Autenticação na Web

OAB irá certificar assinatura digital de advogados

Autor

  • Omar Kaminski

    é advogado e consultor gestor do Observatório do Marco Civil da Internet membro especialista da Câmara de Segurança e Direitos do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) e diretor de Internet da Comissão de Assuntos Culturais e Propriedade Intelectual da OAB-PR.

17 de dezembro de 2001, 11h30

A Ordem dos Advogados do Brasil será a responsável pela autenticidade da correspondência eletrônica, documentos e atos praticados pelos advogados através da Internet.

A confirmação é do advogado Marcos da Costa, presidente da Comissão de Informática do Conselho Federal da OAB e da Comissão Especial de Informática Jurídica da OAB/SP, a respeito da notícia divulgada pela Consultor Jurídico, que tratou das novas Resoluções da ICP-Brasil e abordou a possibilidade de a Ordem dos Advogados do Brasil vir a se tornar Autoridade Certificadora (AC).

O presidente observou que “as informações sobre certificação da OAB não estão disponíveis pelo simples fato de que se encontram ainda em fase de estudos”.

“Tão logo esteja concluída a análise, daremos ampla divulgação. Estamos efetivamente caminhando para a certificação eletrônica da OAB”, disse.

Diferentemente de Portugal, onde a Ordem dos Advogados será uma autoridade de registro, no Brasil a entidade será certificadora de fato. Os portugueses optaram por um convênio com empresa privada, que irá gerar os certificados.

Esse modelo, explica Costa, apresenta vantagens e desvantagens. As vantagens são: a dispensa de investimentos pela Ordem de Portugal; e a rapidez da implantação da certificação, posto que utiliza a infra-estrutura já disponível pela empresa.

As desvantagens são: considerando que a atividade de certificação é estritamente de confiança, um modelo em que a Ordem certifica advogados, mas é certificada por uma empresa, acaba por representar que o certificado merece crédito porque, na ponta final da cadeia está determinada empresa, quando na verdade deveria merecê-lo porque emitido pela OA-PT. Outra desvantagem é que a Ordem acaba ficando dependente da empresa certificadora. Aliás, segundo o convênio firmado pela Ordem portuguesa, o primeiro certificado será gratuito, mas os demais serão cobrados a preço de mercado.

Costa informa que a Ordem brasileira tem estudado as alternativas para a certificação. A Comissão de Informática da OAB/SP, para agilizar o processo, criou uma subcomissão de certificação eletrônica composta por advogados com grande conhecimento na matéria.

Dentre as conclusões preliminares, destaca que “a primeira é de que a tecnologia deva dar suporte ao modelo, mas não ser, ela própria, um fim em si mesma. Ou seja, as questões tecnológicas não devem desvirtuar o fato de que à Ordem compete certificar advogados, seja no ‘mundo real’, com emissão de carteiras, seja no ‘virtual’, com emissão de certificados. Daí porque a Comissão é contrária à certificação por empresas, como adotado em Portugal.

A segunda conclusão é que a Ordem deve certificar advogados para fins exclusivamente profissionais. Em outras palavras, sua função é dar suporte a advogados para que possam exercer suas atividades profissionais por meio eletrônico, em relacionamentos com clientes, colegas, magistrados e além da própria entidade, suas escolas de advocacia e caixas de assistências.

A terceira é que o modelo a ser adotado deva ser transparente, auditável, e por isto, em princípio, estamos optando por tecnologias de código aberto, que já passaram pelo crivo da comunidade científica internacional. Nesse sentido, a solução proprietária, de determinadas empresas, com código fonte indisponível, em que a confiança está centrada exclusivamente na palavra do próprio fornecedor da solução, não nos parece mais adequada.”

O advogado afirma que já foi verificado na prática que o problema da certificação não está na tecnologia, mas sim nos procedimentos que lhe darão suporte, e que já se está, há mais de seis meses, testando em ambiente restrito a emissão de certificados na Ordem de São Paulo. Os sistemas já estão instalados, e funcionando. Emitem certificados e listas de revogação. Faltam ainda testes abertos para a implantação do sistema.

Prossegue apontando que “nossos estudos estão atualmente voltados para o processo de certificação, envolvendo a identificação das chaves públicas por advogados. Só em São Paulo, são mais de 150.000 profissionais, estabelecidos por todo o Estado. No Brasil, serão mais de 450.000”.

E aponta a conscientização, dizendo que a OAB está ainda estabelecendo métodos para esclarecer junto aos próprios advogados o significado preciso da assinatura digital, bem como os elementos necessários para assegurar o sigilo de suas chaves privadas.

