Luiz Francisco se defende

Continuação da réplica de Luiz Francisco

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25 de agosto de 2001, 8h28

Deve ser entendido que o direito à intimidade não é como há pouco dizíamos, absoluto, devendo ceder diante de interesses públicos, social e da justiça. Ora, a justiça não tem apenas um prato, mas dois. Em um deles estão os direitos individuais; mas, no outro, estão os não menos importantes direitos sociais e coletivos. O interesse da justiça assenta-se, sobretudo na realização do interesse social, da coletividade.”

HABEAS CORPUS N. 75.338-8 RIO DE JANEIRO

VOTO

“O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE: Sr. Presidente, ao que colhi da exposição do eminente Relator, trata-se de decidir sobre a idoneidade, à luz da Constituição e das garantias individuais em geral, da utilização, como base de uma denúncia por exploração de prestígio (mais adequadamente por tráfico de influência – art. 332 do C. Penal – pois se tinha em vista processo administrativo e não jurisdicional) de um Juiz de Direito em relação a um serventuário da justiça, propondo-se a influir no Corregedor, a propósito de um processo disciplinar a que respondia o tabelião. Indaga-se, repito, da idoneidade da gravação, por um dos interlocutores, no caso o tabelião, das conversas em que se teria materializado essa proposta de tráfico de influência.

Volta à Mesa uma questão que tem sido aventada diversas vezes no Plenário e nas Turmas: o da compreensão, ou não, no art. 5.º, XII, da Constituição Federal, relativo ao sigilo de correspondência e, por extensão, ao sigilo das comunicações telefônicas, das gravações de conversa telefônica por um dos interlocutores.

De minha parte, diversas vezes, entre elas na Ação Penal 307, deixei claro que, com todas as vênias dos que pensam em contrário, a gravação por um dos interlocutores da conversa mantida com outrem nada tem a ver com o art. 5º, XII, que protege o sigilo de comunicações telefônicas, assim como protege o sigilo e correspondência escrita na troca de cartas.

A meu ver, o problema há de ser enfrentado – fazendo abstração da

inovação tecnológica da telecomunicação – de acordo com os mesmos princípios da carta missiva, objeto do art. 33 da Lei 5.988/73, chamada “Lei dos Direitos Autorais”, diz:

“Art. 33. As cartas missivas não podem ser publicadas sem permissão

do autor, mas podem ser juntadas como documento, em autos oficiais.”

O art. 5.º, XII – creio desnecessário demonstrá-lo e já o fez, aliás, há pouco, o Ministro Carlos Velloso -, protege os interlocutores da ciência, por terceiro, “à sorrelfa”, mediante chamada interceptação telefônica, do que entre os dois se conversou. Nada mais do que isso. Ali não se contém proibição alguma de que um dos interlocutores faça prova da conversa de que participou: então o que pode incidir é outro tipo de proibição – por exemplo, e aí o único reparo a fazer ao voto anterior – não apenas de ordem moral, mas – o eminente Ministro-Relator já o lembrara de ordem jurídica, como os decorrentes dos deveres explícitos de sigilo que atingir a gravação, não por ter sido gravada, e sim por ter sido revelada a outrem: é o caso do advogado, do médico, do confessor.

E até em outras relações não explicitamente protegidas com a obrigação legal do sigilo, quando se possa invocar, na sua gravação, traição a deveres nascidos da esfera da intimidade em que se tenha passado: aí vem à tona outra garantia individual; a que protege a intimidade e impõe reserva a todos que dela participem.

Outras questões podem surgir. Aventei-a, “en passant”, no HC 69.818, em que um policial, eventualmente amigo de um suspeito, sob promessa de mantê-las em confidência, obtém deste suspeito revelações contra si mesmo e contra terceiros. Aí, sim, se põe, em relação àquele que confiante revela fatos incriminatórios contra si mesmo, a garantia constitucional contra a auto-incriminação (art. 5º, LXIII).

Nada disso está em causa neste caso. Não se argúi relação de intimidade, sequer relação de confiança entre os interlocutores mas uma mera conversação entre o autor de uma proposta de tráfico ou influência e o destinatário dessa proposta.”

96. Na Ação Penal nº 307-DF, Tribunal Pleno, relator Ministro Ilmar Galvão, ao proferir voto sobre preliminar de ilicitude das provas, o Ministro Sepúlveda Pertence citou voto do Ministro Francisco Rezek, proferido no Inquérito nº 657, nos seguintes termos “Primeiro, quanto à prova ilícita: tal como ponderou o Ministro relator, dificilmente se encontraria na ordem jurídica reinante algo que nos autorizasse a ver como ilícita essa gravação de uma conversa a dois, por um dos interlocutores.

É a ação de terceiro, é a interferência do terceiro – no grampeamento telefônico, na violação de correspondência alheia – que fere determinadas normas expressas na própria Carta da República. Quando, entretanto, um dos participantes da comunicação oral ou escrita entende de documentá-la de algum modo, ainda que na inconsciência da outra parte, isso não configura, em princípio, afronta à regra protetiva do sigilo.”

97. Prosseguindo em seu voto, asseverou o Ministro Pertence:

“Não é o simples fato de a conversa se passar entre duas pessoas que dá, ao diálogo, a nota de intimidade, a confiabilidade na discrição do interlocutor, a favor da qual, aí sim, caberia invocar o princípio

constitucional da inviolabilidade do círculo de intimidade, assim como da vida privada”.

98. No caso presente, tal qual nos precedentes citados, também não havia qualquer relação de confiança ou de intimidade entre os interlocutores. Isto porque, tratava-se de uma conversa entre autoridades públicas, no recinto de um órgão público, versando sobre assuntos que se presume ser do interesse público e sobre os quais não incidia qualquer dever legal de sigilo.

Assim, não se pode dizer que a gravação da conversa, ainda que sem o conhecimento de um dos interlocutores, tenha violado qualquer princípio estabelecido na Constituição Federal. Conseqüentemente, nada impedia que, validamente, sem ferir o dever de sigilo, um dos interlocutores a divulgasse.

CONCLUSÃO

99. Por todo o exposto, conclui-se que:

a denúncia é inepta porque não descreve os fatos divulgados e que deveriam ser mantidos sob sigilo; não indica que trechos da conversa seriam parte de ação formal de investigação do Ministério Público; não diz quem seria o investigado cuja imagem precisava ser resguardada; sequer junta aos autos o corpo de delito, a saber, exemplar da revista onde foram publicados os fatos supostamente sigilosos;

b) a conduta é atípica porque os assuntos tratados na reunião cujo conteúdo a conversa teria sido divulgado não são daqueles a que a lei impõe o dever e sigilo; não havia interesse público que justificasse serem mantidos em segredo; não havia ordem superior determinando a observância de sigilo nem faz parte do costume do Ministério Público Federal impor o sigilo sobre qualquer fato que chegue ao conhecimento de seus membros e que mereçam ser investigados, salvo quando a lei assim o determine;

c) a denúncia não especifica como o interesse público tenha sofrido dano efetivo, imputável à conduta do denunciado;

d) não há lei impondo a toda e qualquer investigação conduzida pelo ministério Público o dever de mantê-la sob sigilo;

e) a gravação de uma conversa mantida no recinto de um órgão público, entre autoridades públicas, ainda que sem o conhecimento de um dos interlocutores, não viola qualquer princípio estabelecido na Constituição Federal, consoante a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

100. Tais as circunstâncias, pede e espera o denunciado a rejeição da denúncia.

Pede deferimento.

Brasília, 20 de agosto de 2001.

José Leovegildo Oliveira Morais

OAB/DF 16.484

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