Publicação polêmica

Juiz manda prefeitura pagar por não citar autor de estudos em livro

Autor

26 de dezembro de 2001, 13h50

Não basta citar as fontes de pesquisas em publicações. É necessário citar os autores das obras. Caso contrário, os direitos autorais são violados. O entendimento é do juiz da 2ª Vara Cível da Comarca de Piracicaba (SP), Gustavo Pisarewski Moisés, ao mandar o Serviço Municipal de Água e Esgoto de Piracicaba (Semae) pagar 25 salários mínimos (R$ 4.500,00) por danos morais para Noedi Monteiro por causa da publicação de um livro em que foi citada apenas a sua obra. O nome do autor foi omitido.

A Justiça de primeira instância proibiu a exposição do livro “Semae – Piracicaba – Três Décadas de História” até que a prefeitura faça uma errata e mencione o nome do autor na obra.

Monteiro foi defendido pelo advogado José Silvestre. O advogado pediu 2 mil salários mínimos (R$ 360 mil) por danos morais e materiais. De acordo com os autos, foi utilizada parte de textos do “Jornal do Centenário”. Para a defesa houve plágio.

O juiz entendeu que não houve plágio porque foi reproduzida apenas parte da obra e citada a fonte. Ele reconheceu apenas os danos morais pela não citação do autor. Por isso, reduziu o valor pedido pela defesa.

Segundo Pisarewski, “o direito de informação não pode se sobrepor ao direito autoral, ou vice-versa, porquanto ambos possuem foro constitucional”. Para o juiz não foram reproduzidas meras “informações públicas ou históricas, não abrangidas pelo direito autoral”.

“A questão ora em apreço é diversa: o que foi violado pelos réus foi o direito autoral do autor, consistente na utilização de sua obra intelectual, por ele criada, para a elaboração de livro pelos réus, sem a citação de seu nome, como seria de rigor, ante a disposição legal vigente”, afirmou em sua decisão.

Veja a decisão

Poder Judiciário

Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Juízo de Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de Piracicaba do Estado de São Paulo

Processos nºs 218/00 e 002/00

Vistos.

Noedi Monteiro ajuizou a presente ação (proc. nº 218/00) contra Marcos Antonio Vanceto e Serviço Municipal de Água e Esgoto de Piracicaba – SEMAE, alegando, em breve suma, que os réus editaram e fizeram circular obra denominada “Semae – Piracicaba – Três Décadas de História” (fls. 66 do apenso), utilizando-se de obra intelectual do autor (pesquisas e textos do “Jornal do Centenário”, fls. 15 do apenso), sem que fosse feita a respectiva menção ao seu nome. Por entender violado seu direito autoral, requereu, à guisa de dano material e moral, a condenação dos réus no pagamento de indenização em “valor equivalente a 2000 (dois mil), obras parcialmente plagiadas” (sic).

Os réus apresentaram sua contestação a fls. 42/59 e a fls. 60/72, na qual argüiram, em preliminar, que o feito deve ser extinto sem julgamento do mérito, por não ter o autor “providenciado a citação no prazo determinado”.

No mérito, alegaram, em apertada síntese, que: o direito de utilização e publicidade do “Jornal do Centenário” compete ao seu editor e ao responsável pela publicação, mas não ao autor; na obra impugnada pelo autor, houve citação da fonte de pesquisa, qual seja, o “Jornal do Centenário”; as informações utilizadas na elaboração do livro impugnado são de domínio público e não do autor, até porque este não tem direito à apenas citação de fatos históricos, de domínio público e não do autor, até porque este não tem direito à titularidade de dados históricos; o “Jornal do Centenário” não contém nenhuma criação nova, mas apenas citação de fatos históricos, de domínio público, já divulgados em outros livros pela imprensa e em fontes oficiais, com o que não há se falar em direito autoral; as citações apontadas pelo autor como plágio foram por ele copiadas de outros autores e de documentos oficiais; o livro de fls. 66 do apenso foi distribuído gratuitamente e não comercializado.

Réplica a fls. 75/81. Audiência de tentativa de conciliação, infrutífera, fls. 85/86.

Em apenso, autos de nº 002/00, o autor moveu ação cautelar contra os réus, requerendo a concessão de medida liminar, parcialmente deferida a fls. 82, após o quê os réus contestaram a fls. 87/103 e 139/151; ação cautelar essa na qual as partes apresentaram os mesmos fatos e argumentos já aduzidos nessa ação principal.

É o relatório

Decido.

Prescinde o feito de dilação probatória, impondo-se o julgamento antecipado da lide, a teor do art. 330, I, CPC.