Paralelamente, os próprios Tribunais são motivo de estudos pela Comissão da OAB/SP. A preocupação é de que seja aceita a assinatura digital de advogados. Para tanto, representantes da OAB participaram de audiência pública na Câmara dos Deputados, a propósito de anteprojeto de lei dispondo sobre informatização do processo judicial elaborado pela AJUFE (Associação dos Juízes Federais do Brasil), e promoveram, no dia 11 deste mês de dezembro, um marcante evento na sede da OAB-SP, com a presença de Juízes Federais, do Tribunal de Justiça, do Segundo Tribunal de Alçada Civil, do Tribunal de Alçada Criminal, dos dois Tribunais Trabalhistas de São Paulo, e também foros administrativos, como o Tribunal de Impostos e Taxas.


O advogado conclui dizendo que “temos ciência, ainda, das dificuldades que haverá para que certificados sejam distribuídos de forma a que todos os 57 Tribunais e os 10.700 magistrados do país possam reconhecê-los, razão pela qual o modelo que estamos estudando tem como chave-raiz o Conselho Federal da OAB, e as Seccionais promovendo a certificação de seus inscritos”.

A seguir, o conteúdo da palestra proferida pelo Dr. Marcos da Costa em audiência pública da Comissão de Participação Legislativa da Câmara dos Deputados, a propósito do Anteprojeto de lei elaborado pela AJUFE – Associação dos Juízes Federais do Brasil, em 03.11.2001.

COMISSÃO DE LEGISLAÇÃO PARTICIPATIVA

ANTEPROJETO DE INFORMATIZAÇÃO DOS

PROCESSOS JUDICIAIS

Exma. Sr. Deputada Federal Luiza Erundina,

Exmo. Sr. Deputado Federal Ney Lopes,

Presidente e Relator da Comissão de Legislação Participativa

Agradecemos o honroso convite para participar desta audiência pública, a primeira desta Egrégia Comissão de Legislação Participativa, a propósito do primeiro anteprojeto de lei por ela recebido, oferecido pela Ajufe – Associação dos Juízes Federais do Brasil, que visa a dispor sobre informatização dos processos judiciais.

Queremos também registrar nossos cumprimentos a Ajufe pela iniciativa, que evidencia a visão moderna que a entidade tem sobre o tema, ajustada aos novos tempos.

Entendemos que o momento é extremamente propício para discutir-se a informatização dos processos judiciais.

De fato, em junho de 2001, o Governo Federal editou a Medida Provisória 2.200, disciplinando o documento eletrônico, a assinatura digital e a certificação eletrônica.

Esta Casa, recentemente, por meio de Comissão Especial, aprovou o Projeto de Lei que havia sido oferecido pela nossa Comissão Especial de Informática Jurídica da Seccional Paulista da OAB, na forma do Substitutivo do Deputado Júlio Semeghini, dispondo, dentre os pontos, dos temas da MP 2.200.

Ou seja, o Poder Judiciário, quer por força daquela MP, quer pelas normas a serem adotadas, esperamos que em breve, pelo Congresso Nacional, já começará a receber documentos em forma exclusivamente eletrônica, sem suporte em papel.

Independentemente de a petição firmada por advogado ser protocolada em papel, pode ela vir a juntar documentos apenas em versão eletrônica, necessitando o Poder Judiciário já preparar-se para fazer uso dessa tecnologia.

E se o documento encaminhado, que fará prova nos autos, já pode ser apresentado em forma eletrônica, não parece haver motivos para que as petições, bem como despachos, sentenças, acórdãos e atos dos serventuários da Justiça não o sejam.

Daí porque, reitere-se, o momento é mais que apropriado para discutir-se a informatização do processo judicial.

Permita-nos, sem prejuízo de nossos cumprimentos pela iniciativa da Ajufe, observar alguns pontos que nos parecem fundamentais em qualquer proposta da espécie e que implicarão na necessidade de ajustes naquele anteprojeto.

O primeiro deles é a necessidade de consagrar-se a assinatura eletrônica, baseada em modelo de criptografia de chave pública, como forma de validar qualquer documento, inclusive aqueles de natureza processual, como petições e despachos judiciais.

Isto porque é a única forma de assegurar autenticidade e integridade ao documento. Autenticidade representa conhecimento de autoria. E integridade, a possibilidade de identificação de eventual alteração do documento depois de assinado.

O sistema de senha, proposto no projeto, não assegura nem a autenticidade, nem a integridade do documento.

Não assegura integridade porque não permite saber se o documento transmitido sofreu alteração.

