'Toma-lá-dá-cá'

FHC quer flexibilizar CLT desde primeiro mandato, afirma Anamatra.

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21 de dezembro de 2001, 14h13

No intuito de justificar o fato de haver assumido pessoalmente o comando da, digamos, mobilização pela aprovação do Projeto de Lei n.º 5483/01, que altera o artigo 618 da CLT, o presidente Fernando Henrique Cardoso afirmou que não agüenta mais ouvir cobranças empresariais de que não mudou nada nas relações entre o capital e o trabalho em seus sete anos de mandato.

Se forem verdadeiras as cobranças, os empresários brasileiros, convenhamos, não estão fazendo justiça ao esforço que o presidente da República vem empreendendo, desde o primeiro mandato, no sentido de flexibilizar a legislação trabalhista.

Ainda no ano de 1996, o governo brasileiro, num gesto inusitado, denunciou a Convenção n.º 158 da Organização Internacional do Trabalho, ratificada pelo Brasil 12 anos antes, que tratava da garantia contra a dispensa arbitrária ou sem justa causa e previa indenização compensatória para o trabalhador despedido nestas hipóteses.

Com a Lei n.º 9.601, de janeiro de 1998, foram ampliadas as possibilidades de contratação a prazo. O mesmo diploma instituiu o chamado banco de horas, com o que foi elastecido o prazo de compensação do excesso de jornada para até um ano, sem pagamento do adicional de horas extraordinárias.

No mesmo ano de 1998, a Medida Provisória n.º 1709 criou o contrato de trabalho com jornada de tempo parcial, mediante remuneração proporcional à duração semanal da jornada. Também em 1998, foi inserida a hipótese de suspensão temporária coletiva do contrato de trabalho, diante de causas econômicas ou reorganização ou crise da empresa. A Emenda Constitucional n.º 20, de 1998, restringiu o benefício do salário família aos trabalhadores considerados de baixa renda.

Já em 2000, A Lei n.º 9.958 instituiu as Comissões Prévias de Conciliação, mecanismo alternativo de resolução de conflitos trabalhistas, que vem se revelando fator perverso de fraude dos direitos dos trabalhadores. Ainda em 2000, a Emenda Constitucional n.º 28 equiparou o trabalhador rural ao urbano, no que pertine ao prazo prescricional, reduzindo significativamente as possibilidades de cobrança judicial de direitos sonegados aos rurícolas.

Além disso, a idéia fixa de desregulamentar as relações de trabalho de forma definitiva vem sendo acalentada desde 1995. O propósito inicial era o de transformar os direitos trabalhistas garantidos constitucionalmente em itens de negociação coletiva. Em novembro de 1998 foi enviada ao Congresso Nacional proposta de emenda constitucional alterando o artigo 7º da Carta de 1988, a fim de que a matéria negociada pelos atores sociais prevalecesse sobre a norma positivada.

Como não houve espaço político para a alteração radical, em nível constitucional, principalmente em face do quórum qualificado exigido para a aprovação de emendas à Constituição, o governo resolveu trilhar o caminho fácil da lei ordinária: uma singela alteração de um único artigo da CLT, com efeito praticamente idêntico, a prevalência do negociado sobre o legislado. Eis o PL 5483/01, aprovado no último dia 4 de dezembro, em regime de urgência, na Câmara dos Deputados, ao custo de mais de seis milhões de reais, distribuídos entre parlamentares e dóceis sindicalistas, conforme noticiaram os jornais.

Agora os empresários não podem mais acusar o presidente de timidez neoliberal. Ainda que seja rejeitada a proposta no Senado, o que esperamos, a cobrança mudará de destinatário. Terá de ser feita ao Congresso e não ao governo, conforme astuta observação do presidente, publicada nos jornais.

Suspeitam deputados governistas contrários ao projeto, que foram pressionados por ameaças de cortes de emendas e destituição de apadrinhados, que o presidente, preocupado com as eleições do próximo ano, estaria querendo agradar setores do empresariado, potenciais doadores de recursos para campanhas eleitorais. Os direitos dos trabalhadores estariam, assim, servindo de moeda de troca, nesse toma-lá-dá-cá onde nada se nega aos amigos.

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