Multas confiscatórias

Multa confiscatória: aplicação vergonhosa de uma lei sem-vergonha

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27 de dezembro de 2001, 18h04

A Receita Federal vem enviando a milhares de contribuintes autos de infração resultantes de auditoria realizada nas DCTFs (Declarações de Contribuições e Tributos Federais), onde em muitos casos ocorreram pequenos erros de fato relacionados com os recolhimentos.

Como a legislação tributária brasileira é extremamente complexa, instável e insegura, o seu cumprimento vem se tornando cada vez mais difícil, pois os contribuintes muitas vezes não conseguem acompanhar suas alterações, inclusive no que respeita aos diversos prazos de recolhimento dos inúmeros tributos a que estão sujeitos. Esses prazos mudam com muita freqüência, de tal forma que mesmo as empresas bem organizadas correm o risco de, involuntariamente, cometerem irregularidades.

Em praticamente todas as obrigações comerciais e civis tem sido admitido que se o seu vencimento ocorrer em dia não útil (sábado, domingo, feriado) prorroga-se automaticamente para o dia útil imediato. Mas a lei fiscal diz que os tributos federais devem ser antecipados. O Governo que não devolveu os empréstimos compulsórios desde 1986, que não devolve com rapidez o imposto de renda retido na fonte a maior, que não paga pontualmente as suas dívidas, exige que o contribuinte antecipe o recolhimento do tributo, numa evidente violação ao princípio da isonomia, cláusula pétrea de nossa Constituição.

E assim, com fundamento nos artigos 43 e 44 da lei 9.430/96, a Receita Federal vem lavrando autos de infração onde cobra uma tal “multa isolada” ali prevista, fixada em 75% (setenta e cinco por cento) do valor do tributo, mesmo que este tenha sido pago de boa fé, UM OU DOIS dias depois do vencimento que foi “antecipado” pela ocorrência do dia não útil. E não cobra apenas essa “multa isolada”, mas também exige a multa pelo atraso, acrescida dos juros pela taxa “selic”.

Embora essa “multa isolada” seja prevista em lei, – aliás uma das muitas leis que o Congresso aprovou sem ler, sem discutir, sem saber o que estava fazendo – , ela é absolutamente incompatível com qualquer noção de Justiça, com qualquer princípio moral, violando claramente o preâmbulo da Constituição vigente.

Quando a nossa Carta Magna foi promulgada, os constituintes, em nome do povo brasileiro, diziam instituir um Estado Democrático destinado a assegurar, dentre outros, “…a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna…”, para o que invocaram “…a proteção de Deus…”

A Lei 9430/96, ao viabilizar uma “multa isolada” com efeito confiscatório, que o Fisco exige cumulativamente com outra, nega vigência aos primeiros 5 (cinco) artigos da Constituição e não pode ser utilizada como vem sendo.

Determinada empresa, que recolheu com um único dia de atraso o tributo que entendia vencido naquela data, recebeu um auto de infração onde, apesar de ter pago expressiva importância (que aliás não se sabe se corretamente aplicada) é aplicada uma multa por atraso de cerca de mil reais e uma “multa isolada” de quase R$ 120.000,00 (cento e vinte mil reais), que ultrapassa o seu próprio patrimônio !!!

A Constituição no artigo 150, IV, faz referência apenas ao tributo quando proíbe sua cobrança com efeito confiscatório. Todavia, a jurisprudência e a doutrina entendem perfeitamente aplicável às multas a mesma limitação. Nesse sentido é a decisão do Tribunal Regional Federal da 1a. Região (DJU de 20/8/99, página 341) :

“A multa, a pretexto de desestimular a reiteração de condutas infracionais, não pode atingir o direito de propriedade, cabendo ao Poder Legislativo, com base no princípio da proporcionalidade, a fixação dos limites à sua imposição. Havendo margem na sua dosagem, a jurisprudência, com base no mesmo princípio, tem , no entanto, admitido a intervenção da autoridade judicial.”

Ou seja: a Justiça pode, constatando que a multa é confiscatória, interferir no lançamento e adequá-la aos princípios constitucionais que mencionamos. Por outro lado, parece-nos óbvio que, lavrada a multa pelo atraso, que não pode ser superior a 20% , uma outra multa, chamada de “isolada” não pode prevalecer e atingir a mais 75% do mesmo tributo!

Ainda que seja legal essa multa, porque prevista em lei, trata-se de lei inconstitucional, iníqua, injusta, que qualquer congresso sério deveria ter vergonha de aprovar e qualquer governo igualmente sério mais vergonha ainda de aplicar!

Também o Superior Tribunal de Justiça, no Processo 1998.010.00.50151-1, decidiu que:

“Não é confiscatória multa de 20% (vinte por cento), inferior a percentual maior (30%) considerado razoável pelo SFT (RE 81.550-MG, in RTJ 74/319)”

Veja-se que o STJ, embora não tenha discutido a tal “multa isolada” de 75%, adotou um parâmetro de 20% para considerar como não confiscatória a multa por infração fiscal.

Há ainda uma outra questão a ser levantada nessa enorme quantidade de autos de infração que recentemente o Fisco Federal enviou a milhares de contribuintes: o decreto 70.235/75, que regula o processo administrativo fiscal, em seu artigo 11 determina que o contribuinte, ANTES de ser autuado, deve ser previamente NOTIFICADO, para que possa defender-se. Isso é norma prevista no artigo 5º inciso LV da Constituição, que trata do devido processo legal.

O 1º Conselho de Contribuintes, órgão julgador da 2ª instância administrativa no âmbito do Ministério da Fazenda, já decidiu que:

“Tendo a infração sido averiguada mediante revisão da declaração, realizada no âmbito da repartição lançadora, o lançamento deve ser feito mediante notificação, conforme o artigo 11 do decreto 70.235/72.” (Acórdão nº 101-79.888/90, Diário Oficial da União de 05/06/90).

Essa enxurrada de autuações feitas pelo Fisco Federal está criando uma série de dificuldades para os contribuintes, que serão obrigados a defender-se administrativa ou judicialmente, abarrotando ainda mais nossa Justiça Federal. E, como certamente alguma alta autoridade dirá, pode surgir uma nova “indústria de liminares”…

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