Defesa

Luiz Francisco apresenta sua defesa

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24 de agosto de 2001, 17h45

Ao divulgar o teor de conversa com o ex-senador Antônio Carlos Magalhães, da qual participaram outros procuradores, Luiz Francisco de Souza não cometeu crime. Cumpriu um dever.

Esse é o raciocínio básico da defesa do procurador apresentada ao Tribunal Regional Federal de Brasília, em que se pede a rejeição da denúncia oferecida por outros procuradores contrariados com a atitude de Luiz Francisco.

Quem advoga por ele é o procurador regional da República aposentado, José Leovegildo Oliveira Moraes que se prontificou a defender o colega da acusação de crime de violação de sigilo funcional.

Segundo Leovegildo, não havia interesse público que justificasse segredo, ordem superior determinando a observância de sigilo e também "não faz parte do costume do Ministério Público Federal impor o sigilo sobre qualquer fato que chegue ao conhecimento de seus membros e que mereçam ser investigados, salvo quando a lei assim o determine".

A defesa invoca também o fato de que a denúncia não especifica como o interesse público tenha sofrido dano efetivo, que se possa atribuir a Luiz Francisco.

"A gravação de uma conversa mantida no recinto de um órgão público, entre autoridades públicas, ainda que sem o conhecimento de um dos interlocutores, não viola qualquer princípio estabelecido na Constituição Federal, consoante a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal", conclui Leovegildo.

Veja a íntegra da defesa:

EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ CATÃO ALVES, EMINENTE RELATOR, NO EGRÉGIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO, DA DENÚNCIA N.º 2001.01.00.032076-1/DF

Luiz Francisco FERNANDES de Souza, Procurador da República, por seu advogado que subscreve a presente, vem respeitosamente à presença de Vossa Excelência responder, no prazo legal, à denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal.

FATOS NARRADOS NA DENÚNCIA

1. O denunciado é acusado de haver cometido crime de violação de sigilo funcional, tipificado no art. 325 do Código Penal, em razão dos seguintes fatos narrados na denúncia:

"Consta do incluso procedimento administrativo que, a convite do Procurador da República GUILHERME ZANINA SCHELB, compareceu às 12:30h, do dia 19 de fevereiro de 2001, à Procuradoria da República no Distrito Federal o Senador ANTÔNIO CARLOS MAGALHÃES para participar de uma reunião, da qual participaram também os Procuradores da República GUILHERME SCHELB, LUIZ FRANCISCO FERNANDES DE SOUZA, ELIANA PERES TORELLY DE CARVALHO e o assessor do Senador, FERNANDO CÉSAR MESQUITA.

A reunião, de caráter reservado, realizou-se no Gabinete da Procuradora ELIANA TORELLY, tendo havido prévio acerto entre os Procuradores de manter sob sigilo os assuntos ali tratados. Neste sentido, as palavras textuais do Procurador GUILHERME SCHELB: "(…) e essa foi a expressão que eu utilizei para a Dra. Eliana e para o Dr. Luiz Francisco: que nada sairia daquela sala e, por vários motivos", fls. 320. Aliás, no expediente que remeteu ao Corregedor-Geral, o Procurador LUIZ FRANCISCO afirma que "(…) havia certo consenso que era importante usar as informações sem divulgá-las", fls. 66.

Entretanto, antes da realização da reunião o Procurador LUIZ FRANCISCO telefonou para o chefe de redação da revista ISTO É, o Senhor TALES FARIA informando sobre o fato, o qual lhe pedira que gravasse e para isso, o jornalista MINO PEDROSA entregou ao referido Procurador um gravador e enviou ao local os repórteres fotográficos da revista, ANDRÉ DUSEK e RICARDO STUCKERT, com a finalidade de fotografar o Senador ANTÔNIO CARLOS MAGALHÃES e certificar a sua presença na Procuradoria da República, fls. 231.

Por iniciativa do Procurador LUIZ FRANCISCO, os diálogos da reunião foram gravados e disso tinham conhecimento os Procuradores GUILHERME SCHELB e ELIANA TORELLY, fato, entretanto, ocultado dos demais participantes da reunião, fls. 232.

Ao término da reunião, na presença dos Procuradores GUILHERME

SCHELB, ELIANA TORELLY e do Procurador OSWALDO BARBOSA, o Procurador LUIZ FRANCISCO retirou do bolso do seu paletó um gravador e disse aos presentes que gravara a conversa. Retrocedeu a fita, tocou o play e colocou no ouvido de cada um deles, os quais nada ouviram a não ser ruído, tendo o Procurador LUIZ FRANCISCO comunicado que ”não prestou", "ficou inaudível". Nesta ocasião o Procurador GUILHERME SCHELB voltou a fazer a seguinte advertência: "com fita ou sem fita, nada sai dessa sala por que foi uma reunião reservada, tendo em vista os diversos assuntos que foram tratados nela", fls. 260.


O principal assunto tratado naquela reunião foram (sic) denúncias de

atos de improbidade, de enriquecimento ilícito de administradores públicos feitas pelo Senador ANTÔNIO CARLOS MAGALHÃES, tais como fraudes no Banco Central do Brasil, fraude em licitações no Estado do Tocantins, caso Eduardo Jorge, caso Jader Barbalho e acesso a votações secretas do Senado Federal (painel eletrônico do Senado Federal).

Conforme se pode extrair do depoimento prestado pelo jornalista ANDREI MEIRELES, perante o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar do Senado Federal, no final da manhã de quarta-feira, dia 21 de fevereiro último, reuniram-se na empresa de um amigo do jornalista ANDREI MEIRELES, (ele ANDREI), o jornalista MINO PEDROSA e o Procurador da República LUIZ FRANCISCO FERNANDES DE SOUZA, para ouvirem as fitas gravadas em um áudio de maior tamanho. Durante duas horas transcreveram as gravações sendo auxiliados pelo Procurador que lhes esclarecia dúvidas acerca dos diálogos, fls. 225, 231 e 27. Consta ainda às fls. 15, ofício do Diretor de redação da revista ISTO É, informando que os autores da reportagem "Abaixo da Cintura" publicada na edição de 22/2/2001, tiveram acesso ao conteúdo das gravações. Aliás, o Procurador LUIZ FRANCISCO FERNANDES DE SOUZA, assumiu publicamente a autoria da divulgação à imprensa dos diálogos da reunião, fls. 251, 260, 260, 277, 313 e 314.

Dias após esse fato, a revista ISTO É veiculou em sua edição do dia 22.02.2001, páginas 24 a 30, diálogos mantidos naquela reunião ganhando grande repercussão na imprensa, fato que acarretou desentendimento entre o Procurador LUIZ FRANCISCO e os Procuradores GUILHERME SCHELB e ELIANA TORELLY, os quais emitiram nota pública de repúdio a divulgação daqueles fatos.

Ao divulgar aos jornalistas diálogos da reunião, o denunciado revelou, indevidamente, fato juridicamente relevante, já que se tratavam de informações sobre supostos atos de improbidade administrativa, de enriquecimento ilícito de administradores públicos, com vislumbre, em tese,de crimes funcionais.

O destinatário dessas denúncias é o órgão ministerial, titular da ação penal pública e co-legitimado para a ação civil de improbidade, o que importa em dizer que o denunciado TEVE CIÊNCIA DOS FATOS EM RAZÃO DO CARGO. Tomando conhecimento da suposta ocorrência de atos de improbidade impunha-se-lhe o dever de ofício de promover a apuração dos fatos noticiados, pois, é função institucional do Ministério Público Federal a defesa do patrimônio público.

