Publicação virtual

Conceitos da Lei de Imprensa valem para textos publicados na Web

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20 de dezembro de 2001, 13h12

A internet oferece oportunidades extraordinárias aos que desejam manifestar seus pensamentos sobre os mais variados assuntos. Aqueles que pretendem divulgar suas opiniões podem facilmente o fazer pela rede mundial de computadores, divulgando o conteúdo em um site, enviando mensagens eletrônicas, participando de debates “online” etc., sempre com o potencial de atingir uma audiência há pouco inimaginável, em tempo real e a um custo reduzidíssimo, o que é simplesmente impraticável na imprensa tradicional.

A propagação de notícias e informações na internet pode dar-se basicamente por duas formas: (i) pela publicação de uma página na rede, na qual hipótese o usuário tem de apresentar um comportamento ativo, ou seja, acessar o site do jornal ou periódico eletrônico para poder ler as matérias veiculadas; (ii) ou pela divulgação do conteúdo por correio eletrônico, em que o usuário, passivamente, recebe a “edição” pronta do jornal ou periódico eletrônico.

Os jornais e periódicos eletrônicos constituem, assim, um meio de informação e divulgação. Por conseguinte, às infrações da liberdade de informação neles praticadas incidem as disposições da Lei de Imprensa, como dispõe seu art. 12: “Aqueles que, através de meios de informação e divulgação, praticarem abusos no exercício da liberdade de manifestação do pensamento e informação ficarão sujeitos às penas desta lei e responderão pelos prejuízos que causarem. Parágrafo único – São meios de informação e divulgação, para os efeitos deste artigo, os jornais e outras publicações periódicas, os serviços de radiofusão e os serviços noticiosos” (1).

É o que já decidiu o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro: “O parágrafo único do artigo 12 da lei 5.250 de 1967 (Lei de Imprensa) enuncia que: são meios de informação e divulgação, para os efeitos deste artigo, os jornais e outras publicações periódicas, os serviços de radiofusão e os serviços noticiosos.

Uma página da “Internet” constitui publicação periódica, noticiando, informando, anunciando, etc. A partícula conjuntiva “e” acrescentada à palavra jornais indica que outras publicações não têm que ser necessariamente jornais, abrangendo um universo muito amplo, onde está certamente inserida a “Internet”, que não deixa de ser, também, “serviço noticioso”, como exige a lei.

A publicidade é o centro caracterizador dos crimes de imprensa. Assim, tanto escrita como oral, a divulgação periódica, quer pelos meios tradicionais como pelos meios modernos, não previstos expressamente na lei, tipificam a figura do digesto especial. As ofensas irrogadas, através da “Internet”, em tese, constituem infração penal a ser questionada pela via da Lei de Imprensa. Lei posterior virá regulamentar toda a atividade da “Internet”. O que não impede de se reconhecer, a “priori”, a tipificação de condutas já previstas em lei como infração penal” (Ap. 724/00-50, 8a Câmara Criminal).

De fato, o conceito de imprensa não se limita aos meios tradicionais de divulgação. Imprensa, hoje, é o veículo da notícia, da informação. O que interessa é o caráter informativo, jornalístico, não a forma, o suporte material pelo qual a notícia se propaga. Jornal escrito, transmitido pela televisão, publicado na internet, são todos a mesma coisa: notícia, informação.

Assim é que os princípios reguladores da atividade jornalística de há muito têm norteado as decisões dos tribunais norte-americanos nos casos de abuso da liberdade de informação cometidos na rede mundial de computadores. Naquele país, onde existe vasta jurisprudência sobre internet, a questão já foi decidida em inúmeras ocasiões, dentre elas: Cubby v. CompuServe, Medphone v. DeNigris, Stratton Oakmont, Inc. v. Prodigy Services Co.

E não há que se falar em aplicação analógica da lei à internet, porquanto, como já esclareceu o Supremo Tribunal Federal: “… uma vez que se compreenda na decisão típica da conduta criminada, o meio técnico empregado para realizá-la pode até ser de invenção posterior à edição da lei penal: a invenção da pólvora não reclamou redefinição do homicídio para tornar explícito que nela se compreendia a morte dada a outrem mediante arma de fogo” (HC 76.689-0-PB).

