Consciência Tecnológica

'O que, em verdade nos está a faltar é uma consciência tecnológica.'

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3 de dezembro de 2001, 13h18

O sol, entretanto, dissipou as nuvens e tanto aqueceu que começou a incomodar as senhoras. Voltando-se então negligentemente para o homem a quem ninguém que eu visse ainda tinha dirigido a palavra, a bela Fany perguntou-lhe se porventura não traria com ele uma tenda. Ele respondeu com uma profunda vênia, como se ela lhe tivesse prestado uma honra imerecida; meteu, entretanto, a mão na algibeira e dela retirou estacas, cordas, pregos e toldos, ou seja, tudo quanto era necessário para a construção do mais esplêndido dos pavilhões. Os cavalheiros mais jovens ajudaram a erguê-lo. Cobria toda a extensão do tapete. E, mais uma vez, ninguém viu no fato nada de extraordinário.

(Adalberto Von Chamisso, 1813)

I – Olhando para o invisível

Na virada dos séculos XIX/XX, quando surgiram o fonógrafo, o telégrafo, o rádio e o cinema, ao que nos consta, não surgiram – concomitantemente ou logo ao depois dessas revoluções tecnológicas – os direitos fonográficos, telegráficos, radiofônicos ou cinevisivos.

Naquela ocasião, nem nossas Casas Legiferantes nem nossas Casas de Justiça entraram em pânico em decorrência de uma virtual lacuna legis derivada daquelas novidades que a tecnologia propiciava. Tão pouco essas instituições começaram a questionar o surgimento de um “novo direito”, eis que o direito não pode ser novo em razão dos avanços tecnológicos de sua época. Quando surge um fato novo, já existe ao menos uma estrutura legal a permiti-lo, a suportá-lo e a regulá-lo na órbita do direito.

Tendo em vista essa perspectiva, temos que o invisível deve ser alvo de nossas mais profundas e obstinadas perquirições, eis que sem considerá-lo não teremos a noção de como aplicar a Lei já existente (e existente, via de regra, desde há muito…) aos fatos que estão à nossa frente e que não conseguimos ver. Themis talvez seja cega (“talvez” porque o fato de estar vendada não implica que o seja). Entretanto, uma coisa é certa: a justiça não pode ser cega. Ela tem que ser circunspecta – e para o ser deve ver os fatos, mesmo que a maioria não os veja. Por ser a justiça a expressão do equilíbrio entre realidade e idealidade, mister se faz pensar no intangível (ou invisível, ou imaterial) que permeia e cerca a realidade dos fatos.

Ver apenas o visível é pouco. Devemos alçar nossos olhos para o invisível. Como nos alerta Charles Howard Hinton, um inglês positivista e evolucionista do final do século XIX, não basta apenas ver o que se vê; o importante é que se veja a profundidade do que está sendo visto.

“Nada é mais indefinido – e ao mesmo tempo mais real – do que aquilo que indicamos quando falamos de algo ‘superior’. Em nossa vida social constatamos sua evidência numa grande complexidade de relações. Porém essa complexidade não é tudo. Existe, concomitantemente, um contato com uma apreensão de alguma coisa mais fundamental, mais real.

“À medida que o homem se desenvolve advém uma consciência de algo maior que as formas nas quais ele próprio se mostra. Há uma propensão para renunciar a todo o visível e a todo o tangível em troca daqueles princípios e valores sobre os quais o visível e o tangível são a representação. A vida física do homem civilizado e a de um selvagem são praticamente a mesma, só que o homem civilizado descobriu uma profundidade em sua existência, o que o fez ver que tudo aquilo que aparece para o selvagem nada mais é do que sua exteriorização e propriedade de seu verdadeiro ser” .

Não vemos a eletricidade assim como não vemos a honra ou o valor do dinheiro. Porém isso não impede que sejam sentidos, valorados e auferidos – ou que tenham sua existência constatada.

Economizando as letras: na evolução do Homem está intrínseco o seu crescente respeito por valores invisíveis, intangíveis e imateriais. Quanto mais evoluída a sociedade, mais esse valores se farão presentes.