Estando sujeitos a investigação, esses fatos deveriam ser mantidos sob reserva, pelo menos temporariamente, ou seja, enquanto não se concluíssem as investigações. O sigilo é inerente a qualquer atividade investigatória, assim exigido pelo interesse público que a preside, quer como garantia de êxito das investigações ou em resguardo da imagem do investigado. (…)

Dos fatos narrados se concluiu que a conduta do Procurador LUIZ FRANCISCO FERNANDES DE SOUZA se subsume no tipo do art. 325 do Código Penal, razão por que, requer o Ministério Público Federal seja o acusado notificado, nos termos do art. 4.º da Lei n.º 8038/90, c/c Lei n.º 8658/93 e a seguir recebida a presente denúncia, citando-se o acusado para o interrogatório e demais atos do processo". (grifou-se).

INÉPCIA DA DENÚNCIA – FALTA DE INDICAÇÃO DO FATO DIVULGADO E QUE DEVERIA SER MANTIDO EM SEGREDO.

2. O crime tipificado no art. 325 do Código Penal é o de "revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação."

3. Para que se possa saber se determinada conduta enquadra-se nesse tipo penal é necessário conhecer, primeiro, o FATO que foi revelado ou cuja revelação foi facilitada. Somente conhecendo-se o FATO em causa é que se pode analisar se ele deveria permanecer em segredo ou não.

4. A denúncia não aponta qual o fato ou fatos que foram revelados pelo denunciado e que deveriam permanecer em segredo. Limita-se a afirmar que "os diálogos" mantidos pelo denunciado, juntamente com os seus colegas GUILHERME SCHELB e ELIANA TORELLY, com o ex-Senador ANTÔNIO CARLOS MAGALHÃES e seu assessor FERNANDO CÉSAR MESQUITA, foram divulgados. Mas que fatos desses diálogos são relevantes para a configuração da imputação penal? Referiam-se a quê?


5. O tipo penal do art. 325 do CP não impõe o dever de sigilo a qualquer fato que chegue ao conhecimento do funcionário público em razão do cargo. Exige, para sua configuração, que se trate de fato que deva permanecer em segredo.

6. Sem indicação, na denúncia, do fato divulgado, torna-se impossível saber se se trata de fato que deveria permanecer em segredo ou não. Tal omissão importa em impossibilitar o exercício do amplo direito de defesa assegurado na Constituição Federal, porque o acusado não pode se defender do que não está descrito na denúncia e que ficou apenas na imaginação do subscritor da peça acusatória.

7. No caso em exame, em que a denúncia afirma que "diálogos" foram divulgados, é de suma importância que tais diálogos estivessem nela descritos, a fim de que se pudesse conhecê-los e aquilatar se possuem relevância jurídica suficiente a justificar o dever de sigilo. Mesmo porque, conforme já decidiu o Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, o tipo penal de violação de sigilo funcional "Não incrimina a simples indiscrição ou indesejável bisbilhotice, nem tutela interesses fúteis, carecedores de relevância jurídica" (TACRIM-SP – Rec. – Rel. Dante Busana – Bol. AASP 1300/273. Novembro/83).

8. É certo que a denúncia menciona que "o principal assunto tratado na reunião foram: atos de improbidade administrativa e enriquecimento ilícito de administradores públicos, fraudes no Banco Central do Brasil, fraude em licitações no Estado do Tocantins, caso Eduardo Jorge, caso Jader Barbalho e acesso a votações secretas do Senado."

9. Todavia, tais assuntos, da forma genérica como estão mencionados, não permite que se saiba especificamente em que consistiu cada um deles. Ou seja, que fraudes no Bacen ou em licitações no Estado do Tocantins teriam sido reveladas pelo ex-Senador ACM? O que se falou sobre os casos Eduardo Jorge e Jader Barbalho? E o que teria dito o então Senador sobre o "acesso a votações secretas do Senado"?

10. Teria o ex-Senador mencionado algum fato concreto ou apresentado algum documento ou, ainda, feito alguma declaração assinada sobre tais assuntos, ou teria feito apenas referências genéricas a eles ou insinuações maldosas sobre certas pessoas? Como se pode aquilatar da relevância jurídica dos comentários do ex-Senador se a denuncia não nos dá a conhecê-los?

E mais, como saber se os assuntos tratados na reunião chegaram, todos eles, ao conhecimento dos jornalistas ANDREI MEIRELES e MINO PEDROSA, por intermédio do Procurador LUIZ FRANCISCO, haja vista que, como narrado na peça acusatória, a gravação estava inaudível?

11. Ressalte-se que a denúncia afirma que os jornalistas ANDREI MEIRELES e MINO PEDROSA, "durante duas horas transcreveram as gravações sendo auxiliados pelo Procurador que lhes esclarecia dúvidas".

12. Ou seja, as fitas estavam inaudíveis, tanto que os jornalistas que as ouviram precisaram de "um áudio de maior tamanho" e do auxílio do denunciado "que lhes esclarecia as dúvidas dos diálogos". Então cabe questionar: qual o grau de audição dessa fita? Do que os referidos jornalistas, efetivamente, tomaram conhecimento com base nelas?

13. Ademais, a não indicação dos fatos que teriam sido divulgados pelo denunciado impede que se faça o cotejamento deles com os que já se tinham tornado do conhecimento de outras pessoas e da imprensa, divulgados por não se sabe quem. Isso porque, o jornal "Valor Econômico", edição do dia 21.2.2001 (quarta-feira), doc. anexo, divulgara informação de que teria chegado ao conhecimento do Presidente Fernando Henrique Cardoso que o Senador Antônio Carlos Magalhães havia entregue aos Procuradores informações sobre sigilo telefônico de Eduardo Jorge.

E mais, que o Senador teria dito aos Procuradores que teria "salvado" Eduardo Jorge de uma CPI, a pedido do próprio Fernando Henrique. Confira-se o seguinte trecho da reportagem veiculada com o título ‘ACM ameaça FHC com Eduardo Jorge": "O presidente Fernando Henrique Cardoso desistiu definitivamente de uma recomposição com o senador Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA), quando soube, na noite de anteontem, que o ex-presidente do Senado disse a quatro procuradores da República que possuía documentos comprometedores contra o ex-ministro Eduardo Jorge Caldas Pereira."


14. Isso significa que, na noite do mesmo dia em que o ex-Senador reunira-se com os Procuradores da República, ou seja, na segunda-feira, dia 19.2.2001, o Presidente da República ficara sabendo da reunião e de assuntos nela tratados. Quem teria dado divulgação a esses fatos? Certamente não foi o Procurador LUIZ FRANCISCO, haja vista que, conforme está expresso na denúncia, ele somente dera a conhecer o conteúdo das fitas aos jornalistas da revista ISTO É, no dia 21.2.2001 (quarta-feira), quando já estava em circulação o referido jornal com as notícias.