Rejeito a preliminar invocada em contestação pelos réus, por completamente inconsistente. A uma, o autor propôs a ação principal no prazo legal do art. 806, CPC. A duas, com a interposição dessa ação, promoveu os meios necessários para a citação dos réus. E a três, nada há nos autos a demonstrar que o autor “retardou maliciosamente a citação dos réus”.


No mérito, a ação principal procede em parte.

Trata-se de ação indenizatória, através da qual o autor se insurge, em apertada síntese, contra a ausência de menção ao seu nome como autor intelectual da pesquisa e da obra denominada “Jornal do Centenário”, utilizada pelos réus na elaboração do livro de fls. 66 do apenso. E com razão.

Pelo que consta do documento de fls. 15 do apenso, o copyright da pesquisa, da redação e do texto da obra denominada “Jornal do Centenário” pertence ao ora autor, o que se reforça ante o documento de fls. 14 dos mesmos autos. A documentação dos autos comprova que a pesquisa, o texto, a coordenação e a redação da obra de fls. 15 do apenso pertence ao autor, pois ele foi o seu criador intelectual, cabendo a ele, e não ao editor ou a outrem qualquer, o respectivo direito de sua utilização.

Cuida-se de obra intelectual nova e original, criada pelo autor, preenchendo o requisito do art. 7º, c.c. arts. 11, 12, 13 e 18, todos da Lei Federal nº 9610/98; e daí porque faz jus a receber sua tutela.

Com isso, a teor do disposto no art. 24, II, da Lei Federal nº 9610/98, é direito do autor, criador da obra de fls. 15 do apenso, ao vê-la por outrem utilizada, como se deu no caso dos autos, ter seu nome assim indicado como tal, o que não foi observado pelos réus. Esse o teor do dispositivo legal: “São direitos morais do autor: (…) o de ter seu nome, pseudônimo ou sinal convencional indicado ou anunciado, como sendo o do autor, na utilização de sua obra”.

Pois bem, esse é o caso dos autos.

Pelo que consta dos autos, tal obra foi utilizada como fonte de pesquisa do livro de fls. 66 do apenso, tendo havido apenas citação ao seu título, sem menção ao seu criador e detentor de seu copyright, ora autor. Daí o ilícito praticado pelos réus, a caracterizar ofensa ao art. 24, II, do diploma legal supra mencionado, perpetrando ofensa a direito moral do autor, indenizável.

No caso vertente, comi dito, os réus se utilizaram da obra de fls. 15 do apenso, tanto quanto ao texto como quanto aos informes ali constantes, para a elaboração do livro de fls. 66 do apenso, sem que citassem o autor como seu criador intelectual e detentor do respectivo copyright, como estavam obrigados pelo dispositivo supra indicado. Esse o ilícito dos réus, não bastando apenas citar o nome da obra, sem citar seu autor e criador intelectual.

Outrossim, o direito de informação não pode se sobrepor ao direito autoral, ou vice-versa, porquanto ambos possuem foro constitucional. Ainda, ao contrário do aventado pelos réus, não se tratou aqui de mera utilização de informações públicas ou históricas, não abrangidas pelo direito autoral, e nem é isso o que se tutela. A questão ora em apreço é diversa: o que foi violado pelos réus foi o direito autoral do autor, consistente na utilização de sua obra intelectual, por ele criada, para a elaboração de livro pelos réus, sem a citação de seu nome, como seria de rigor, ante a disposição legal vigente.

Nada impede que a obra de fls. 15 seja utilizada como fonte de pesquisa para a criação de outras obras acerca do mesmo tema, nem é isso o que se discute nos autos. O que não se pode admitir, e esse é o cerne do caso vertente, é a sua utilização sem que seja feita menção ao seu criador intelectual, ora autor.

Também, é de todo irrelevante para a solução da causa o fato do autor não ser o editor do “Jornal do Centenário” ou ter sido tal obra publicada pela segunda ré. Tal não afasta o direito do autor, criador da obra de fls. 15 do apenso, consagrado no art. 24, II, da Lei Federal nº 9610/98, nos termos já expendidos. Sendo inaplicável o art. 36 do mesmo diploma legal, já que é mais do que patente não se tratar a obra de fls. 15 do apenso de escrito de imprensa diária ou periódica.

Igualmente, não afasta direito do autor, de ver seu nome indicado como criador intelectual de obra utilizada pelos réus, o fato de existir outras fontes, outras pesquisas ou outras obras sobre o mesmo tema e contendo parte das mesmas informações.