Dizíamos que na virada dos séculos XIX/XX não tiveram vez grandes rebuliços entre os profissionais do direito. Entretanto, vez que a unanimidade nunca existe, rememoremos a questão do “furto de eletricidade”.

Conta-nos a História que, em 1896, foi preso um cidadão alemão sob a acusação de furto de energia elétrica.

Tenhamos em mente que, até aquela ocasião, essa matéria (furto de eletricidade) não houvera sido objeto de atenção dos legisladores teutônicos. Assim, se só coisa (res) podia ser furtada, o invisível (ou o intangível ou o imaterial) não poderia ser objeto da tipificação penal existente.

Deste modo ocorreu a absolvição porque a lei penal alemã não admitia – como ainda não admite – interpretação analógica em decorrência do princípio nullum crimen, nulla pona sine legem. Devido a essa decisão o Legislativo alemão promulgou nova Lei equiparando a utilização indevida de eletricidade ao furto de coisa móvel.


Para nós o Tribunal errou ao absolver o eletrizante gatuno acusado, uma vez que se valer de um artifício para fruir da eletricidade gerada por terceiros, sem a pagar, em tese, caracterizava estelionato na época do delito. Qual seja, havia uma figura penal que poderia ser utilizada.

Igualmente errou o Legislador alemão ao cunhar “novo” tipo penal, eis que já existia um “bom e velho” tipo penal que compreendia a infração em tela, bem como a punição para o agente.

Enfim, a anorexia judicante contagiou a morbidez legiferante que, por sua vez, contaminou o ordenamento jurídico – gestando e parindo um desnecessário placebo normativo.

Pena que os legisladores que vieram depois, em vez de aprenderem com os erros cometidos no passado, passaram a errar mais. E crassamente…

Pena também que a ponderação não imperasse ao nascer do novo milênio, pois, na contramão da prudência histórica, muitos profissionais brasileiros do direito pareciam entender que os alicerces de nossa civilização estavam abalados, que as borboletas voltavam para seus casulos e que os conventos se transformavam em prostíbulos. E tudo devido a essa tal Internet…

Mas…¿será que, realmente, a partir da instituição da rede das redes passamos a ter a necessidade de uma nova ordem jurídico-filosófica? ¿Será que aquela idealidade que convencionamos chamar de ciberespaço demanda, de fato, uma nova legislação como tantos e tantos estavam e estão a reclamar?

II – A compulsão legislativa

O excessivo número de projetos de Lei em trâmite perante o Congresso Nacional, no final do século passado, comprova que a legismania teve defensores com inegável competência no exercício de seus misteres. Entretanto, se por um lado havia inegável persistência para o andamento das propostas, o mesmo não pode ser dito sob a ótica da axiologia. Isso porque quando não pecavam por propor “nova” Lei onde já existia Lei a regular a matéria, pecavam por arranhar princípios basilares do direito.

Os tipos penais que muitos preconizavam impor legiferantemente já estavam presentes em nossos Códigos Penal e do Consumidor e em Leis esparsas, como diversos profissionais do direito, com propriedade e peremptoriamente, obtemperavam.

“Não há que se falar em novos tipos penais. Bens jurídicos, tais como a vida, patrimônio e outros, já são tutelados pelo Código Penal e por Leis Penais Especiais”.

“A legislação brasileira pode e vem sendo aplicada na maioria dos problemas relacionados à rede. Para questões específicas e controvertidas (…) existem projetos de lei em tramitação, os quais devem objetivar a complementação e adequação como princípios fundamentais, sob pena de uma inflação legislativa desnecessária”.

“Como de costume, diversos projetos de lei surgem prometendo soluções magníficas e milagrosas para os problemas sem solução do país. Em análise destes projetos, pode ser facilmente constatado um ponto em comum entre eles, que dizem respeito à falta de reflexão acerca do significado dos ‘fatos cibernéticos’ para o mundo jurídico”.

Seríamos estultos se sentenciássemos que tudo está pronto. Afinal, se nem ao menos o Universo está terminado, ¿o que dizer dos ordenamentos jurídicos do Planeta? Ajustes, obviamente, se fazem necessários, mas tão somente alguns pequenos ajustes e algumas poucas novas definições legais.