E mais, na terça-feira (dia 20.2), jornalista do jornal Valor o procurara para que confirmasse ou não as informações que teriam chegado ao conhecimento do Presidente da República. Nessa oportunidade, limitou-se a confirmar a existência da reunião, fato que já era do conhecimento público porque divulgado pelos mais importantes jornais que circularam nessa data. Contudo, não informou os assuntos nela tratados. Confira-se o trecho da reportagem:

"O procurador Luis Francisco de Souza disse ao Valor que, na reunião com ACM, o senador falou sobre o caso Eduardo Jorge, mas não confirmou outra informação que chegara a Fernando Henrique: a entrega aos procuradores das informações sobre sigilo telefônico de Eduardo Jorge que não foram examinadas pela subcomissão do Senado que investigou o ex-ministro. ‘É blefe’, reagiu o presidente ao ser informado. ‘Ele não tem nada concreto contra Eduardo Jorge’.

FHC avalia que ACM cometeria um erro contra ele mesmo ao supostamente usar, agora, informações de uma CPI que ele mesmo criou. ‘Não percebe que será cobrado dele mesmo o fato de ter-se omitido?’ O relato que chegou ao Alvorada inclui informação de que o senador teria dito aos procuradores que ‘salvou Eduardo Jorge a pedido do próprio presidente Henrique. O assessor de imprensa do senador, Fernando Cesar Mesquita, negou que o caso Eduardo Jorge tenha sido tratado com os procuradores. ‘Foi uma reunião técnica, sobre o caso Sudam’, assegurou."

15. Como se observa, na terça-feira, dia anterior àquele em que o Procurador LUIZ FRANCISCO deu a conhecer aos jornalistas da revista ISTO É o teor das fitas com gravações dos diálogos da mencionada reunião, tais diálogos já não mais se encontravam na esfera de reserva dos que tinham participado do mencionado evento. A uma, porque já havia chegado um "relato" ao "Alvorada", feito não se sabe por quem ou por qual instituição. A duas, porque o Senhor Fernando César Mesquita, assessor do Senador e que estivera presente à reunião, também já havia conversado com jornalistas sobre assuntos nela tratados.

16. Ou seja, na quarta-feira, dia 21.2.2001, os assuntos tratados na reunião do dia 19.2 (segunda-feira) já haviam sido divulgados por outras pessoas que não o denunciado.

17. Anote-se, também, que o Procurador GUILHERME ZANINA SCHELB, em depoimento perante a Corregedoria do Ministério Público Federal declarou que, na terça-feira, dia 20.2.2001, também conversara com jornalistas sobre assuntos tratados na reunião. Confira-se: "QUE na terça-feira que sucedeu a reunião, o depoente foi abordado por um repórter do jornal Valor Econômico, indagando-lhe sobre assuntos tratados na reunião; QUE o depoente, veio a saber de entrevista anterior concedida pelo indiciado, a despeito do seu compromisso com a confidencialidade dos temas tratados; QUE o depoente, diante disso, falou genericamente sobre alguns temas da reunião, destacando, dentre eles, o caso Eduardo Jorge". (doc. anexo).

18. Como se observa, o Procurador GUILHERME SCHELB caiu na armadilha do repórter. Tendo este lhe informado que o Procurador LUIZ FRANCISCO havia-lhe concedido entrevista, entendeu não mais haver reserva sobre os assuntos tratados na reunião e "falou genericamente sobre alguns temas" nela tratados, com o referido repórter.

19. Ocorre que, como consta da própria reportagem do mencionado jornal, o Procurador LUIZ FRANCISCO não dera entrevista sobre os assuntos veiculados na reunião. Procurado pelo repórter, limitou-se a confirmar a existência da reunião, mas não confirmou a veracidade das informações que haviam chegado ao conhecimento do Presidente Fernando Henrique Cardoso, as quais já eram do conhecimento do jornalista.

20. Em resumo, na quarta-feira, dia 21.2.2001, data em que o Procurador LUIZ FRANCISCO deu a conhecer aos jornalistas da revista ISTO É o teor das fitas com gravação de conversas da reunião, alguém já havia levado ao conhecimento do Presidente a República o teor das conversas que o Senador ANTÔNIO CARLOS MAGALHÃES havia tido com os Procuradores; o Senhor Fernando César Mesquita


já havia conversado com jornalistas sobre os assuntos nela tratados; e o Procurador GUILHERME SCHELB também já havia conversado com o repórter do jornal Valor sobre os mesmos temas.

21. Diante disso, e, considerando-se que a denúncia não aponta os fatos que teriam sido divulgados pelo Procurador LUIZ FRANCISCO e que deveriam ser mantidos sob sigilo, não é possível saber se o que os jornalistas ficaram efetivamente sabendo e deram divulgação na edição da revisto ISTO É do dia 22.2.2001 já era ou não do conhecimento público, nessa data.

22. Com efeito, se a denúncia não diz que trechos dos diálogos foram

divulgados pela mencionada revista, não há como apontar em quê a divulgação feriu o suposto dever de sigilo, pela simples razão de não se poder considerar sigiloso um fato cujo conhecimento não está mais restrito às pessoas encarregadas de mantê-lo sob reserva.

23. Estabelece o art. 41 do Código de Processo Penal: "Art. 41. A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas."

24. No caso presente, tem-se uma denúncia por crime de violação de sigilo funcional sem que dela conste qual o fato que foi tornado público e que deveria ser mantido em segredo. Ou seja, a denúncia padece de requisito indispensável ao seu recebimento, qual seja, a exposição do fato criminoso. Logo, trata-se de uma denúncia INEPTA, que não pode ser recebida.

25. Neste sentido já decidiu a Suprema Corte: "É inepta a denúncia que não descreve, ainda que sucintamente, o fato, apenas fazendo referência a peças do inquérito policial onde estaria narrado" (STF, RTJ 57/389; RDP 4/126).

A REMISSÃO À REVISTA ONDE TERIAM SIDO PUBLICADOS OS DIÁLOGOS

26. A lei exige que a denúncia contenha a exposição do fato criminoso. A jurisprudência não admite que essa omissão seja suprida pela referência a peças do inquérito onde o fato estaria narrado. Mesmo que o admitisse, no caso presente, seria de nenhuma valia, haja vista que o exemplar da revista contendo os "diálogos" que, segundo os denunciantes, não poderiam ter sido divulgados, não está nos autos.

27. Com efeito, a denúncia faz referência às folhas 24 a 30 dos autos onde, supostamente, estariam as páginas do exemplar da revista ISTO É, edição do dia 22.2.2001, contendo referidos "diálogos". Compulsando-se os autos não se encontra, nem nessas folhas nem em quaisquer outras, referido exemplar. Ou seja, falta corpo de delito de crime que deixa vestígios.

28. O que existe nos autos, às fls. 48 a 56, são páginas da revista ISTO É das edições dos dias 7.3.2001 e 14.3.2001, conforme está certificado pelo Chefe de Gabinete do Procurador-Geral da República, às fls. 47. Ocorre que essas edições da Revista foram feitas após o trabalho realizado pelo perito Ricardo Molina e sua equipe, cuja divulgação foi dada pelo Senado Federal.

29. É importante ressaltar, também, que antes dessas datas, ou seja, no dia 1º.3.2001, o acusado encaminhara as fitas ao Procurador-Geral da República, que lhas havia requisitado (fl. 29).

30. Tais as circunstâncias, é forçoso concluir que as edições da revista

ISTO É dos dias 7 e 14 de março de 2001 não servem de prova do que teria sido divulgado pelo acusado e, se nelas consta algo que deveria ser mantido sob sigilo, a ele não pode ser atribuída a divulgação.

