Garantia de emprego

TRT-PR determina a reintegração dos trabalhadores da Telepar

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3 de dezembro de 2001, 19h17

PRIVATIZAÇÃO

Visando o processo de privatização, em data de 31.05.99, de um total de 4.000 empregados, a Telepar demitiu, num mesmo ato, massivamente, 680 empregados, sendo que estava em vigência norma convencional assegurando garantia de emprego, em caso de adoção de novas tecnologias, cabendo ressaltar ainda que a Telepar assumira a meta de não reduzir o pessoal, no processo de privatização.

Como decorrência disso, a Procuradoria do Trabalho ajuizou a Ação Civil Pública, requerendo a nulidade da despedida e a reintegração dos demitidos, sendo que o SINTEL, que representa sindicalmente os trabalhadores, através de seus advogados, Edésio Franco Passos, Sandro Lunard, Luiz Salvador e Olímpio Paulo Filho, protocolizou pedido de assistência consorcial, que por ter sido admitido, passou a atuar nos autos em conjunto com a Procuradoria do Trabalho, na defesa dos interesses dos trabalhadores demitidos.

Em primeiro grau, o juiz Roberto Dalla Barba concedeu liminar para que os empregados despedidos manifestassem em 30 dias o interesse na readmissão, impedindo novas contratações para as funções dos demitidos e impondo obrigação de depósito em juízo de créditos dos que optassem pela readmissão, caso essa não se operasse.

A Telepar ingressou com mandado de segurança perante o TRT-9ª Região, sendo negada a liminar de suspensão do ato do juiz da primeira instância. Entretanto, via reclamação correcional da empresa perante o TST, o Ministro Almir Pazianotto determinou a suspensão da eficácia da liminar até julgamento da ação, ato contra o qual recorreu a Procuradoria do Trabalho. Posteriormente, no mérito, a ação foi julgada improcedente na Vara do Trabalho.

Examinando os recursos interpostos, a 1ª Turma do TRT da 9ª Região decidiu, por maioria de três votos a dois, em “dar provimento parcial ao recurso ordinário na Ação Civil Pública proposta pelo M.P.T. , para declarar a nulidade das demissões efetuadas e determinar a readmissão dos empregados dispensados arrolados nesta ação, a seus postos de trabalho, sob pena de multa diária de R$1.000,00, reversível ao FAT, não havendo, então, abatimento ou compensação de verbas recebidas” (autos TRT-PR-RO 13.115/2000, Acórdão 32.676/2001-1ª Turma). O acórdão, destinado à repercussão jurídico-social diante das questões enfrentadas, é da lavra da juíza Rosemarie Diedrichs Pimpão.

A íntegra do acórdão, publicado no Diário da Justiça do Estado do Paraná, edição de 23/11/2001, pág. 414, é a seguinte:

DESPEDIDA DISCRIMINATÓRIA. IDADE FATOR DISCRÍMEN. VIOLAÇÃO DO TEXTO CONSTITUCIONAL (ARTIGOS, 1º, IV; 3º, IV; 5º, CAPUT, II e XXXVI; 7º, I, XXX E XXXI; 170, CAPUT) E DA LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL – READMISSÃO AUTORIZADA PELA LEI 9.029/95. ARTIGO 1090 DO CÓDIGO CIVIL. Imperiosa a declaração de nulidade das despedidas dos empregados relacionados em ação civil pública, com conseqüente readmissão dos mesmos no emprego se, da prática aparentemente neutra do ato imotivado perpetrado pela ré, sobressai a malsinada discriminação indireta.

Logo, constatado que no caso em concreto, dentre os dispensados, a maioria detinha o componente apontado na inicial como discriminatório (idade compreendida na faixa dos quarenta e quarenta e poucos anos) cujo resultado deletério, se afastou dos propósitos das regras pactuadas para a privatização, não buscando o desenvolvimento social a que se obrigou, nem preservando o trabalho como valor social. Malferimento que se reconhece aos princípios, garantias e direitos – FUNDAMENTAIS e SOCIAIS, inscritos nos preceitos epigrafados, bem assim na legislação infraconstitucional (Lei n. 9.029/95).