A normatização (ainda que através de Medida Provisória) da certificação e da assinatura digitais são um exemplo disso. Porém tanto a certificação quanto a assinatura digitais não são, na realidade e na essência, uma questão de direito, mas uma questão burocrática, administrativa, técnica… ¡não jurídica! Caso o Governo Federal se quedasse inerte e nada regulamentasse, certamente os próprios mercado e instituições notariais se encarregariam da questão – e a resolveriam.

(…)

IV – Legislando sobre o já legislado

Um bom exemplo do legiferar sobre o já legiferado é o artigo 9º do projeto de Lei nº 84/99, de autoria do deputado Luiz Piauhylino (por sinal um dos mais conhecidos projetos no sentido), que é uma réplica do artigo 43 – e seus parágrafos – do Código de Defesa do Consumidor. As observações que se seguem despontam o que asseveramos.

Caput. O artigo 43, párágrafo 3º, in fine, do CDC, dispõe que quando não houver solicitação da abertura de cadastro, esse fato deverá “ser comunicado por escrito ao consumidor”. Qual seja: essa é a regra. Os dados coletados por órgãos governamentais ou de utilidade pública, como os distribuidores forenses, os serviços de proteção ao crédito et terá são a exceção.

Relativamente à “ressalva”, ao final do caput do artigo 9º do projeto de Lei nº 84/99, tenhamos em mente que essa prerrogativa é constitucional, haja vista que “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem” (o Código Civil, por sua vez, também trata da matéria).


Parágrafo 1º. Ora… se “a coleta, o processamento e a distribuição de dados ficam sujeitas (sic) à prévia autorização da pessoa física ou jurídica a que se referem”, é pressuposto que a pessoa cadastrada tenha “conhecimento dos dados pessoais armazenados e das respectivas fontes”. Não concebemos outra hipótese para os obter que não fosse infracional. Além disso, o artigo 43, caput, do CDC já regula a questão.

Parágrafo 2º. No parágrafo 3º, do artigo 43, do CDC, está consignado que “o consumidor, sempre que encontrar inexatidão nos seus dados e cadastros, poderá exigir sua imediata correção, devendo o arquivista, no prazo de 5 (cinco) dias úteis, comunicar a alteração aos eventuais destinatários das informações incorretas”. Ou seja, por outra feita, a matéria se encontrava regulada – e de modo mais técnico e preciso.

Parágrafo 3º. Por outra feita a tautologia impera. A norma legal, seja qual for, sempre deixará de gerar seus efeitos quando alvo de outra “disposição legal ou determinação judicial em contrário”. O que excede o repetitivo redundante já se encontrava regulado pelo parágrafo 1º do artigo 43 do Código de Defesa do Consumidor.

Parágrafo 4º. Como nos casos anteriores, a matéria já se encontrava regulamentada – e de forma mais ampla – pelo CDC (in casu, o caput do artigo 43).

Outros artigos no corpo do referido projeto também tratavam de matéria já regulada pelo Código de Defesa do Consumidor ou regulavam matéria já tratada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente – isso quando não legislavam sobre crimes impossíveis.

(…)

VII – Direito à vida, à privacidade e à tranqüilidade

O direito à vida não se restringe, meramente, ao direito de estar vivo; é mais que o direito de termos o corpo – protegido e defendido pelo Estado. O direito à vida implica em termos protegidos, pelo Estado, a anima de seus valores invisíveis, pois o direito à vida extrapola a própria vida para ser o direito de fruir a vida, gozá-la.

E para que a desfrutemos precisamos, pelo menos em certos imprescindíveis momentos, de um lugar onde possamos exercitar aquilo que de mais profundo e secreto em nós existe. Este lugar se chama privacidade. Só com ela pode ser posta em prática a nossa vida. É conditio sine qua non. É um fator vital. É o aval constitucional de nossa cidadania.

Esse direito que dá mais color aos outros direitos do Homem – consagrado pelo artigo 12 (1) ” da Declaração Universal dos Direitos Humanos – está protegido por nossa Constituição Federal (artigo 5º, incisos X e XII).