31. Em resumo, a denúncia alega revelação de fato que deveria ser mantido sob sigilo, mas não indica que fato é esse. Afirma que ele foi publicado em uma certa revista mas não junta aos autos o exemplar da publicação. Logo, é uma denúncia absolutamente inepta, cujo recebimento importa violação do disposto no art. 41 do Código de Processo Penal e impede o exercício do amplo direito de defesa, assegurado no inciso LV do art. 5º da Constituição Federal, haja vista que ninguém pode se defender adequadamente se não sabe exatamente do que está sendo acusado.


ATIPICIDADE DA CONDUTA EM FACE DA OBJETIVIDADE JURÍDICA DO TIPO PENAL DO ART. 325 DO CP.

32. A publicidade dos atos administrativos, que constitui um dos princípios basilares da administração pública estabelecidos na Constituição Federal, conduz à conclusão elementar de que não é a revelação de qualquer fato que se torne do conhecimento do agente público em razão do cargo que faz incidir a figura típica do art. 325 do Código Penal. Para tanto, é conditio sine qua non que o fato deva permanecer em segredo.

33. Mas quem ou o quê determina os fatos que devem permanecer em segredo? Para os mais legalistas, atentos ao princípio constitucional de que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, somente esta pode estabelecer as hipóteses em que a exceção ao princípio da publicidade deva ser observado. sensu de lei, encontramos a doutrina de Nelson Hungria e Mirabete, nos seguintes termos:

"154. Conceito e análise. A política administrativa, não obstante o princípio da publicidade que preside à atividade funcional do Estado moderno, exige, por conveniência da própria administração ou do interesse público, que certos fatos sejam mantidos em segredo, ainda que temporariamente. Tal necessidade excepcional de sigilo pode decorrer de expressa disposição de lei ou regulamento, ou mesmo, eventualmente, de ordem (circular, aviso, instrução) administrativa."

"O objeto do crime é o segredo funcional:’ é tudo o que não é nem pode ser conhecido senão de determinadas pessoas, ou de certa categoria de pessoas, em razão do ofício; é o que não pode, portanto, ser sabido por qualquer’. Deve-se referir ao interesse da coisa pública e estar contido em ‘expressa disposição de lei ou de regulamento, ou mesmo, eventualmente, de ordem (circular, aviso, instrução) administrativa’.

35. A jurisprudência também abona essa tese, conforme se constata no seguinte precedente: "(…)

2- O CRIME DE VIOLAÇÃO DE SIGILO FUNCIONAL, PREVISTO NO ART. 325 DO CÓDIGO PENAL, PRESSUPÕE A EXISTÊNCIA DE FATO PROTEGIDO POR RESERVA OU SEGREDO LEGAIS. EVIDENCIADO QUE O FATO INDICADO NA QUEIXA NÃO ESTÁ SOB RESERVA OU SEGREDO, NÃO MERECE PROSPERAR A PRETENSÃO 3 – QUEIXA-CRIME REJEITADA"

36. Adotando um conceito mais elástico sobre o dever de sigilo, para nele incluir não apenas os fatos que a lei ou regulamento expressamente declara sigilosos, mas, também, aqueles cujo interesse público assim o recomende, bem como os que decorra de ordem de autoridade competente ou de costume consagrado, encontramos os seguintes doutrinadores: PAULO JOSÉ DA COSTA JR.: "Deverá o fato permanecer em segredo em razão de disposição legal, ordem de autoridade competente, ou costume consagrado"

DAMÁSIO E. DE JESUS: "Certos fatos relacionados com a Administração Pública, não obstante a publicidade dos atos administrativos, devem ficar a coberto do conhecimento geral em razão do interesse funcional. Daí porque merecem ficar em segredo. Uma lei, regulamento ou ordem administrativa pode, excepcionalmente, impor sigilo".

CELSO DELMANTO: "(…), dizendo a lei ser fato que deva permanecer

em segredo, é mister que se trate de fato relevante e de segredo de

interesse público". (este autor não esclarece a quem compete definir, em cada caso, a existência de interesse público que justifique o sigilo, haja vista que a expressão "interesse público" comporta grau de subjetividade bastante variado).

37. Conjugando-se as diversas opiniões dos autores citados, bem como os entendimentos jurisprudenciais colacionados, pode-se concluir que o dever de manter sigilo sobre determinados fatos pode decorrer, na melhor das hipóteses para a subsistência da denúncia, e na pior das hipóteses para o denunciado:

a) de lei, regulamento ou ato normativo (aviso, portaria, circular);

b) do interesse público qualificado em razão da matéria;

c) de ordem de autoridade superior;

d) de costume consagrado;

38. Há, também, o dever de sigilo decorrente de ordem judicial, exarada nos autos.

39. Vista a questão sob os aspectos normativo, doutrinário e jurisprudencial, abstratamente considerados, passa-se à análise da conduta do acusado, descrita na denúncia, para ver se ela se amolda a alguma das situações acima enumeradas.


40. Os assuntos tratados na reunião reservada, e que teriam sido divulgados pelo acusado, segundo a denúncia, são os seguintes: "atos de improbidade administrativa e enriquecimento ilícito de administradores públicos, fraudes no Banco Central do Brasil, fraude em licitações no Estado do Tocantins, caso Eduardo Jorge, caso Jader Barbalho e acesso a votações secretas do Senado."

41. Segundo os subscritores da denúncia, esses assuntos eram juridicamente relevantes, "já que se tratavam (sic) de informações sobre supostos atos de improbidade administrativa, de enriquecimento ilícito de administradores públicos, com vislumbre, em tese, de crimes funcionais".

42. Ocorre que não existe lei ou regulamento impondo o dever de sigilo sobre a apuração de atos de improbidade administrativa ou de enriquecimento ilícito. Somente nos casos em que a apuração desses tipos de irregularidades demande a necessária quebra de algum sigilo legal ou constitucionalmente protegido (sigilo bancário, fiscal, telefônico, telemático, etc.) é que as informações assim recebidas devem manter-se sob reserva.

Mas essa não é a situação sob exame, em que teria havido entre os interlocutores apenas uma conversa sobre supostos fatos, desacompanhada de qualquer documentação que a corroborasse. Aliás, a conversa não tinha pauta pré-definida, e, portanto, não configurava ato de nenhuma investigação, inquérito policial, processo administrativo ou judicial em curso.

43. Também não havia interesse público que justificasse a necessidade de manter tais assuntos sob sigilo. Ao revés, por se tratar de comentários feitos por um Senador da República e ex-Presidente do Congresso Nacional "sobre supostos atos de improbidade administrativa, de enriquecimento ilícito de administradores públicos", o interesse público recomendava que se lhes desse publicidade para que a sociedade deles tomasse conhecimento, haja vista que o Senador havia se omitido do seu dever legal de comunicar, formalmente, o conhecimento que ele tinha sobre tais fatos.

Com efeito, se o ex-Senador, como homem público que era, tinha conhecimento de fatos dessa natureza, era seu dever comunicá-los, formalmente, à autoridade competente para apurá-los, fazendo acompanhar a sua denúncia dos documentos necessários a embasar a acusação, sob pena de incorrer no crime de denunciação caluniosa

ou prevaricação, conforme o caso.

44. Sob este aspecto, a denúncia inverte a ordem das coisas. Procura dar a conotação de sigilo a fatos que, por natureza, são públicos. Silencia quanto à atitude de uma autoridade que, se tinha conhecimento de fatos configuradores de atos de improbidade administrativa e de enriquecimento ilícito de servidores públicos, tinha por dever comunicá-los à autoridade competente para apurá-los e, não, esconder-se sob o manto de uma reunião dita de caráter "reservado", para nela fazer acusações destituídas de qualquer elemento de prova.