V I S T O S, relatados e discutidos estes autos de RECURSO ORDINÁRIO, provenientes da MMª 9ª Vara do Trabalho de CURITIBA – PR, sendo recorrentes TELECOMUNICAÇÕES DO PARANÁ S/A – TELEPAR e MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO e OUTRO e recorridos OS MESMOS. REMESSA “EX OFFICIO”.

“Inconformadas com a sentença de primeiro grau, que acolheu em parte os pedidos da ação, recorrem as partes a este Tribunal.

Reitera, a Ré, a preliminar de ilegitimidade ativa do MPT, pleiteando extinção do processo, sem julgamento do mérito (art. 267, VI, do CPC).

O Autor, por sua vez, suscita as preliminares de nulidade processual e da sentença e, no mérito, requer a reforma do julgado, no tocante à reintegração do empregados da Ré.

Sobem estes autos, também, para o reexame necessário, com item comum ao recurso voluntário do MPT.

Contra-razões apresentadas, nas quais o Autor suscita a preliminar de não-conhecimento do recurso da Ré, por ausência de interesse recursal e, a Ré, reitera a preliminar de ilegitimidade ativa do MPT.

Opinou, a d. Procuradoria Regional do Trabalho, pelo não-provimento do recurso da Ré e pelo acolhimento das preliminares de nulidade, suscitadas pelo Autor”.


É o relatório, que adoto, na forma regimental.

FUNDAMENTAÇÃO

Com a devida vênia, transcrevo, a seguir, os termos do voto do Eminente Juiz Relator, o qual prevaleceu, à unanimidade, quer quanto ao Juízo de Admissibilidade, quer no tocante às matérias preliminares.

ADMISSIBILIDADE

“Não admito a remessa de ofício, pois não se harmoniza com as previsões do DL 779/69. Suscita, o Autor, com razão, a preliminar de não-conhecimento do recurso da Ré, por ausência de interesse recursal. Realmente, não se revela o interesse, vez que a recorrente foi vencedora, no mérito. A legitimidade é matéria que pode ser conhecida de ofício (CPC, art. 301, §4º), bastando à parte, em tal caso, para ter direito à apreciação em segundo grau, voltar a sustentá-la em contra- razões. Outra seria a solução se a remessa de ofício fosse aplicável à ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público. Este, porém, como já visto, não é o caso. Não admito, pois, o recurso ordinário da Ré.

Admito o recurso ordinário da parte autora e as contra-razões, vez que presentes os pressupostos legais”.

PRELIMINARES

a) Nulidade – indeferimento do pedido de produção de prova documental.

O autor e o assistente argúem a nulidade, pelo fato do Juízo ter indeferido o pedido de juntada, pela ré, da relação de empresas de serviços terceirizados.

Não têm razão.

A tese da inicial é a de que os empregados fazem jus à reintegração, porque: a) as demissões tiveram caráter discriminatório; b) a norma coletiva assegurava o emprego, em caso de adoção de novas tecnologias; c) a ré assumiu a meta de não reduzir o pessoal, no processo de privatização. Ora, não se consegue entender no que a referida lista contribuiria para a conclusão a respeito daquelas razões. Supondo que mostrassem que todos os cargos vagos foram terceirizados, isso demonstraria ter havido discriminação ?

Data venia, é evidente que não. Quanto às novas tecnologias, provaria contra o autor, posto que mostraria que a diminuição do quadro não teria se originado da desnecessidade dos serviços. No que se refere à alegada assunção da meta de não reduzir pessoal, se o compromisso realmente existiu, a conclusão pela quebra independe da prova pretendida.