O Código de Defesa do Consumidor, grosso modo, tutela a questão relativa a nossas informações em bancos de dados (artigo 43, por exemplo). Além disso estão resguardados os direitos difusos (artigos 6º, VI e VII, 81, § único, I, 106, VII, 110, 111 e 117, do CDC), coletivos (artigos 6º, VI e VII, 76, II, 81, 81, II, 106, VII, 110, 111 e 117, do CDC) e individuais homogêneos (artigo 81, § único, III, do CDC).

A Lei das Contravenções Penais igualmente protege nossa privacidade, eis que, em sendo esta invadida, configura-se um atentado à nossa tranqüilidade (artigo 65 da Lei das Contravenções Penais) (2)”.

Penalmente, de modo explícito, algumas situações relacionadas à nossa privacidade encontram proteção em nosso ordenamento penal, como exemplificam os tipos que dizem respeito às questões relativas à inviolabilidade de nossa casa (artigo 150, do CP) e de nossa correspondência (artigo 151, do CP), à divulgação de conteúdo de documento particular ou de correspondência confidencial (artigo 153, do CP) e à revelação de segredo, por parte de quem tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão (artigo 154, do CP).

De modo implícito, outras condutas ilícitas também já se encontram tipificadas. O spamming, por exemplo, pode ser enquadrado como crime de atentado contra a segurança ou o funcionamento de serviço de utilidade pública. Pode, outrossim, enquadrar-se em outros tipos penais (estelionato e constrangimento ilegal entre outros).

Nossa privacidade foi, outrossim, objeto de proteção do projeto em andamento do Código Penal de 1969. O caput de seu artigo 161, atemporal e alocalmente, rezava o seguinte:

Violar, mediante processo técnico, o direito à intimidade da vida privada ou direito ao resguardo das palavras ou discursos que não forem pronunciados publicamente.

Ao depois, com o anteprojeto de reforma da Parte Especial, esse artigo foi alterado no corpo e no número.

“Art. 157. Violar, mediante processo técnico ou qualquer outro meio, o resguardo sobre fato, imagem, escrito ou palavra que alguém queira manter na esfera da vida privada:

“Pena – detenção, de três meses a um ano.


“Crimes assemelhados à violação da intimidade”

“Parágrafo único. Na mesma pena incorre quem indevidamente propala ou divulga imagem, escrito, palavra ou fato, ainda que deles tenha participado.” (3)

Como já dissemos, o que mais nos inquieta não é a necessidade ou não de uma nova legislação pertinente à defesa de nossa privacidade e à punição dos virtuais invasores. O que mais nos inquieta é o fato de parecer inexistir, diretamente, qualquer interesse social na questão relativa à privacidade.

Bem agiu José Laércio Araújo ao ponderar que “a sedimentação do direito à honra, que repele as falsas imputações de fatos ou de qualidades pessoais desabonadoras, parece ter incutido no inconsciente das pessoas não ser contrário ao direito a divulgação de aspectos verdadeiros de nossa existência, ainda que concernentes à esfera mais íntima e reservada”. (4)

A evasão de privacidade é aceita normalmente. O lilliputiano número de ações na Justiça debatendo a matéria em nossos Tribunais, no começo no novo Milênio, é a prova eloqüente do asseverado.

VIII – A necessidade de uma consciência tecnológica

Como conclama Antonio-Enrique Pérez Luño, devemos atentar para nova consciência tecnológica, não para um novo campo do direito.

“La conyuntura presente reclama de los juristas, los filósofos y los teóricos del Derecho una ‘consciência tecnológica’ término acuñado por Vittorio Frosini para apelar a una actitud reflexiva crítica y responsable ante los nuevos problemas que, en las diversas esferas del acontecer social suscita la tecnologia, y ante los que ni el Derecho, ni quienes lo aplican o lo estudian pueden permanecer insensibles. Esa exigencia complica sobremanera la labor de los operadores jurídicos y los teóricos del Derecho, porque les obliga a ampliar em angosto horizonte de las autorreferencias normativas, con la apertura hacia los estímulos de la ciencia y la tecnologia. Peros sólo mostrando sensibilidad a esa exigencia la Teoria del Derecho será capaz de responder a los retos de la sociedad tecnológica actual; lo que es tanto como decir que solo em virtud de esa ‘consciencia tecnológica’ la Teoria del Derecho tiene sentido” (5)

Essa consciência tecnológica sempre se fez presente nas mentes de profissionais do direito mais atentos às parafernálias de seus tempos. Vale a pena rememorar uma história.

