Lixo eletrônico

Advogada defende uso de CDC para combater spams na Web

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28 de agosto de 2001, 12h43

O expressivo crescimento da rede mundial de computadores, a Internet, tem levado os estudiosos do Direito a se debruçarem sobre novas questões que surgem com a mesma velocidade em que se navega pelo world wide web.

Atualmente, está se tornando comum no ambiente virtual uma prática extremamente preocupante, posto que, conforme dados fornecidos pela Associação Brasileira de Provedores de Acesso, Serviços e Informações na Internet do Rio (Abranet), propicia um prejuízo mensal no montante de R$ 90.000.000,00 (noventa milhões de Reais) por mês.

Estamos falando do spam, ou lixo eletrônico, que pode ser definido como todo tipo de correspondência eletrônica indesejada, e-mails que circulam na Internet e não despertam o menor interesse naqueles que o recebem.

O usuário, que está pagando pelo serviço de acesso à Internet, vê-se obrigado a perder tempo recebendo, abrindo, lendo e deletando mensagens contendo propagandas de serviços ou produtos que não solicitou. Também o provedor de acesso, um prestador de serviços, muitas vezes incorre em enormes prejuízos devido às invasões spammer, já que despendem incontáveis horas para conseguir sobrestar a distribuição dos spams a seus clientes, muitas vezes tendo que paralisar temporariamente suas atividades.

Assim, em conseqüência da facilidade de utilização e da ausência de custo, um único spam tem milhares de destinatários, causando um verdadeiro tumulto na rede, sem que ninguém tenha solicitado tais serviços ou produtos que são oferecidos através destas propagandas indesejadas.

Ocorre que, vigendo no Brasil desde 1990, existe o Código de Defesa do Consumidor, que estabelece normas de proteção e defesa dos consumidores e, nas palavras dos próprios autores do Anteprojeto de Lei:

“Almeja-se uma proteção integral, sistemática e dinâmica. E tal requer o regramento de todos os aspectos da relação de consumo, sejam aqueles pertinentes aos próprios produtos e serviços, sejam outros que se manifestem como verdadeiros instrumentos fundamentais para a produção e circulação destes mesmos bens: o crédito e o marketing.” (Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do Anteprojeto, Forense Universitária, 1997).

Visando, justamente, coibir atitudes que coloquem o consumidor em desvantagem, o Código de Defesa do Consumidor elenca, nos doze incisos do artigo 39, as práticas que considera abusivas, ou seja, aquelas condutas que causam prejuízos aos consumidores e que, portanto, devem ser combatidas.

Especificamente o inciso III do artigo 39 do Código estabelece ser vedado ao fornecedor de produtos e serviços, dentre outras práticas abusivas, enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço.

Um exemplo, de conhecimento de todos, é o dos cartões de crédito. As administradoras de cartões costumam enviar, para toda uma lista de pessoas, cartões de crédito que não foram solicitados. O consumidor um dia se depara com aquele cartão que não solicitou e, para cancelá-lo, precisa perder horas ao telefone, entrando em contato com a administradora para informá-la que não possui interesse naquele cartão. Neste momento ainda é compelido a escutar a atendente discursar sobre as infindáveis vantagens que o cartão oferece. Assim, o consumidor está, visivelmente, em situação de desvantagem.

É exatamente este tipo de conduta que o CDC busca reprimir. E podemos facilmente traçar um paralelo entre a prática narrada acima e a conduta reprovável dos spammers.

O spam nada mais é do que o envio ao usuário (consumidor) de propagandas de serviços ou produtos, oferecendo uma gama de vantagens para o caso de uma efetiva contratação ou utilização, sem que tenha sido solicitado, ou seja, o usuário da Internet não solicita, não fornece seu endereço virtual, e, mesmo assim, recebe em sua caixa de correio eletrônico verdadeiros “convites” a aderir aos mais variados planos, produtos, grupos, jogos, serviços, etc. Então, após receber suas mensagens, o usuário perderá um bom tempo selecionando, lendo e deletando aquelas indesejadas.

Portanto, o fundamento das duas condutas é o mesmo, isto é, o fornecedor visa compelir o consumidor a contratar com ele, impondo o bem, introduzindo-o na vida do consumidor, sem solicitação deste, e criando uma série de, por um lado, vantagens na adesão (para atraí-lo) e, por outro, ônus para que dele se desfaça (para mantê-lo).

É forçoso concluir que o consumidor não pode ficar exposto a tais abusos, sem que sejam punidos aqueles que se valem destes artifícios. A conduta dos spammers é atentatória contra os direitos do consumidor e, como tal, deve ser repelida.

Os próprios autores do Anteprojeto de Lei que deu origem ao Código de Defesa do Consumidor, explicam:

“Prática abusiva no Código é apenas aquela que, de modo direto, e no sentido vertical da relação de consumo (do fornecedor ao consumidor), afeta o bem-estar do consumidor.”

“As práticas abusivas nem sempre se mostram como atividades enganosas. Muitas vezes, apesar de não ferirem o requisito da veracidade, carreiam alta dose de imoralidade econômica e de opressão.”

É inegável que o spam oprime o consumidor, afinal, ele recebe, de um fornecedor para o qual ele nunca deu seu endereço virtual, um e-mail que se mostra totalmente irrelevante e dispensável, uma vez que não possui interesse naquilo que está sendo veiculado, mas que lhe causa uma enorme dor de cabeça diária para se ver livre de tanto lixo na sua caixa de correio eletrônico.

O espírito do Código de Defesa do Consumidor é proteger este último em sentido amplo. Assim, as práticas abusivas elencadas em seu texto não são exaustivas, mas sim, exemplificativas, podendo, toda e qualquer outra conduta, ainda que não prevista expressamente no texto legal, ser considerada como prática abusiva e enquadrada dentro da sistemática do Código, como os autores do Anteprojeto esclarecem:

“Não podia o legislador, de fato, listar, à exaustão, as práticas abusivas. O mercado de consumo é de extremada velocidade e as mutações ocorrem da noite para o dia. Por isso mesmo é que buscamos, no seio da Comissão, deixar bem claro que a lista do art. 39 era meramente exemplificativa, uma simples orientação ao intérprete.”

Aqueles que enviam spams podem sofrer sanções de diversas naturezas. Administrativamente podem, por exemplo, ter suas licenças cassadas, ter suas atividades suspensas ou até mesmo interrompidas, entre outras penalidades. Na esfera civil a conduta abusiva gera o dever de reparar, cabendo, sempre, indenização pelos danos causados, inclusive os morais, na forma do artigo 6º, VII, do CDC. Pode ainda o juiz, com fulcro no artigo 84 do Código, determinar a abstenção da conduta, sob a força de preceito cominatório.

Concluímos que os avanços tecnológicos vêem trazendo inúmeras situações, para as quais temos o desafio de encontrar as soluções. O spam é uma nova realidade, sobre a qual ainda há poucos estudos jurídicos. Quer nos parecer, conforme se depreende de todo o exposto acima, que o caminho mais acertado é o de considerarmos tal conduta como sendo uma prática abusiva contra o usuário. Portanto, deve ser combatida e reprimida nos exatos termos previstos pelo Código de Defesa do Consumidor, para que, com o tempo, não seja mais praticada.

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