Rejeito.

b) Nulidade da sentença de embargos de declaração

Sustentam o Ministério Público e o assistente que a sentença é omissa e o defeito não foi suprido na oportunidade dos embargos.

Não têm razão. Conquanto de maneira sucinta, a r. sentença decidiu e está fundamentada, razão pela qual também rejeito a presente preliminar.

Entendo que, embora possa parecer que o julgado concluiu pela ilegitimidade do Ministério Público, quanto aos demais argumentos que não o da discriminação, outra é a situação. O MM. Juízo deduziu, isto sim, que as diversas situações encontradas evidenciavam a inexistência de origem comum. E, realmente, se tal caso se verificar, o pedido deve ser rejeitado, apesar de haver legitimidade para a ação civil pública. A legitimidade para afirmar a origem comum e ver a ação devidamente processada existe.

Quanto aos recursos gerenciados pelo poder público, penso que a sentença simplesmente entendeu que o fundamento não era de direito do trabalho, ou seja, o fato não gerava direito trabalhista.

Rejeito.

c) Ilegitimidade ativa

O réu sustenta a ilegitimidade ativa do Ministério Público, por se tratar de pedido relativo a direito pertinente a alguns empregados perfeitamente identificáveis, tanto que nominados e qualificados nos autos.

Não tem razão.

O artigo 21 da lei 7347/85 reza que Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor. (Redação dada pelo artigo 117, da Lei nº 8.078, de 11.09.1990).

Já o referido Título III, da Lei 8078/90, dispõe, no artigo 81, parágrafo único, que A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: (…) III – interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.

O objeto da presente ação é individual homogêneo, pelo que, perfeitamente cabível a ação civil pública.

Rejeito”.

MÉRITO

Três fundamentos respaldam o pedido formulado, quais sejam: a) o da discriminação, por idade tempo de serviço e, conseqüentemente, do salário, na escolha dos demitidos; b) o do desrespeito à cláusula 16ª, do ACT, que garantia o emprego em caso de novas tecnologias que levassem à diminuição de postos de trabalho; c) o das normas da privatização que, sob a ótica do autor, acarretaram o compromisso de não demitir.

Os Eminentes Juízes Relator e Revisor não vislumbraram a presença de qualquer das hipóteses supra. A meu juízo, não se esgota a questão, data vênia dos eminentes juízes Relator e Revisor, tão somente, no exame do contexto da prova oral e documental. Exige, principalmente, ponderações de ordem principiológica, em face de alegação voltada a existência de malferimento a garantias fundamentais. Inegável que violar um princípio encerra maior gravidade do que a violação direta de um comando normativo, eis que aquele constitui o próprio pilar que sustenta este.


Já no artigo 1º, inciso IV, da Lei Maior, estão eleitos os VALORES SOCIAIS DO TRABALHO, como princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito e, dele constituem objetivos fundamentais, informados no art. 3º do Texto Supremo “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. O veto a qualquer prática discriminatória vem reforçado no inciso XLI do art. 5º quanto a igualdade de direitos perante a lei, que dita: “a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”.

Poder-se-ia redargüir com virtual natureza programática destas regras como se fossem meras proposições ou dispositivos líricos destituídos de força normativa. Na realidade, configuram-se, a meu ver, “Estatuto da Garantia da Estabilidade e do Projeto de Vida de todos aqueles que a seus comandos estão submetidos” na esteira da lição transcrita à fl. 04 da inicial. Como assere Ingo Wolfgang Sarlet, em sua obra A EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS, “inexiste norma constitucional destituída de eficácia”.

Nesse diapasão, a meu juízo, a prova oral produzida, buscando demonstrar ausência de discriminação, não socorre, por si só, a tese reclamada, na medida em que, embora trinta por cento (30%), do universo de seiscentos e oitenta (680) empregados, não se enquadrassem no discrímen em relação à idade e tempo de serviço – extrai-se a configuração da denominada discriminação indireta, apontada pelo d. MPT, a qual prescinde, segundo a moderna doutrina, do fator intencional.

