Bispo perde

Justiça livra Veja de publicar direito de resposta da Igreja Universal

Autor

18 de dezembro de 2001, 16h49

Em benefício da clareza, o jornalismo pode ser impreciso, tecnicamente, sem que isso signifique infração ou delito. Assim, o jornalista não é obrigado a utilizar conceitos jurídicos para a redação da reportagem. Deve ser abrangente para se tornar compreendido e não “enfadonho”. O entendimento é do juiz Antonio Carlos Alves Braga Junior ao livrar a revista Veja de publicar direito de resposta da Igreja Universal do Reino de Deus, dirigida pelo bispo Edir Macedo. A igreja apelou e o entendimento de primeira instância foi confirmado pelo Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, por unanimidade.

A reportagem de 3 de novembro de 1999 divulgou os bens de integrantes da Igreja. O texto questiona a regularidade das atividades da Universal e de seus dirigentes. Também cita denúncias de ex-integrantes da igreja.

Para a Universal, a revista manipulou as informações para causar danos à sua imagem. A igreja moveu também uma ação por danos morais. Perdeu em primeira instância. Apelou, mas o recurso ainda não foi julgado.

A revista foi representada pelo gerente jurídico da Editora Abril, Djair de Souza Rosa, que baseou o pedido na liberdade de imprensa. O juiz acatou a argumentação da revista.

“Responde o órgão divulgador quando excede do direito de informar e atinge terceiros de maneira injustificável. Mas o direito de informar não significa que o órgão de imprensa deva reunir material de pesquisa e elaborar matéria estéril, inodora ou insípida. A matéria sempre conterá a opinião jornalística. Trará o ponto de vista do jornalista ou editor, que não necessariamente precisa corresponder a qualquer outra opinião, sequer a de qualquer maioria”, afirmou o juiz em seu despacho.

“Deixa também a resposta de cumprir aquilo a que se propõe, ou seja, prestar esclarecimentos ao público leitor sobre as afirmadas inverdades da matéria”, acrescentou o juiz.

O advogado da igreja, Dennis Benaglia Munhoz, foi procurado para comentar a decisão mas estava em uma reunião às 18h15 desta terça-feira (18/12).

Veja a decisão de primeira instância

Poder Judiciário

2ª Vara Criminal de Pinheiros São Paulo

Processo nº 300/99

Igreja Universal do Reino de Deus apresentou pedido de resposta em face da Editora Abril S/A com relação à matéria publicada na revista VEJA, edição 1.622, de 3 de novembro de 1999.

Houve manifestação da requerida com exposição dos motivos pelos quais deixou de publicar a resposta.

Decido.

Não há caracterização de que o pedido extrajudicial tenha sido feito desacompanhado do teor da resposta. De qualquer modo, a recusa apresentada neste feito abrange a totalidade da resposta que acompanhou a inicial, de modo o inteiro teor desta deve ser analisado.

O pedido foi proposto em juízo dentro de sessenta dias contados da publicação , de modo que deve ser considerado tempestivo.

A demora na efetivação da citação não é fato tributável à requerente, e assim não tem influência sobre o prazo decadencial.

No mérito o pedido de resposta deve ser indeferido.

Nos termos do artigo 29, da Lei de Imprensa, o direito de resposta é de ser deferido em reparo a acusações, ofensas, ou divulgações de fato inverídico ou errôneo.

Observa-se em várias partes da resposta que a requerente pretende corrigir pontos da matéria jornalística em que lhe teriam sido atribuídas atividades ou titularidades de direitos, aos quais estaria vedada em virtude da lei, como por exemplo, a propriedade de rádios e redes de televisão, a propriedade de instituição bancária ou financeira, de gráficas, ou de bens como aviões, ou a dedicação à atividade lucrativa.

O argumento é o de que os bens mencionados seriam de propriedades de membros da igreja, freqüentemente seus dirigentes, mas nunca a instituição religiosa em si.

A distinção, obviamente, tem caráter técnico. É sob a perspectiva jurídica que tal exame mostra relevância e significado. Não há dúvida der que, sob o ponto de vista contratual ou legal, não se haverá de confundir a entidade religiosa com a pessoa de seu dirigente.

Ocorre que, transferindo-se o exame para o campo jornalístico, tal enfoque pede a relevância, torna-se desnecessário ou pode até mostrar-se inadequado. Não há justificativa bastante para exigir que o jornalista se utilize de institutos e conceitos jurídicos para a redação da matéria. Em regra – até se poderia dizer – é razoável que se considere que o jornalista se dirija a seu público da forma mais abrangente, tendo em mira ser compreendido e não se tornar enfadonho. Do mesmo modo, não se exige e nem se deseja que numa revista destinada ao grande público a matéria sobre assunto econômico se apresente com a linguagem acadêmica cuja exata compreensão estará acessível provavelmente apenas dos profissionais dessa área. E diga-se o mesmo da medicina, da engenharia, da psiquiatria, como exemplos.