Pois bem. Nos termos da Lei de Imprensa, o prazo decadencial para a propositura de ação de reparação de danos fundada em seus preceitos é de três meses, contados da data da publicação (art. 56) (2). Posto isso, quando é que se consuma a decadência se o escrito foi publicado em uma página da internet, cujo conteúdo fica disponível ao público por tempo ilimitado?

A questão surgiu nos Estados Unidos, no caso Firth v. State of New York. O autor da ação sustentou que, podendo uma página da internet ser modificada ou atualizada a qualquer tempo, a cada dia que se a mantém no ar, há verdadeira republicação de seu conteúdo, de modo que, enquanto não retirada da rede, não se inicia o prazo decadencial. Segundo o autor, nenhuma semelhança há entre o documento impresso e a página da internet onde divulgada a notícia ou informação, porque esta última é totalmente manipulável.

A corte de Albany (EUA) entendeu que a presença contínua de uma reportagem na internet constitui uma única publicação, cuja vida começa no dia em que divulgada na internet pela primeira vez. Decidiu-se, assim, que o prazo decadencial corre da data de sua primeira publicação na rede de computadores. A razão é simples: também os jornais tradicionais e os livros permanecem disponíveis ao público em prateleiras empoeiradas por tempo indeterminado.

Mas aqui há que se distinguir duas hipóteses: (a) o escrito é divulgado na internet e mantido totalmente inalterado ao longo do tempo; (b) o conteúdo da notícia é alterado algum tempo depois.

No primeiro caso, o prazo decadencial corre a partir da data em que a notícia foi publicada na internet pela primeira vez. Já na segunda hipótese, considerando que o escrito foi alterado posteriormente – ocasião em que o conteúdo ofensivo podia ser suprimido -, a decadência conta-se da data da última alteração da página, visto que há verdadeira republicação nesse caso.

Esses são apenas alguns dos inúmeros problemas jurídicos surgidos com a criação e popularização da internet, muitos dos quais podem ser solucionados com a aplicação das leis e dos princípios já existentes no nosso ordenamento, adaptando-os às peculiaridades do ciberespaço.

Notas de rodapé:

(1) A Lei de Imprensa não se aplica a todos os materiais publicados na internet. O que justifica a incidência do referido diploma legal é a periodicidade do meio de comunicação. Inexistindo essa periodicidade, deve-se aplicar o direito comum, e não a lei especial: “A ausência de periodicidade de publicação, a falta de linha editorial, a própria singeleza da mensagem e do processo de reprodução, desautorizam, na espécie, a idéia de delito de imprensa” (STF, RHC 61.993-RS, rel. Min. Francisco Rezek). “Crime de Imprensa. Descaracterização. Divulgação de fato injurioso por Outdoors. Meio desprovido de periodicidade exigida pela lei especial” (STJ, REsp 11.045-RS, rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro). “É pressuposto essencial para tipificar o crime de imprensa, ser a publicação periódica” (TACRIMSP, Ap. 222.901, rel. Des. Luís de Macedo).

(2) Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça tem-se orientado no sentido de que o art. 56 da Lei de Imprensa teria sido derrogado pela Constituição Federal de 1988, não prevalecendo, assim, o prazo decadencial de três meses. Contudo, há de se considerar que “a matéria relativa a prazos prescricionais e decadenciais é típica de lei ordinária, e, assim, se a Constituição Federal reconheceu, no seu art. 5º, inciso X, a possibilidade de indenização na ocorrência de dano moral, sem cogitar de prazos, deve-se concluir que foi recepcionada a norma infraconstitucional (Lei 5.250/67, art. 56) que já estabelecia tal prazo, tal como ocorreu, também, com o mandado de segurança. Quando a Constituição pretendeu modificar prazos prescricionais fê-lo de forma expressa, como se deu com o usucapião urbano ou rural” (TAMG, Ap. Cível 0278741-3, rel. Juiz Wander Marotta, j. em 28.4.99). Além disso, sujeitar as empresas de comunicação ao extenso prazo de vinte anos, sem a expressa manifestação do legislador, é impor-lhes elevado ônus, obstaculizando o pleno exercício da liberdade de imprensa.

Autores

  • Brave

    é sócio do escritório Lazzareschi Advogados, em São Paulo, Capital, bacharel em Direito pela USP, advogado especializado em Cyberlaw & Society pela Harvard Extension School, e Internet Law pelo The Berkman Center for Internet & Society - Harvard Law School.

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