A propósito da malsinada regra, originária do direito norte-americano, PINHO PEDREIRA, juiz togado aposentado da 5ª Região, em brilhante trabalho publicado na Revista Ltr. n.65, de abril de 2001, páginas 402/406, enfatiza: “a discriminação indireta é, para a Corte Suprema do Canadá, `uma regra neutra à primeira vista e que se aplica igualmente a todos os empregados, mas que tem efeito discriminatório por um motivo proibido para um só empregado ou um grupo de empregados”.

Isto porque, da prática aparentemente neutra da despedida sem justa causa, sobressai a dita discriminação, constatado que, dentre os dispensados, a maioria detinha o componente apontado na inicial como discriminatório, cujo resultado deletério, se afastou dos propósitos das regras pactuadas para a privatização, não buscando o desenvolvimento social a que se obrigou, nem preservando o trabalho como valor social (art. 1ª, inciso IV da Carta Republicana).

Com efeito, se o contexto em que se desenvolveu a privatização resguardava normas de proteção social, incumbia à ré o dever de promover, harmonicamente, o desenvolvimento do setor, a teor da Lei n. 9.472, art. 2º, inc. VI, com as metas de desenvolvimento social consignadas no edital (fls. 736/783 dos volumes 4 e 5 dos autos).

A implantação de políticas aptas a provocar o crescimento econômico e desenvolvimento social não é tarefa, data vênia, inteiramente alheia ao Judiciário, órgão ao qual se comete a missão de interpretar e aplicar as leis que visam executá-las, de modo convergente aos mesmos propósitos que nortearam a orientação legislativa.

Sobre o papel do Poder Judiciário, FRANCISCO GÉRSON MARQUES DE LIMA, in LEI DE INDRODUÇÃO AO CÓDIGO CIVIL E A APLICAÇÃO DO DIREITO DO TRABALHO, observa: “Precisamos cumprir e fazer cumprir a Constituição Federal, doa a quem doer. É assim que se faz e se vive o Estado de Direito. Não é suficiente afirmar, por seu turno, que através da perspectiva de uma simples ampliação do acesso à Justiça, teríamos encontrado os fundamentos do papel democrático para o nosso Judiciário e o efetivo desempenho de seu mister. Ele desempenha importante função transformadora da sociedade, na aplicação da norma. Logo, não pode mais manter sua apatia ao fenômeno social, como se alheio ao mesmo fosse. Os operadores jurídicos (advogados, doutrinadores, membros do Ministério Público e Magistrados) defende Wilson Ramos Filho, devem estender seu ofício e os autos do processos não em seu caráter teleológico, mas em seu caráter fundamental, na construção de uma sociedade justa, democrática, participativa e não discriminatória”. (in ob. e aut. cits., Malheiros Editores Ltda., São Paulo, 1996, pág.170).

Desatendidos os princípios constitucionais voltados ao desenvolvimento social, à proteção ao trabalho e caracterizada a discriminação (artigos 1º, 3º e 5º, inciso XLI e par. 1º da Carta Política), releva registrar que, no plano infraconstitucional, também restou ferido o artigo 1º da Lei n. 9029/95.

Importa ponderar que o art. 7º, inciso I., da Lei Maior, expressamente invocado pela ré, vedando a despedida arbitrária, autoriza, em nome do direito potestativo do empregador, a despedida sem justa causa, desde que seja procedido o pagamento daquela indenização, impende seja sopesado, na análise sistemática do texto constitucional, de modo a não apresentar antinomia com os princípios maiores que sustentam número mais abrangente de destinatários e que fundamentam os valores sociais do trabalho (art. 1º, IV, da CF), a promoção do bem de todos, sem preconceito de idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, inc. IV, da CF), bem como princípios gerais dispondo que “a ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa tem por objetivo assegurar a todos a existência digna, conforme ditames da justiça social” (art. 170, caput, da Carta Política).