Por fim, pouco importa fosse o autor funcionário da ré quando da elaboração do “Jornal do Centenário”. Seja porque tal fato não lhe retira a titularidade da pesquisa do texto, da redação e da criação intelectual da obra mencionada. Seja porque ao autor coube o copyright da obra, conforme constou a fls. 15 do apenso, corroborado pelo documento de fls. 14. por tais razões, o documento de fls. 157/158 desses autos não altera a solução da lide.

De outro lado, e aqui não tem razão plena o autor, não se vislumbra o plágio nos termos alinhavados na inicial.

Certo é que, do cotejo entre os documentos de fls. 15 e 66 do apenso, restou evidenciado nos autos que os réus se utilizaram da obra do autor para a elaboração do livro impugnado, assim como se utilizaram dos seus informes e do seu texto, não tendo indicado o nome do autor como seu criador intelectual e detentor do respectivo copyright; consistindo apenas ai o ilícito dos réus.


Sem embargo, os réus não copiaram literalmente a obra do autor, nem foi ela a única utilizada como fonte de pesquisa, assim como os réus não se intitularam autores do documento de fls 15 do apenso. Daí porque não há se falar em plágio.

De qualquer forma, e ainda que assim seja, o material existente nos autos dá conta de que houve ofensa a direito do autor, previsto no art. 24, II, Lei Federal nº 9610/98, o que enseja a sua reparação. Sendo que a inexistência do plágio tal qual apresentado na inicial não afasta o direito do autor à indenização devida, mas acarreta reflexos na extensão do dano, de pequena monta, a influir na fixação do seu montante.

Nesse diapasão, impõe-se o reconhecimento do dano moral, indenizável, sofrido pelo autor, a exigir seja ele reparado pelos réus, em face do ato ilícito por esses praticados, qual seja, utilização de obra criada e escrita pelo autor, fls. 15, na elaboração do livro de fls. 66, ambos do apenso, sem indicar seu nome como seu criador intelectual, como efetivamente o é.

Contudo, não há se falar em dano material, não comprovado nos autos. Nenhuma prova documental trouxe o autor a demonstrar que o livro em questão estria sendo comercializado, até porque a prova dos autos indica em sentido diverso, já que se trata de evidente e típica obra comemorativa, cuja distribuição sói ser gratuita, conforme aduzida em contestação.

No que tange ao montante divido a título de dano moral, cabe ao Juízo fixá-lo. E, considerando em especial que se trata in causa de dano de pequena extensão, limitada à ausência de menção e à remissão ao nome do autor nos trechos de sua obra utilizados na elaboração do livro de fls. 66 do apenso, além de ter em conta os efeitos da liminar concedida nos autos em apenso, afigura-se adequada e satisfatória a fixação do valor indenizatório em 25 salários mínimos vigentes na data do efetivo pagamento.

Esse, portanto, de 25 salários mínimos o montante da indenização a que tem direito o autor à guisa de danos morais. Tal quantia se apresenta suficiente e bastante para servir de compensação financeira ao autor pelo dano sofrido, sem que venha a constituir enriquecimento sem causa, assim como em nada é irrisória ou exagerada em face dos réus, servindo-lhe principalmente como fator de desestímulo para a prática de novos atos ilícitos como que tais.

No tocante à correção monetária, desnecessária se faz a fixação de qualquer índice de atualização. Isto porque os valores devidos e correspondentes a essas indenizações, retro determinados, serão pagos com base no valor do salário mínimo vigente na data do efetivo adimplemento, já incluída, aí, a respectiva e automática correção monetária.

Igualmente e pelas mesmas razões já expendidas, procede em parte a cautelar em apenso, confirmando-se integralmente a medida liminar concedida a fls. 82 daqueles autos; até porque a medida ali adotada se apresenta como satisfatória e suficiente à garantia do direito do autor, sem necessidade da adoção de medida mais gravosa.

Ante o exposto, Julgo Parcialmente Procedente a ação cautelar em apenso, para, confirmando e tornando definitiva a liminar de fls. 82 daqueles autos, proibir a exposição e distribuição do livro de fls. 66, até que os réus elaborem “errata” e a façam juntar aos exemplares mencionando a autoria intelectual do autor em relação à sua obra denominada “Jornal do Centenário”.

Decaimento mínimo do pedido por parte do autor, pelo que os réus arcarão com a integralidade dos ônus da sucumbência, conforme art. 21, parágrafo único, CPC. Assim sendo, condeno os réus no pagamento das custas processuais de ambas as ações, bem como no pagamento dos honorários advocatícios do patrono do autor, os quais fixo, como verba única para ambas as demandas, em 15% do que se liquidar, a teor do art. 20, parágrafo 3º, CPC.

Publique-se. Registre-se. Intime-se.

Piracicaba, 03 de setembro de 2001.

Gustavo Pisarewski Moisés

Juís Substituto

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