Com efeito, a denúncia não faz referência a qualquer documento que o ex-Senador tenha entregue aos Procuradores para corroborar suas suspeitas ou acusações.

45. O interesse público que justifica a necessidade de manter certo fato sob sigilo, em face do princípio constitucional da publicidade dos atos do Poder Público, encontra-se justificado por F. A. GOMES NETO, nos seguintes termos: "Em regra os fatos de qualquer serviço público nem devem nem podem ficar em segredo. A própria Constituição Federal (art. 141, § 36) assegurava a ciência aos interessados dos despachos e das informações a que eles se refiram bem como a expedição de certidões, inclusive requeridas, para esclarecimento de negócios administrativos, salvo, neste caso, se o interesse público impuser sigilo.

Assim, o normal é a publicidade dos atos públicos, embora na devida forma e tempo, isto é, sem prejuízo da regularidade e eficiência do serviço público. Mas pode acontecer, excepcionalmente, como a própria Constituição também prevê, que o sigilo ou segredo, temporário ou definitivo, seja de interesse público.

Apenas, neste caso, em primeiro lugar, não se pode confundir com interesse público o simples interesse de alguém, de funcionário ou parte, ou mesmo simplesmente do serviço público no sentido de órgão ou repartição, mas há de haver realmente interesse público, isto é, de grande indiscriminado número de pessoas ou da própria coletividade.


(…) Se o fato, em determinado caso, deve permanecer em segredo ou não, às vezes é a própria lei que o diz expressamente, quando dispõe, por exemplo, que determinada sessão ou reunião deve ser secreta ou que certas providências devem ser tomadas sigilosamente; ou são os próprios regulamentos dos serviços ou mesmo simples recomendações escritas ou verbais, nestes casos, mesmo dos regulamentos, se a recomendação não é ilegal e além disto contra o interesse público.

O crime consiste, fundamentalmente, na revelação do fato que devia permanecer em segredo ou na facilitação de sua revelação. Num caso o dolo é mais comumente direto e de maior intensidade, ao passo que no outro pode ser mais facilmente indireto e menos intenso.

Mas é sempre necessário, ainda, não só que realmente o sigilo do fato seja de interesse público, além de determinado em lei ou regulamento ou por qualquer outro meio, mas também que o funcionário tenha tido ciência do fato em razão do cargo que exerce."

46. Na ausência de lei ou regulamento impondo o dever de sigilo a determinado fato, a questão que surge é saber quem tem atribuição para impô-lo, sob o fundamento de interesse público. Não existe uma regra definindo isso, mas o bom senso recomenda que esse juízo de valor fique a cargo da autoridade encarregada de lidar com o fato.

47. Para HUGO NIGRO MAZZILI, cabe ao membro do Ministério Público que conduz as investigações decidir pela conveniência de mantê-las sob sigilo, quando se tratar de informações não protegidas pelo sigilo legal. Confira-se: "A regra, pois, é que seja o inquérito civil iluminado pelo princípio da publicidade, que deve nortear os atos da administração. Muitas vezes, a publicidade será, mais do que meramente possível ou conveniente, até mesmo necessária, como quando se esteja apurando a comercialização de alimentos ou medicamentos adulterados – em que a população deve ser alertada sobre os lotes atingidos, ou a promoção de loteamentos irregulares – em que os adquirentes devem ser notificados para suspender os pagamentos das prestações, e daí por diante.

Sempre que se divulgar a existência de investigações contra pessoas físicas ou jurídicas determinadas, deve-se, porém, ter a cautela de informar de que se trata de investigados, e não de culpados, pois a presunção de inocência não pode ser vista apenas sob o ângulo penal. Não haverá publicidade, naturalmente:

a) nas hipóteses em que o membro do Ministério Público teve acesso a informações sobre as quais recai sigilo legal, por cuja preservação passa a ser responsável;

b) se da publicidade dos atos do inquérito puder resultar prejuízo à própria investigação ou ao interesse coletivo, hipóteses em tudo análoga à do sistema processual penal como quando deseje o promotor de Justiça surpreender uma situação que precise constatar, como o lançamento de poluentes; o uso de lixos clandestinos, etc. No primeiro caso (sigilo legal), o promotor de Justiça deve impor sigilo às investigações, e, no último caso (conveniência da investigação), pode impô-lo; mas em ambas as hipóteses, a preservação do sigilo será obrigatória pelos funcionários do Ministério público, sob pena de responsabilidade funcional e criminal, se for o caso.

(…) No inquérito civil deve prevalecer a regra da publicidade dos atos da administração, que, naturalmente, só se excepciona se o inquérito civil contiver informações que a lei considere sigilosas ou se nele deverem ser colhidas informações que possam vir a ser prejudicadas com a prévia publicidade. No primeiro caso, o princípio do estado de Direito, consagrado pela CF, não admite apurações clandestinas, consentindo excepcionalmente na preservação do sigilo de determinadas informações" (grifou-se).

48. No caso em exame, três autoridades do Ministério Público Federal participaram das conversas com o ex-Senador ACM. Todas de igual hierarquia funcional, sem qualquer relação de subordinação entre elas, mesmo porque, entre membros do Ministério Público Federal não há hierarquia funcional que implique relação de subordinação de uns aos outros.


Logo, a inobservância, por parte de qualquer dos participantes da reunião, do "certo consenso" que haviam estabelecido no sentido de que "era importante usar as informações sem divulgá-las", jamais poderia configurar crime de violação de sigilo funcional. Isto porque, não havia, no caso, dever de sigilo funcional decorrente de norma legal, interesse público, costume consagrado ou ordem superior, mas, sim, compromisso de não fazer (não falar), voluntariamente assumido, sem qualquer vínculo de índole obrigacional.

49. Por outro lado, os fatos relativos ao Senador Jader Barbalho (que teriam sido revelados pelo ex-Senador ANTÔNIO CARLOS MAGALHÃES e que a denúncia não especifica quais), a apuração deles não competia aos Procuradores da República GUILHERME ZANINA SCHELB, ELIANA PERES TORELLY DE CARVALHO e LUIZ FRANCISCO, haja vista que os Senadores da República têm foro privilegiado. E o Senador ANTÔNIO CARLOS MAGALHÃES sabia disso. Logo, ele não levou tais fatos ao conhecimento desses Procuradores para que eles os investigassem.

Não, ele sabia que eles não podiam fazê-lo. Se assim agiu, foi com o intuito de que esses Procuradores, especialmente o Procurador LUIZ FRANCISCO, fizessem chegar tais fatos ao conhecimento de terceiros, principalmente da imprensa.

Não porque o ex-Senador não tivesse condições de divulgá-los diretamente à imprensa, mas, sim, porque o seu desgaste político recomendava que o fizesse com o aval do Ministério Público Federal. Tal conclusão decorre da premissa elementar de que, para fazer chegar esses fatos ao conhecimento do destinatário com poderes para investigá-los, que é o Procurador-Geral da República, o então Senador ANTÔNIO CARLOS MAGALHÃES, àquela época, não precisava de intermediários.

50. O mesmo se pode dizer em relação à questão relativa à violação do painel de votações do Senado Federal, que não se inseria na esfera de competência desses Procuradores. A sua revelação foi um ato falho do ex-Senador e que lhe custou o mandato. Foi o fato de maior repercussão na mídia, mas a denúncia é quase que silente sobre ele e não o incluiu no rol dos assuntos que teriam sido indevidamente divulgados.