Acerca da interpretação da norma constitucional, preleciona J.J. GOMES CANOTILHO: “Interpretar uma norma constitucional consiste em atribuir um significado a um ou vários símbolos lingüísticos escritos na constituição com o fim de obter uma decisão de problemas práticos normativo-constitucionalmente fundada. Sugerem-se aqui três dimensões importantes da interpretação da constituição: (1) interpretar a constituição significa procurar o direito contido nas normas constitucionais; (2) investigar o direito contido na lei constitucional implica uma actividade – actividade complexa – que se traduz fundamentalmente na `adscrição´ de um significado a um enunciado ou disposição lingüística (`texto da norma´); (3) produto do acto de interpretar é o significado atribuído.”

Mais, adiante, explica que a concretização da constituição, “traduz-se, fundamentalmente, no processo de densificação de regras e princípios constitucionais. A concretização das normas constitucionais implica um processo que vai do texto da norma (do seu enunciado) para uma norma concreta – norma jurídica, que por sua vez será apenas um resultado intermédio, pois só com a descoberta da norma de decisão para a solução dos casos jurídico-constitucionais teremos resultado final da concretização.”

Já, densificar uma norma, esclarece o mesmo autor, “significa preencher, complementar e precisar o espaço normativo de um preceito constitucional, especialmente carecido de concretização, a fim de tornar possível a solução, por esse preceito, dos problemas concretos (…) O princípio da máxima efetividade, também designado por princípio da eficiência ou princípio da interpretação efectiva, pode ser formulado da seguinte maneira: a uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê. É um princípio operativo em relação a todas e quaisquer normas constitucionais e, embora a sua origem seja ligada à actualidade das normas programáticas (Thoma), é hoje sobretudo invocado no âmbito dos direitos fundamentais (no caso de dúvidas deve preferir-se a interpretação que reconheça maior eficácia aos direitos fundamentais).” (in DIREITO CONSTITUCIONAL E TEORIA DA CONSTITUIÇÃO, 1998, 3ª ed./reimpressão, Livraria Almedina, Coimbra/Gráfica Coimbra, Portugal).

Tem-se, então, que o aludido dispositivo, obstaculizando dispensa de conteúdo arbitrário e abusivo, não tem o condão de autorizar a supremacia do direito potestativo do empregador, sem observância da garantia da empregabilidade a que se obrigou a ré e de prévia capacitação técnica acordada em pacto coletivo, não emergindo da prova oral tivesse cuidado a requerida em atender às regras por ela pautadas visando a efetiva capacitação deste contingente de empregado para novas funções que viessem a ser estabelecidas. Mister que despendesse esforços neste sentido para exaurir a etapa que antecedia a dispensa imotivada. Este procedimento que harmonizar-se-ia com o Edital de Desestatização que impõe a obrigação de a empresa-ré fomentar, à exaustão, a capacitação de seu pessoal (fls. 736/783 dos volumes 4 e 5 dos autos).