E não assegura autenticidade, na medida em que a informação que identifica o autor (a senha) é compartilhada entre o advogado e o Tribunal. No sistema de assinatura digital, ao revés, a informação que serve para codificar o documento é de exclusivo conhecimento do respectivo titular, não podendo terceiros gerar documentos como se fossem o próprio titular.

Por outro lado, é de se considerar que, conforme antes exposto, a Medida Provisória 2.200 e os PLs que tramitam nesta Casa consagram a assinatura digital como forma de validar um documento, não havendo razão para que o Poder Judiciário, que receberá documentos assinados digitalmente, não use desse mesmo conceito para validar documentos processuais.

Outro ponto que merece ressalva no anteprojeto é a tentativa de determinar-se que o advogado seja credenciado junto ao Poder Judiciário. Isto ocorre tanto no art. 2º como no art. 8º.

Esse credenciamento parte do princípio de que, pelo sistema de senhas, é necessário que o Tribunal conheça a informação que identificará o advogado que apresentar uma petição. Mas não traz o credenciamento segurança ao processo pois, conforme antes exposto, requerer o compartilhamento da informação – a senha – que assim passa a não ser mais de exclusivo conhecimento do titular.


A assinatura digital, além de não reclamar compartilhamento de informação, utiliza a certificação eletrônica como instrumento de identificação.

Deve-se, portanto, substituir o sistema de credenciamento pelo de certificação eletrônica.

Esta, por sua, vez, deve ser expedida pela OAB, e não pelo Poder Judiciário, pois a validação (apresentação) do advogado é de exclusiva competência da Ordem. Além disto, a certificação expedida pela OAB traz a vantagem de permitir constante atualização das informações. Um advogado, por exemplo, suspenso pelo prazo de 90 dias, pode ter sua certificação suspensa por igual período. Ou um advogado excluído dos quadros da OAB, pode ter sua certificação revogada. Os sistemas de senha e de credenciamento não permitem essa atualização.

Existe, ainda, um outro dado, de caráter prático. Não há um Tribunal único no país. Temos hoje, no Brasil, 57 Tribunais. E algo próximo a 10.700 magistrados na ativa. O sistema de senhas e de credenciamento exigiria que cada um dos mais de 450.000 advogados brasileiros, e mais alguns milhares de estagiários, se cadastrassem, e obtivessem senhas, em cada um dos 57 Tribunal, e perante cada uma das Comarcas em que fossem atuar. É de se imaginar o número de senhas e de cadastramentos, por advogados e estagiários, por Tribunais e Comarcas.

O sistema de assinatura digital é único por advogado. E o sistema de certificação eletrônica é único pela OAB. Nossa proposta é de que o Conselho Federal da OAB seja a chave-raiz do sistema, e que as Seccionais da OAB sejam as certificadoras dos advogados e estagiários. Bastará que cada Tribunal e Comarca instale a chave-raiz do sistema para que todas as petições de todos os advogados certificados pela OAB sejam validadas.

Outro ponto de preocupação é o disposto no art. 3º do anteprojeto, que pretende considerar realizado o ato de envio de petições no dia e hora de seu encaminhamento.

Omite-se o projeto, a propósito, sobre a data dos atos processuais, praticadas pelos magistrados e pelos serventuários, o que é igualmente fundamental.

E é extremamente preocupante pretender que a data de encaminhamento (na verdade, de transmissão), seja considerada para efeitos processuais, inclusive de cumprimento de prazos, pois dependeria apenas da configuração do equipamento do remetente, facilmente alterada.

Melhor será, para efeito de controle, estabelecer-se a data e hora de recebimento nos equipamentos do próprio Poder Judiciário.

Além disto, o artigo deve estabelecer resposta automática do Poder Judiciário, acusando recebimento da petição.

É de se louvar a iniciativa contida no art. 4º da proposta, de que os atos processuais sejam publicados em meios eletrônicos.

Merece apenas alguns aperfeiçoamentos:

Se cada juiz ou desembargador disponibilizar em site próprio a informação de seus atos e comunicações, será necessário ao advogado acesso a milhares de sites diariamente, missão, assim, de difícil, ou impossível cumprimento.

Sugerimos que o dever de publicar seja da imprensa oficial, sem ônus, democratizando a informação, permitindo amplo acesso à mesma.

Por outro lado, “disponibilização de dados em sistema para consulta externa” como previsto no art. 4º, pode representar utilização de diversos sistemas telemáticos de acesso, inclusive as antigas BBS´s ou Videotexto, obrigando-se instalação de sistemas proprietários, conexões diretas com pagamento de sobre-tarifas telefônicas, etc.