Em outros termos, assim como cada área profissional acaba por definir um vocabulário próprio, tal se dá com o jornalista. Ao tratar de cada assunto permite-se a este usar conceitos leigos para se referir a aspectos que o especialista teria denominação especial a conferir.

Se eventualmente a matéria jornalística fizer uso de conceitos estritamente técnicos, rigoroso deverá ser o exame da precisão no uso desses conceitos. Mas, quanto mais genérica ou comum à linguagem da reportagem, menos rigoroso deverá ser o exame da precisão das expressões escolhidas.

A matéria combatida neste processo foi publicada na seção “Brasil” da revista, ou seja, dirigia-se à coletividade dos seus leitores, ao contrário de outras seções que têm destinatários mais específicos. A abrangência da distribuição da revista no território nacional, e sua tiragem, dispensam comentários. Não se pode dizer que o conjunto de destinatários exigia linguagem absolutamente técnica sob o aspecto jurídico.

Inúmeras vezes vemos jornais e revistas publicarem expressões como “a sentença do Promotor de Justiça”, ou o “parecer do juiz de Direito” que, que são gritantes aos ouvidos dos profissionais do direito, mas que são absolutamente indiferentes para o grande público.

Ao lado do aspecto formal da existência e atuação da requerente existe o aspecto prático, ou aquele que é apreendido pelo público. Eventualmente é esta segunda perspectiva a que interessa ao jornalista reportar. Pouco importa que a instituição religiosa e a pessoa de seu dirigente sejam distintos, no que se refere à propriedade patrimonial, se na observação dos fatos as duas figuras aparentemente se confundam.

A leitura da matéria indica que é exatamente este o seu enfoque. Nas oportunidades em que se afirma que a Igreja é proprietária disto ou daquilo não se vê preocupação com um rigor jurídico na determinação do titulo do direito de propriedade.

A propósito, aspectos formais da organização e atuação da requerente são indicados na reportagem exatamente como os fatores que levariam às suspeitas de irregularidade. Seria exatamente o descompasso entre a situação formal e real da entidade à justificativa para as dúvidas apresentadas na abertura da matéria: “quanto de dinheiro circula pelos seus templos e o que exatamente é feito com ele”.

Afirma a requerente que a requerida manipula informações de forma a causar o maior dano possível a sua imagem.

Vige no Brasil a liberdade de Imprensa. Não há censura. Os órgãos de imprensa divulgam suas matérias sem exame oficial prévio. O controle se faz a posteriori. Responde o órgão divulgador quando excede do direito de informar e atinge terceiros de maneira injustificável.

Mas o direito de informar não significa que o órgão de imprensa deva reunir material de pesquisa e elaborar matéria estéril, inodora ou insípida. A matéria sempre conterá a opinião jornalística. Trará o ponto de vista do jornalista ou editor, que não necessariamente precisa corresponder a qualquer outra opinião, sequer a de qualquer maioria.

Como se disse, o controle se faz sobre distorções ou excessos.

O tom da reportagem em exame é desfavorável à imagem da requerente e de seus dirigentes, mas isto só não basta para concluir que haja desvirtuamento do direito de informar.

Em linhas gerais pode-se dizer que a matéria afirma a existência de dúvidas sobre a regularidade das atividades da entidade e de seus dirigentes. Menciona a existência de investigações e cita denúncias de ex-integrantes da igreja. Ao mesmo tempo que menciona a autuação por débitos, informa que estão sendo questionados formalmente.

A resposta cuja publicação se pretende, por sua vez, não se apresenta em termos. Devia do objeto da reportagem, promove auto-elogio, faz acusações e ofensas à requerida e faz referências a terceiros, conforme adiante será indicado.

Deixa também a resposta de cumprir aquilo a que se propõe, ou seja, prestar esclarecimentos ao público leitor sobre as afirmadas inverdades da matéria.

Assim, vejamos.

Primeiramente, pretende-se a inserção de tarja vermelha na capa da revista com os dizeres: “Igreja Universal – Leia a verdade”.

Providência esta não poderia ser acolhida. A resposta deve restringir-se a apontar as inverdades ou incorreções da matéria e promover a retificação ou esclarecimento. Uma tarja como aquela poderia sugerir que sua autoria fosse dos editores, chamando a atenção dos leitores para a resposta publicada nas páginas internas, ou configurar acusações de falseamento à revista, o que não seria adequado.