Na época da Lei Seca, em Washington, quando Al Capone explorava slot machines (6) (notadamente o papa-nínquel (7) ), o jogo de azar foi proibido nos Estados Unidos da América nortista. Como corolário, esses aparatti de entretenimento foram considerados ilegais porque, segundo o entendimento da mais alta Corte Judiciária dos EUAN, era jogo de azar “o pagamento do certo pelo incerto” ¿Como contornar esse impedimento legal? Somente com uma consciência tecnológica.

E consciência tecnológica não era o que faltava aos advogados daquele gangster. Esses lhe sugeriram que acoplasse aos papa-níqueis uma slot machine que vendesse guloseimas. Os doces seriam vendido por um preço muito superior ao de mercado (à proporção de cem vezes). Todavia aqueles que os “comprassem” poderiam jogar, “como brinde”, no papa-níquel, até cem vezes… Com esse artifício foram contornados os óbices legais, desvanecendo-se a ilicitude do ato, haja vista que o jogador não pagava “o certo pelo incerto”, mas “o certo pelo certo” – e o certo era o doce. Quanto a ser caro, ou não, o preço do doce, é um’outra questão…

Enfim, a solução, para o caso in concretum, adveio da consciência tecnológica dos advogados de Al Capone.

Como vemos, um corpo de leis próprias e específicas para a Internet é desnecessário, haja vista que a legislação que dispomos (Códigos e Leis esparsas) é, basicamente, suficiente para solucionar os problemas decorrentes da Internet.

Impõe-se, isso sim, que cada vez mais nos familiarizemos com os softwares e hardwares que estão a nosso redor e que estruturam nosso dia a dia. Só assim, com uma maior intimidade com a tecnologia, será possível a adequação da realidade à idealidade que autoriza o fazimento do direito.

Leis a nós não faltam. ¡Habemus legis! O que, em verdade nos está a faltar é uma consciência tecnológica.

IX – Velejando para Brobdingnag

Talvez seja hora de volvermos nossos olhos para as Viagens de Gulliver (8) e fruirmos os desafios que seu autor, Jonathan Swift, faz a nossas sinapses quando questiona intrigantes concepções de modelos para u’a sociedade alternativa. Num desses reptos, ele apologiza quanto a necessidade de a Lei ser compreendida pelo Homem comum e não apenas pela cabala (9) jurídica formada pelos profissionais do Direito.

Conta-nos ele, por exemplo, que em Brobdingnag, a Terra dos Gigantes, existia uma peculiar forma para a feitura das Leis: elas não deveriam “exceder em palavras o número de letras do seu alfabeto”.

“Nenhuma lei nesse país deve exceder em palavras o número de letras do seu alfabeto, que são apenas vinte e duas. Em realidade, contudo, poucas chegam a tanto. São expressas nos termos mais claros e simples, de modo de a gente não suficientemente perspicaz não descobrir mais de uma interpretação: e escrever um comentário sobre uma lei é crime capital. Pelo que toca à decisão das causas cíveis, ou aos processos contra os criminosos, são tão poucos os precedentes, que lhes falecem razões para se gabarem de qualquer habilidade nesse particular (10) .

Obviamente não propomos tão drástica redução. Porém no que tange à ampliação de nosso ordenamento legislativo (grande e desordenado), somos radicalmente contra.

Em vez de pensarmos em mudanças que propiciem acréscimos, devemos pensar em mudanças que impliquem em reduções. Paradoxalmente, reduzir faz a idéia evoluir, crescer. Quando Nikola Tesla inventou o motor de corrente alternada, nada mais fez do que montar um motor de corrente contínua incompleto, com menos peças – ¡e revolucionariamente mais eficiente! (11)

¿Por que não fazermos o mesmo com as leis? ¿Por que não tirarmos suas excrescências e ampliarmos suas compreensão e eficiência? ¿Por que não nos descartamos do desnecessário? ¿Por que não agirmos como escultores que, com perseverança e precisão, valendo-se apenas de martelos e cinzéis tiram os excessos da pedra bruta para descortinarem a estátua que ela esconde?

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