51. Fica evidenciado que a gravação e sua divulgação impediram que o ex-Senador Antônio Carlos Magalhães e o jornalista Fernando César Mesquita usassem o Ministério Público para propósitos políticos.

O Ministério Público, pela sua natureza e seu mandato constitucional, é uma casa aberta ao público, que aflui a suas dependências, por variadas razões, a demandar seus serviços, desde senadores, a ministros, índios, advogados, policiais, deficientes físicos etc. Deste afluxo de público depende o Ministério Público para o desempenho de seu mandato constitucional. Porém, deve ficar claro que o MP não deve ser usado para fins escusos, políticos, jurídicos ou de qualquer natureza.

52. Como demonstrado, a denúncia não especifica os fatos divulgados e que deveriam ser mantidos em segredo. Limita-se a fazer referências genéricas aos assuntos que teriam sido tratados na reunião mencionada. Todavia, tais assuntos, genericamente considerados, nenhum deles estava acobertado pelo sigilo legal.

Também não havia interesse público que justificasse mantê-los sob sigilo, nem mesmo por conveniência das investigações, haja vista que não havia investigação em curso e as que efetivamente mereciam ser iniciadas (caso Jader Barbalho e acesso a votações secretas do Senador) não se inseriam na esfera de competência dos referidos Procuradores. De igual modo, não havia uma ordem superior impondo sigilo nem faz parte do costume do Ministério Público Federal impor sigilo em casos tais.

53. Posta a questão nos seus exatos termos, qualquer que seja a ótica que se a analise, a conclusão inexorável é de que a conduta do denunciado não se enquadra no tipo penal do art. 325 do Código Penal.

54. Trata-se, portanto, de uma conduta atípica, razão por que se impõe a rejeição da denúncia.

ATIPICIDADE DA CONDUTA POR AUSÊNCIA DE DANO

55. O tipo penal do art. 325 do CP exige a potencialidade danosa, sem a qual a conduta se revela atípica. Nesse sentido são os seguintes precedentes: "Ao incriminar a violação de sigilo funcional, a lei visa impedir a revelação de fato que deva permanecer em segredo, porque sua divulgação pode prejudicar ou pôr em perigo os fins que o Estado persegue. Não incrimina a simples indiscrição ou a indesejável bisbilhotice, nem tutela interesses fúteis, carecedores de relevância jurídica" (TACRIM-SP-Rec. – Rel. Dante Busana – Bol. AASP 1300/273, novembro/83)


"Relevância do sigilo: O art. 325 visa a proteger segredo relevante, cuja divulgação seja potencialmente danosa, e não a interesses fúteis, carecedores de relevância jurídica"

56. Diante disso, cabe questionar: as informações que o ex-Senador ANTÔNIO CARLOS MAGALHÃES repassou aos Procuradores GUILHERME SCHELB, ELIANA TORELLY e LUIZ FRANCISCO tinham algum fundamento? Estavam elas embasadas em algum documento apresentado pelo Senador ou por ele apontado onde poderia ser encontrado? Foi desencadeada alguma investigação com base nelas? Se não foi, qual a razão para não fazê-lo?

Não tinham elas credibilidade suficiente que justificasse a instauração de investigação ou está havendo omissão das autoridades competentes? Qual o prejuízo para as investigações decorrente da revelação do teor da conversa?

57. Estas e outras indagações deveriam ter sido suscitadas e demonstradas na peça acusatória; mas isto não ocorreu.

58. Por outro lado, como se sabe, o fato de o Procurador LUIZ FRANCISCO ter tornado publica a conversa com o ex-Senador não prejudicou nem pôs em perigo os fins que o Estado persegue. Ao revés, proporcionou que se apurasse, e de forma rápida, um crime que vinha sendo cometido contra as instituições democráticas, qual seja, a violação das votações secretas do Senado Federal, cujo sigilo decorre de norma constitucional (art. 55, d 2º , da CF). Ou seja, em vez de ferir o interesse público, a divulgação noticiada concorreu para que o mesmo fosse preservado.

59. CHAÏM PERELMAN, notável jusfilósofo contemporâneo, expõe as bases de semelhante modo de proceder ao explicar o que seja um "argumento pragmático": "Chamo de argumento pragmático um argumento das conseqüências que avalia um ato, um acontecimento, uma regra ou qualquer coisa, consoante suas conseqüências favoráveis ou desfavoráveis; transfere-se assim todo o valor destas, ou parte destas, ou parte dele, para o que é considerado causa ou obstáculo

60. Ora, mutatis mutandis, ocorre na espécie o mesmo – de ação inteiramente caracterizada pela ausência de ilicitude decorreu uma conseqüência benéfica: o esclarecimento de uma operação até então clandestina de violação de sigilo em votação no Senado, com o processo e a punição dos responsáveis no foro próprio.

61. As cláusulas constitucionais do Estado de Direito e do Devido Processo Legal exortam a que a repressão de um ato ilícito seja instrumentalizada de modo conforme ao Direito ou pelo menos não contrário àquele: não pode o agente público conduzir-se sob a crença de que os fins justificam os meios, sob pena de, para reprimir uma ilicitude, cometer outra.

É evidente, no caso, que não houve utilização de meio inidôneo para se alcançar o fim proposto, e, portanto, é completamente sem sentido atribuir a uma conduta não qualificada de ilegal pelo ordenamento jurídico e com repercussão benéfica à probidade administrativa o epíteto de crime.

62. Uma outra ordem de considerações ainda se impõe. A violação de sigilo tem por objeto juridicamente tutelado a regularidade da Administração Pública. Sabe-se que não há falar em crime sem potencial delitivo para o bem juridicamente tutelado.

O tipo do delito imputado exige que o fato divulgado impropriamente seja relevante, conforme a doutrina já colacionada. Nessa linha de entendimento, a divulgação de fato que não é capaz de abalar a regularidade da Administração Pública não pode ser tida como compreendida no tipo penal – uma tal conduta será irrelevante do ponto de vista criminal.

63. Vê-se que, para o êxito de uma denúncia por quebra de sigilo, será imprescindível que a acusação caracterize como a Administração Pública ficou prejudicada com a divulgação do fato. Na espécie, porém, a acusação não aponta sequer em quê a Administração sofreu revés na divulgação da conversa mantida no encontro em questão.

64. Tampouco a denúncia aludiu a evidência qualquer de prejuízo no andamento de investigações que estivessem em curso. Na realidade, sequer aponta se estaria havendo, naquela ocasião, alguma investigação, com objeto coincidente com o da conversa divulgada.


65. O certo é que a denúncia não especifica como o interesse da Administração Pública ou o interesse público, considerado de modo mais amplo, tenham sofrido dano efetivo, imputável à conduta do denunciado. A denúncia não cuida de mostrar – na verdade nem tangencia o tema – que, em decorrência do comportamento do Procurador, o bem juridicamente tutelado pelo tipo penal tenha sido objeto de efetivo prejuízo. A denúncia, impõe-se a conclusão, não descreve, na realidade, fato típico, motivo a mais para que não seja acolhida.