O autor retrocitado, Procurador do Trabalho da 6ª Região e Professor no curso de Pós-Graduação da Faculdade de Direito de Olinda (PE), discorrendo sobre a função social da empresa, a isonomia de tratamento e a eficácia constitucional, anota: “esquece o intérprete a exigida FUNÇÃO SOCIAL da propriedade (art. 5º XXIII) e que a ordem econômica funda-se na VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO, tendo por fim assegurar a todos a EXISTÊNCIA DIGNA, conforme os ditames da JUSTIÇA SOCIAL (art. 170, ´caput´). Na prática, estes dispositivos são relegados ao plano da utopia, pois os intérpretes e aplicadores do Direito cooptam em suas funções, sobrelevando os primeiros mandamentos (do direito à propriedade, da livre iniciativa, do direito potestativo de rescisão, etc), na má técnica jurídica. Destarte, face à tradição brasileira, o Texto Magno pecou quando não foi mais incisivo nas restrições ao seu liberalismo. Em face da timidez da jurisprudência brasileira, era necessário que fosse inequívoco (…) A interpretação constitucional, afirma Konrad Hesse, `está submetida ao princípio da ótima concretização da norma (´Gebot optimaler Verwirklichung der Norm´) (…). A interpretação adequada é aquela que consegue concretizar, de forma excelente, o sentido (´Sinn´) da proposição normativa dentro das condições reais dominantes numa determinada situação´. E concluiu: `A dinâmica existente na interpretação construtiva constitui condição fundamental da força normativa da Constituição e, por conseguinte, de sua estabilidade. Se, por um lado, a CF/88 se reporta à livre iniciativa, ao tratar da Ordem Econômica e Financeira; por outro lado, exalta os valores sociais do trabalho. Os dois preceitos, na pior das hipóteses, têm a mesma força normativa, o mesmo traço de SUPREMACIA, aspecto tipificador dos mandamentos constitucionais. Vale dizer, entre um e outro, posto que inseridos na mesma Carta Magna, não há hierarquia, encontram-se no mesmo patamar de supremacia e imperatividade. Levando-se em conta, ainda, que um preceito não pode afastar do outro à totalidade, pois o legislador não dispõe baldosamente, sobremaneira na Carta Política, a única maneira de harmonizar os dois preceitos, sem desprezar nenhum deles, é recorrer-se ao método da interpretação sistemática da CF/88. Neste diapasão, reconhecemos a liberdade de iniciativa particular, a propriedade privada, o modo de produção capitalista etc. Mas, também, não olvidaremos que estas previsões não são absolutas, porquanto comportam atenuações, em face do intervencionismo estatal na economia.” (ibidem, págs. 166/167 – sublinhamos).


Não vislumbrei demonstrado, no caso dos autos, à saciedade, como incumbia à ré, a motivação específica que culminou com a escolha e conseqüente resilição contratual dos empregados envolvidos na presente ação civil, haja vista a existência de norma coletiva voltada à “capacitação técnica e realocação funcional” VISANDO O OBJETIVO MAIOR DE MINIMIZAR O IMPACTO SOCIAL (fl. 73, cláusula 5ª), cujo texto diz: “A TELEPAR se compromete a não adotar iniciativa de dispensar seus empregados, ao ensejo da introdução de novas tecnologias ou processos automatizados, assegurando aos afetados pelos fatores supra o direito a nova capacitação e realocação funcional.” (sic. fl. 73, cláusula 5ª, caput).

Se ARION SAYÃO ROMITA adverte que a despedida é até antifuncional, socialmente injustificada, com maior ênfase ditaria, diante da utilização propiciada à requerida de recursos provenientes do FAT, destinando-se a proporcionar empregos, sem que se cogitasse da passagem, antes, pelo calvário do desemprego, àqueles que detinham idade média de 40 anos ou tempo de serviço significativo.

Por fim, a matéria, não é nova nesta Casa. Já em 1997, ementa da lavra do brilhante Juiz RICARDO SAMPAIO, sempre citado, por constituir precedente jurisprudencial que não se pode olvidar, soma-se às razões até aqui expostas ao repudiar discriminação por idade e determinar reintegração: “6019203 – REINTEGRAÇÃO – DESPEDIDA NULA – DISCRIMINAÇÃO POR IDADE – A `usual´ prática da reclamada de promover a despedida de funcionários por motivo de idade extrapola do poder potestativo do empregador e vai de encontro a parâmetros constitucionais refletidos nos artigos 5º, `caput´ e 7º, XXX – Sentença que se reforma para declarar a nulidade da despedida e determinar a reintegração no emprego (TRT 9ª R. – RO 16.633/95 – 2ª T. – Ac. 18.413/97 – Rel. Juiz Ricardo Sampaio – DJPR 18.07.1997)”.

