos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço etc.), o que resultará em relevantes despesas que não são desejadas pelas empresas.

Por outro lado, na hipótese de se constatar que o “Stock Option Plan” é um contrato de natureza meramente mercantil, totalmente desvinculado do contrato de trabalho, os ganhos eventualmente auferidos por empregados, quando da venda das ações adquiridas através do plano, não deverão ser considerados como parte da sua remuneração.

O “Stock Option Plan”, em geral, é um plano através do qual os empregadores oferecem aos seus empregados o direito de comprar ações do próprio empregador ou da sua matriz no exterior, a um preço preestabelecido, após um período de carência.

Uma vez vencido o prazo de carência, o empregado pode ou não exercer a opção de comprar as ações do seu empregador. Ou seja, a opção de compra de ações não é um benefício que automaticamente se incorpora ao patrimônio do empregado, quando da assinatura do contrato de “Stock Option Plan” e sim uma mera expectativa de direito, que poder ser exercido ou não pelo empregado, somente após o término do período de carência.

Caso o empregado decida por exercer o seu direito de compra de ações, pagará ao seu empregador pelas suas ações ou pelas ações da sua matriz. Nesse sentido, vale argumentar que a oferta de compra de ações é concedida ao empregado através de um contrato oneroso, que afasta a sua condição de benefício, já que a característica “gratuidade” não está presente.


Após pagar e receber as ações, o empregado passa a enfrentar os riscos do mercado de capitais, cuja constante flutuação pode resultar em consideráveis lucros ou temerários prejuízos. Ou seja, se, na ocasião do exercício do direito à compra de ações (termino do prazo de carência), o valor das ações estiver menor do que o valor da opção combinado previamente (preço de emissão), o empregador não subsidiará a diferença, ficando o empregado, pelo menos nesse primeiro momento, impossibilitado de auferir lucro com o exercício da compra e venda das ações.

Em outras palavras, pode o empregado esperar para exercer o direito de compra das ações oportunamente ou comprar os papéis com prejuízo, apostando numa subida breve do seu valor.

Assim, para que fique indubitavelmente definido que o fruto do contrato de opção de compra de ações não corresponde a verba salarial, deve estar sempre presente o caráter mercantil, que sucumbiria se o empregador garantisse o lucro no exercício da compra das ações e eliminasse o risco característico do mercado de capitais.

Vale ressaltar que, além do caráter oneroso do exercício do direito de compra de ações, não há, nos ganhos auferidos pelos empregados em razão do “Stock Option Plan”, a habitualidade definida pela lei e pela doutrina como caracterizadora de remuneração. Os ganhos que podem ser auferidos com o “Stock Option Plan” são eminentemente eventuais, já que a flutuação do mercado de capitais não pode permitir que, sempre ao término de um período de carência, as ações, que o empregado poderá adquirir e vender, estarão correspondendo a algum lucro.

Sendo assim, a importância percebida pelo empregado a título de rendimento, em razão do investimento feito no mercado de capitais, estaria excluída da integração no salário de contribuição para o fim estabelecido na Lei nº 8.212/97, de acordo com a previsão do § 9º, do seu art. 28.

Verifica-se, ainda, que as verbas eventualmente recebidas por empregados, através de “Stock Option Plans”, não se enquadram em nenhuma das parcelas de natureza remuneratória estabelecidas nos arts. 457 e 458 da CLT.

O contrato de oferta de compra de ações, portanto, é um contrato baseado na lei societária (Art. 168, § 3, da Lei nº 6.406/78), que não se confunde com o contrato de trabalho, uma vez que representa uma relação meramente mercantil, embora ensejada no curso da relação de emprego.

Em outras palavras, o contrato de oferta de compra de ações não representa um benefício concedido ao empregado, pelo trabalho prestado ao empregador. É um contrato de natureza mercantil, através do qual o empregado pagará pelo exercício do direito de compra das ações e poderá, sem nenhuma garantia do empregador, auferir lucro com a venda dessas ações para o seu próprio empregador ou para terceiros.

Nem se diga, por fim, que o “Stock Option Plan” faria parte do contrato de trabalho, devido ao fato de que o exercício da opção de compra ser vinculada à permanência do empregado na empresa durante o prazo de carência.

Entende-se, portanto, que, pelo menos em tese, a natureza jurídica das verbas auferidas por empregados, através dos “Stock Option Plans” possui natureza jurídica mercantil. Vale ressaltar, contudo, que numa das poucas decisões judiciais existentes sobre a matéria, o Juiz Marcos Neves Fava, da 34ª Vara do Trabalho de São Paulo, manifestou-se em sentido contrário, condenando a empresa reclamada a integrar ao salário da reclamante os rendimentos por ela obtidos com o “Stock Option Plan” para todos os efeitos legais. (1)

Conclusão

Diante do exposto, conclui-se que as verbas recebidas por empregados, através da participação em “Stock Option Plans” oferecidos por seus empregadores não devem ser consideradas como parte da remuneração e, portanto, não devem ser incluídas na base de cálculo para fins de pagamento de décimo-terceiro salário, abono de férias, depósitos referentes ao FGTS, contribuição previdenciária etc.

Obviamente, não pretendemos sustentar que todo e qualquer plano de opção de compra de ações oferecido a empregados resulta em negócios jurídicos meramente mercantis. Para que as verbas recebidas por empregados não sejam caracterizadas como parte integrante de suas remunerações, diante do ordenamento legal trabalhista brasileiro, é necessário que:

a) o contrato de “Stock Option Plan” seja elaborado de acordo com os requisitos previstos na Lei nº 6.404/76 (“Lei das Sociedades Anônimas”); Ou seja, são necessários: (i) a existência de capital autorizado; (ii) a previsão expressa, nos estatutos da empresa, da possibilidade de concessão da opção de compra de ações a empregados; e (iii) que o plano de oferta de opção de compra de ações seja devidamente aprovado pela assembléia geral da sociedade;

b) o empregado, ao final do término do período de carência, caso deseje exercer o direito de compra ações cuja opção lhe foi concedida, efetivamente pague por essas ações. Em outras palavras, o contrato de “Stock Option Plan” deve, necessariamente, ser oneroso;

c) o empregado, quando do exercício do direito de compra das ações, deve assumir o risco da flutuação do valor das ações no mercado de capitais. Nesse sentido, é conveniente que o próprio plano aponte aos empregados os riscos que envolvem o investimento em ações;

d) não seja subsidiada, pelo empregador, a compra de ações pelo empregado, na hipótese de o valor das ações no momento do exercício ser menor do que o valor da emissão das ações, fixado quando da assinatura do “Stock Option Plan”. Por outro lado, caso o empregador, de qualquer forma, garanta o recebimento de qualquer verba, pelo empregado, quando do exercício do direito de compra das ações, tratar-se-ia essa verba de nada mais nada menos do que uma gratificação ajustada; e

e) a compra de ações pelo empregado deve ser intermediada pelo profissional competente, qual seja, o corretor de valores mobiliários. Trata-se de um investimento no mercado de ações, sem qualquer vinculação ao contrato de trabalho. Dessa forma, devem ser respeitadas as normas que regulam a compra e venda de valores mobiliários.

Acreditamos, portanto, sem a mínima pretensão de esgotar o necessário debate sobre a matéria, que, caso atendidos os requisitos acima mencionados, o “Stock Option Plan” terá caráter eminentemente mercantil, totalmente desvinculado do contrato de trabalho. Assim, as verbas recebidas por empregados através dos negócios bem sucedidos no mercado de capitais não deverão ser consideradas como parte da remuneração.

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