O SIGILO COMO ALGO INERENTE A QUALQUER ATIVIDADE INVESTIGATÓRIA: PETIÇÃO DE PRINCÍPIOS E NÃO, DEVER SUJEITO A CONSEQUÊNCIAS PENAIS

66. A denúncia, como já afirmado, não aponta os fatos acobertados pelo dever de sigilo e que teriam sido divulgados pelo denunciado. Parte do pressuposto de que qualquer fato sob investigação do Ministério Público deve ser mantido sob reserva, ao argumento de que "o sigilo é inerente a qualquer atividade investigatória", visando a:

a) preservar o interesse público e garantir o êxito das investigações;

b) resguardar a imagem do investigado.

Vejamos o seguinte trecho da denúncia que confirma esta assertiva: "Estando sujeitos a investigação, esses fatos deveriam ser mantidos sob reserva, pelo menos temporariamente, ou seja, enquanto não se concluíssem as investigações. O sigilo é inerente a qualquer atividade investigatória, assim exigido pelo interesse público que a preside, quer como garantia de êxito das investigações ou em resguardo da imagem do investigado." (grifou-se).

67. Os autores da denúncia não apontam a norma legal que daria embasamento a esse tipo de afirmação. Compulsando-se a Lei Complementar n.75, de 20 de maio de 1993, Lei Orgânica do Ministério Público da União, não se encontra nela nenhum dispositivo que contemple tamanha pretensão. Nessa Lei, somente a informação recebida pelo membro do Ministério Público e que, na origem, esteja acobertada pelo sigilo legal, é que preserva o seu caráter sigiloso (art. 8º , d 2º ).

68. A denúncia, portanto, não se ampara em uma norma legal, mas, sim, na opinião dos seus subscritores sobre a conduta profissional que os membros do Ministério Público, segundo eles, devem adotar em relação às investigações a seu encargo.

69. Pode-se argumentar que os autores da denúncia estavam a se referir, de forma implícita, ao disposto no art. 20 do Código de Processo Penal, segundo o qual "a autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade".

70. Mesmo que fosse essa a intenção deles, ainda assim esse dispositivo não tem aplicabilidade ao caso sob exame, pelas razões que se expõe a seguir.

71. A norma inscrita no art. 20 do CPP está direcionada às investigações de natureza criminal. Mesmo porque, no âmbito do inquérito civil público, a regra é a publicidade das investigações, conforme leciona Hugo Nigro Mazzili, nos seguintes termos "Como regra, o inquérito civil está sujeito ao princípio da publicidade, que normalmente informa todos os atos da administração; assim, só por exceção é que se impõe sigilo no inquérito civil. Podemos, então, dizer que em regra os atos do inquérito civil são públicos (audiências, inquirições, vistorias, acessos aos autos, expedição de certidões)."

72. Tal conclusão decorre do disposto nos §§ 1º e 2º do art. 8º da Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985(Lei da Ação Civil Pública), redigidos nos seguintes termos: "§ 1º O Ministério Público poderá instaurar, sob sua presidência, inquérito civil, ou requisitar, de qualquer organismo público ou particular, certidões, informações, exames ou perícias, no prazo que assinalar, o qual não poderá ser inferior a 10 (dez) dias úteis. § 2º Somente nos casos em que a lei impuser sigilo, poderá ser

negada certidão ou informação, hipótese em que a ação poderá ser proposta desacompanhada daqueles documentos, cabendo ao juiz requisitá-los."


73. No caso em tela, não havia investigações criminais em curso. As

possíveis de serem instauradas (caso Jader e violação do painel do Senado) não se inseriam nas atribuições dos Procuradores que participaram da conversa com o ex-Senador. As demais, como a questão das "fraudes no Banco Central do Brasil", a denúncia não menciona os tipos de fraude referidas pelo ex-Senador nem onde elas teriam ocorrido, pressupostos necessários para que se possa aquilatar se a apuração delas competia aos mencionados Procuradores ou não.

74. Com relação ao caso Eduardo Jorge, a denúncia também não aponta o que teria dito o ex-Senador sobre esse Senhor. Presume-se que tenha algo a ver com o assunto mencionado como "enriquecimento ilícito de administradores públicos". Sendo este o assunto, as investigações sobre ele estariam afetas à esfera cível, mediante inquérito civil público, que, como demonstrado, tem como regra geral a publicidade dos seus atos.

75. Por outro lado, o art. 20 do Código de Processo Penal não impõe o dever de sigilo a qualquer investigação. Impõe-no, tão-somente, naqueles casos em que o sigilo for necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade.

Para incidência dessa norma caberia à denúncia: a) apontar cada um dos fatos que deveriam se investigados, no âmbito criminal, pelos mencionados Procuradores;

b) demonstrar a necessidade de mantê-los sob sigilo, como medida necessária ao sucesso da investigação;

c) indicar a existência de interesse público capaz de justificar a

manutenção de tais fatos sob sigilo, o qual, como já visto (item 45, supra), não se confunde com o interesse dos interlocutores, envolvidos ou participantes do diálogo, mesmo que funcionários

76. A denúncia não só não aponta os fatos a serem investigados como também não faz a necessária demonstração da necessidade de eles serem mantidos sob sigilo.

77. Anote-se que a denúncia, no particular, incide, também, em petição de princípio. Afirma que deveria haver sigilo em torno da conversa mantida, porque os diálogos deveriam ensejar uma investigação ministerial e esta deve ser desenvolvida em segredo.

78. A denúncia, como já enfatizado, no entanto, não relata em que consistiu a conversa. A acusação não expõe qual o teor das revelações do encontro. Sem esse cuidado, não se pode sequer aquilatar a relevância dos fatos supostamente desvendados. Isto significa que a denúncia está simplesmente pressupondo que as revelações feitas no encontro tinham grau de seriedade tal que justificariam a abertura de procedimento investigatório.

79. Como se sabe, entretanto, não é qualquer informação que deve justificar a atuação do membro do Ministério Público. Uma atuação responsável exige que seja movida por fatos confiáveis. Uma conversa entremeada de bravatas pode comprometer a credibilidade do seu teor e não ensejar a abertura de investigações. Lembre-se, aqui, a propósito, que o ex-Senador que protagonizou o encontro nunca forneceu, embora instado a tanto, elementos de persuasão que confirmassem as suas assertivas.

80. Se a denúncia não diz que trechos da conversa seriam parte de ação formal de investigação do Ministério Público, não há como apontar em quê a divulgação da conversa feriu o dever de sigilo, que supõe existir.

81. Para não incorrer na petição de princípio que a invalida, a denúncia haveria de transcrever os trechos de conversa que seriam relevantes para a atuação do Ministério Público, deveria indicar, ainda, em que procedimentos foram utilizados, para, afinal, sustentar a tese da quebra do sigilo.

82. Nada disso fez a denúncia. Assim, mesmo que, ad argumentando, fosse admissível a tese – cuja erronia é demonstrada nesta resposta – de que em toda investigação do parquet deve haver necessariamente o alheamento do público em geral, ainda assim a denúncia não logra caracterizar situação em que semelhante tese pudesse ser empregada.

83. Na verdade, se a conversa não trazia elementos hábeis para alimentar uma investigação formal, pela própria premissa adotada pela denúncia [a de que o sigilo se prende à existência de investigação do Ministério Público] o interlocutor estava penalmente livre para divulgar o seu teor.


DO DEVER DE SIGILO PARA RESGUARDO DA IMAGEM DO INVESTIGADO

84. Por último arrede-se qualquer possibilidade de se extrair da denúncia a possibilidade de processo contra o Procurador por conta do "resguardo da imagem do investigado", como nela se encontra afirmado.