Empresto, aqui, os emblemáticos fundamentos daquela decisão que reputou “retrocesso” a despedida por motivo de idade, porque “o arcabouço teleológico dos citados dispositivos constitucionais remete o intérprete a promover condições para o aprimoramento de uma sociedade mais justa, mais humana.”, em irrepreensível síntese das doutrinas até aqui expostas.

Todavia, embora merecedor de encômios aquele acórdão que, em ato de reconhecimento da excelência dos direitos reivindicados, determinara a reintegração por que a despedida afrontou o art. 5º, caput e art. 7º, inciso XXX, da Carta Suprema, dele parcialmente me afasto, valendo-me da dicção – adequada ou não, da Lei n. 9029, pelo que não se me afigura inobservância do inciso II do art. 5º do Texto Maior, entendendo deva ser determinada a readmissão dos empregados, pelo que já receberam indenização.

Isto porque sempre me posicionei contrariamente às reintegrações amplas que, quebrando a comutatividade contratual em face da ausência da prestação de serviços, podem acarretar locupletamento sem causa, para privilegiar o bem jurídico a ser efetivamente tutelado assegurando, o direito ao emprego, contemplado constitucionalmente, resguardando-se, porém, em face da natureza da ação proposta, o livre arbítrio de cada empregado, no particular.

Logo, impende seja determinada a readmissão no emprego de cada empregado despedido e nominado às fls. 37/48, nas mesmas funções e condições salariais, sob pena de multa de R$ 1.000,00, por dia, reversível ao FAT, não havendo, então, abatimento ou compensação de verbas já recebidas, conferindo-se à ré, após o trânsito em julgado, o prazo de trinta (30) dias para promover as readmissões aludidas.

ISTO POSTO, dou provimento parcial ao recurso ordinário na ação civil pública, proposta pelo M.P.T., para declarar a nulidade das demissões efetuadas e determinar a readmissão de todos os dispensados arrolados nesta ação, aos seus postos de trabalho, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00, reversível ao FAT, não havendo, então, abatimento ou compensação de verbas já recebidas, tudo nos termos da fundamentação. Custas pela ré, no importe de R$ 2.000,00, calculadas sobre R$ 100.000,00.

Pelo que, ACORDAM os Juízes da Primeira Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, por unanimidade de votos, EM NÃO ADMITIR A REMESSA DE OFÍCIO E O RECURSO VOLUNTÁRIO DA RÉ. Sem divergência de votos, EM ADMITIR O RECURSO DO AUTOR E DO ASSISTENTE E AS RESPECTIVAS CONTRA-RAZÕES. No mérito do recurso, sem divergência de votos, EM REJEITAR AS PRELIMINARES de nulidade processual e ilegitimidade ativa do Ministério Público do Trabalho. No mérito da causa, por maioria de votos, vencidos os Exmos.

Juízes Marco Antonio Vianna Mansur e Tobias de Macedo Filho, EM DAR PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO ORDINÁRIO na Ação Civil Pública, proposta pelo M.P.T., para declarar a nulidade das demissões efetuadas e determinar a readmissão dos empregados dispensados arrolados nesta ação, aos seus postos de trabalho, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00, reversível ao FAT, não havendo, então, abatimento ou compensação de verbas já recebidas, tudo nos termos da fundamentação.

Custas pela ré, no importe de R$ 2.000,00, calculadas sobre R$ 100.000,00.

Intimem-se.

Curitiba, 23 de outubro de 2001.

NACIF ALCURE NETO

PRESIDENTE

ROSEMARIE DIEDRICHS PIMPÃO

REDATORA DESIGNADA

Ciente: MARIANE JOSVIAK

PROCURADORA DO TRABALHO

lb/26 de outubro de 2001

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