Sugerimos, assim, tornar claro no texto que as informações devem ser publicadas exclusivamente na Rede Mundial de Computadores – Internet, de fácil acesso por todos os profissionais do direito e da população como um todo.

Por fim, em razão da dificuldade em estabelecer-se a data de publicação de informações na internet, sugere-se, ainda no artigo 4º, que os Cartórios das Varas e dos Tribunais sejam obrigados a manter relação das publicações efetivadas, sendo que, se essa cópia for eletrônica, deverá ser assinada digitalmente.

Já quanto ao art. 5º, não vemos razão para sua adoção. A publicação dos atos processuais já serve para torná-los públicos. E os atos que dependam de intimação pessoal não devem ser praticados de outra forma que não a pessoal, sob pena de estabelecerem-se intimações fictas, por presunção jurídica, em situações que a própria lei reclama sejam presenciais.

A exceção prevista no parágrafo único do artigo 7º nos parece excessiva, já que, se todos os órgãos públicos, da União e dos Estados, serão obrigados a adotar sistemas informatizados, não vemos razão para que também os municípios assim o façam. Ademais, é norma que não tem sequer limitação temporal, podendo o município adiar indefinidamente sua adoção.

Em relação ao artigo 8º, cabem também algumas ponderações.


A primeira delas, diz respeito ao credenciamento. Conforme já exposto, compete à OAB estabelecer a identidade do advogado, inclusive no mundo virtual, até mesmo para prover informação mais atualizada. Segundo, porque o melhor sistema é o da certificação eletrônica, que se segue à assinatura eletrônica do advogado.

Outro ponto é a intenção de que o Poder Judiciário seja obrigado a desenvolver sistemas, e os advogados, a adotá-los. O Poder Judiciário não tem conhecimento técnico para desenvolver softwares. Cada um dos 57 Tribunais brasileiros poderá pretender produzir seus próprios sistemas, fazendo com que os advogados tenham que instalar um sem número de softwares em seus computadores. E a assinatura digital é modalidade já consagrada, que independe de sistemas proprietários.

Preocupa-nos sobremaneira a intenção contida no art. 11 do anteprojeto, pela possibilidade de devassa em bancos de dados, contrária a princípios basilares do Estado Democrático do Direito. Estamos certos de que não é essa a intenção dos proponentes, mas cria-se o ambiente adequado para que isto ocorra. Aqui, a proposta merece supressão pura e simples.

Existem alguns detalhes de técnica redacional que merecem registro:

O § 1º do art. 1º deveria referir-se apenas a processos judiciais, sem especificá-los, para não excluir nenhum deles, como por exemplo o eleitoral;

O § 2º do mesmo art. 1º diz que o uso do meio eletrônico dispensa a apresentação dos documentos originais. Mas o documento eletrônico é, ele próprio, original, quando assinado digitalmente;

O art. 3º se refere a “envio”, quando o mais adequado seria “transmissão”;

O art. 4º fala em “publicação de atos e de comunicações processuais”, mas a publicação é forma de comunicação. Melhor será utilizar simplesmente “A comunicação de atos processuais será efetuada.”;

O art. 6º deveria incluir a obrigação de ser o documento eletrônico assinado digitalmente.

Finalmente, é de solicitar que sejam acrescidas ao anteprojeto três regras:

Que o Poder Judiciário publique na íntegra suas decisões, em qualquer grau de jurisdição, e sem custo aos jurisdicionados, respeitadas, naturalmente, as questões relacionadas aos processos que tramitam em segredo de justiça. Isto dará maior transparência aos atos do Poder Judiciário, democratizando a informação;

Que sejam sistematizados em bases de dados estruturadas todos os andamentos processuais, para acesso à distância, como já o fazem diversos Tribunais do país;

Que os vv. acórdãos publicados na Internet, em base de dados do respectivo Tribunal, sejam aceitos para efeito de comprovação de dissídio jurisprudencial, sem necessidade de outra informação ou de juntada de cópia autêntica. Tal medida é salutar para a diminuição dos custos de acesso ao Poder Judiciário.

(N.E.: o anteprojeto da AJUFE já conta com duas alterações: foi retirada a expressão “senha” contida no art. 2º, § 2º, e o acesso direto a cadastros públicos do art. 11, ambos da versão original. Veja também o relatório do Deputado Ney Lopes).

Autores

  • Brave

    é advogado, diretor de Internet do Instituto Brasileiro de Política e Direito da Informática (IBDI) e membro suplente do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br).

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