A leitura do teor da resposta, a fls. 60/1 leva à conclusão de que alguns trechos poderiam ser admitidos, por consistir na apresentação da versão da requerente para fatos apontados na matéria debatida, e sobre os quais a comprovação não seria inquestionável. Todavia, a maior parte da resposta corresponde à auto elogios, descrições de características ou atributos da Igreja ou de seus membros absolutamente impróprios porque sem correspondência com a matéria, ou consistente em formulação de ofensas ou acusações aos editores da revista ou a terceiro.


Obviamente, não se poderia fazer em juízo uma edição da resposta, com a alteração de seu texto. E mesmo que essa atividade consistisse apenas na supressão de partes, sem interferência no restante, no caso específico dos autos, pouco restaria da resposta, de modo que estaria desfigurado o caráter esclarecer ao público, ou corretor de inverdades ou incorreções. Tratar-se-ia de peça sem sentido, que, provavelmente, nem a requerente pretenderia ver publicada, pela possibilidade de causar mais dúvida ou espanto ao leitor do que aclaramento.

A primeira parte da resposta, com o subtítulo “A verdade”, nada trás de esclarecimentos, e está recheada de acusações e auto-elogios.

Na segunda parte, sobre a menção a investigações da Receita Federal, a resposta inclui injustificáveis afirmações de que o Presidente da Editora Abril teria ficado descontente com o fato da Rede Record não ter sido adquirida por seu grupo. Possivelmente, o intuito seria o de atribuir à editora motivos pelos quais faria as perseguições que a requerente afirmou na primeira parte da resposta.

Na seqüência, impugna-se a afirmação sobre o faturamento vindouro da requerente, porém sem qualquer dado esclarecedor. Argumentos como o de que a Igreja Universal do Reino de Deus não é encontrável na lista doas 100 maiores empresas do Brasil não têm o menor sentido. Primeiramente, não foi feita afirmação em sentido contrário na matéria, e a não inclusão na lista é obvia já que, por maior que seja o recebimento de recursos, a requerente não constitui empresa.

O argumento para a inexistência de irregularidade em empresas da Igreja é o de que esta não tem empresas que lhe estejam ligadas, mas que pertencem a pessoas físicas evangélicas.

Se a matéria sugere exatamente que, sob o aspecto prático, haja dubiedade em relação ao que pertença à entidade religiosa e a seus membros, dizer simplesmente que a igreja não tem empresas nada esclarece.

E o mesmo argumento serve para a resposta, no tópico sobre o INSS: “Como a IURD não tem empresas ela jamais poderá ser autuada”. Nada se esclarece sobre o teor da matéria que, mais uma vez, sem distinção precisa entre a titularidade da Igreja ou de seus membros, indica irregularidade previdenciárias.

Novamente, no tópico sobre Bancos e financeiras, defende-se a requerente com o argumento de que não tem bancos porque a lei não permite, mas nada esclarece sobre o exato teor da matéria.

Procedimento similar ocorre de maneira disseminada na resposta, de modo que não se justifica o exame de cada caso. Os acima mencionados devem ser tomados como exemplos mais expressivos.

Na segunda página, basicamente dedicada às ações de ex-integrantes da Igreja contra esta, nada também de esclarecedor. A própria matéria já antecipava que, embora a situação fática sugerisse o contrário, os pastores não eram formalmente empregados, o que levava ao insucesso das ações trabalhistas. Desnecessárias, assim, descrições das atividades e atribuições dos membros da igreja, ou transcrição de sentenças judiciais de alguns daqueles processos.

Ocorre que se isto não bastasse, a resposta nesse ponto acabou por fazer afirmações em relação a terceiros como o advogado que patrocinou tais causas, e alguns dos demandantes, o que é vedado pela lei de imprensa.

Por não obedecer aos limites legais, na medida em que a resposta desvia do objeto da matéria impugnada, promove auto-elogios, dirige acusações e ofensas aos jornalistas e dirigentes da requerida, e faz referências a terceiro, e por não restar parte substancial que cumprisse a tarefa de prestar esclarecimento ao público, não pode o pedido ser acolhido.

Ante o exposto, Indefiro o pedido inicial.

Em vista do caráter privado da demanda, imponho à requerente o pagamento de honorários advocatícios da parte contrário no valor de R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais).

P.R.I.

São Paulo, 13 de dezembro de 2000.

Antonio Carlos Alves Braga Junior

Juiz de Direito.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!