85. A denúncia, que não especifica que investigação estaria sendo ou deveria ser feita, tampouco nomeia que "investigado" seria esse que deveria ter a sua imagem resguardada.

86. Mais ainda, a denúncia não indica pessoa alguma que teria tido a sua imagem exposta indevidamente. Novamente, a denúncia deixa de narrar fato penalmente relevante e não observa as cautelas processuais que a salvaria da pecha de inepta.

87. Por mero acréscimo, enfatize-se que quem buscou o encontro com o Procurador era homem público, travou a reunião em um local público e tratou de assunto que, a seu ver, era do interesse público – pois é de interesses dessa ordem que cuida o Ministério Público Federal. Não há falar em preservação da imagem de quem vem a órgão público fazer denúncias de matéria do interesse público.

A propósito, igualmente, já se disse no Supremo Tribunal Federal que, "ao decidir-se pela militância política, o homem público aceita a inevitável ampliação do que a doutrina italiana costuma chamar a zona di iluminabilitá, resignando-se a uma maior exposição de sua vida e de sua personalidade aos comentários e à valoração do público" (HC 78.426, relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ 7.5.99).

88. Como quer, pois, que se enfrente a questão, não há como dizer que tenha havido falta de resguardo da imagem do investigado – até porque, repita-se, a denúncia não diz quem seria o investigado no caso.

INCRIMINAÇÃO DO FATO "DE LEGE FERENDA"

89. Como demonstrado, não existe lei determinando que os fatos que cheguem ao conhecimento de um membro do Ministério Público e que não estejam acobertados pelo sigilo legal (exemplo, sigilo bancário, fiscal, ect.) devam permanecer em segredo. Tanto isso é verdade que vários projetos de lei foram intentados visando a alterar o art. 4º da Lei nº 4.898/65 para impor o que se passou a denominar de mordaça dos agentes públicos.

Vejamos alguns deles: a) Projeto de Lei nº.961/97, encaminhado ao Congresso Nacional pelo Governo: "Art. 4º (…) j) manifestar o magistrado, o membro do Ministério Público, o membro do Tribunal de Contas, a autoridade policial ou a autoridade administrativa, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre investigação, inquérito ou processo, ou revelar ou permitir que cheguem ao conhecimento de terceiros fatos ou informação de que tenha ciência em razão do cargo e que violem o interesse público e o sigilo legal, a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas".

b) Projeto de Lei da Câmara n. 65,de 1999: "Art. 4º (…)

j) revelar o magistrado, o membro do Ministério Público, o membro do Tribunal de Contas, a autoridade policial ou a autoridade administrativa, ou permitir, indevidamente, que cheguem ao conhecimento de terceiro ou aos meios de comunicação fatos ou informação de que tenha ciência em razão do cargo e que violem o sigilo legal, a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas"

c) Projeto de Lei do Senado n. 536, de 1999: "Art. 4º (…)

l) manifestar o magistrado, o membro do Ministério Público, o membro do Tribunal de Contas, a autoridade policial ou a autoridade administrativa, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre investigação, inquérito ou processo sob seus cuidados ou no qual haja oficiado ou deva oficiar; m) revelar a autoridade pública a terceiros, ou permitir que seja revelado, fato ou informação de que tenha ciência em razão do cargo e cujo conhecimento por terceiros viole ou possa violar o interesse público, os sigilo protegidos, a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas".

90. Estivesse toda e qualquer investigação submetida ao dever de sigilo, como pretendem os subscritores da denúncia, não seriam necessárias as alterações legislativas propostas.

GRAVAÇÃO DA CONVERSA VERSUS SUA DIVULGAÇÃO.


91. A forma como a denúncia narra as circunstâncias que envolveram a gravação da conversa em questão denota intenção dos seus autores de considerar ilícita a atitude do acusado, também sob esse aspecto. Mas não há denunciação por esse fato. Se houvesse, seria mais um absurdo, dada a evidente atipicidade e o reconhecimento explícito de que os demais Procuradores presentes à reunião estavam cientes da gravação.

92. De qualquer forma, por se tratar de questão que, embora não constitua fato típico, foi narrada na peça acusatória como "circunstâncias do crime", merece que se façam as considerações a seguir.

93. ALEXANDRE DE MORAIS, em artigo publicado na Revista Meio Jurídico, intitulado "Probidade administrativa e provas ilícitas", escreveu: "As provas obtidas por meios ilícitos são inadmissíveis. É o que garante o art. 5º, LVI, da Constituição Federal, entendendo-as como aquelas colhidas em infringência às normas do direito material, configurando-se importante garantia em relação à ação persecutória do Estado.

A inadmissibilidade das provas ilícitas no processo deriva da

posição preferente dos direitos fundamentais no ordenamento jurídico, tornando impossível a violação de uma liberdade pública para obtenção de qualquer prova. Porém, em defesa da probidade na administração, a inadmissibilidade das provas ilícitas, por ferimento às inviolabilidades constitucionais, deve ser compatibilizada aos demais princípios constitucionais, entre eles, o princípio da moralidade e publicidade, consagrados no caput do art. 37 da Carta Magna.

Assim, exige-se ao administrador, no exercício de sua função pública, fiel cumprimento aos princípios da administração e, em especial à legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, devendo respeitar os princípios éticos de razoabilidade e justiça

Como lembrado pelo Ministro Marco Aurélio, ao analisar o princípio

da moralidade, "o agente público não só tem que ser honesto e probo, mas tem que mostrar que possui tal qualidade. Como a mulher de César" (STF – 2ª T – Rextr. N.º 160.381-SP – Rel. Min. Marco Aurélio. RTJ 153/1.030).

O dever de "mostrar honestidade" decorre do princípio da publicidade, pelo qual todos os atos públicos devem ser de conhecimento geral, para que a sociedade possa fiscalizá-los.

Dessa forma a conjugação dos princípios da moralidade e publicidade

impede que o agente público utilize-se da inviolabilidade da intimidade e da vida privada para prática de atividades ilícitas, pois, na interpretação das diversas normas constitucionais, deve ser concedido o sentido que assegure sua maior eficácia, sendo absolutamente vedada a interpretação que diminua sua finalidade.

Portanto, será permitida a utilização de gravações clandestinas, realizadas sem o conhecimento do agente público, que comprovem sua participação, no exercício de sua função, na prática de atos ilícitos (por ex: concussão, tráfico e influência, ato de improbidade administrativa), não lhe sendo possível alegar as inviolabilidades a intimidade ou vida privada no trato das res pública; pois, na administração pública não vigora o sigilo na condução dos negócios políticos do Estado, mas sim o princípio da publicidade.

Como ressaltado pelo Ministro Sepúlveda Pertence, analisando hipótese de gravação clandestina de conversa de servidor público com particular, "não é o simples fato de a conversa se passar entre duas pessoas que dá, ao diálogo, a nota de intimidade, a confiabilidade na discrição do interlocutor, a favor da qual, aí sim, caberia invocar o princípio constitucional da inviolabilidade do círculo de intimidade, assim como da vida privada" (Pleno – Ação Penal n.º 307-3/DF – rel. Min. Ilmar Galvão – Serviço de Jurisprudência – Ementário STF n.º 1.804-11).

Portanto, as condutas dos agentes públicos devem pautar-se pela transparência e publicidade, não podendo a invocação de inviolabilidades constituir instrumento de salvaguarda de práticas ilícitas (Cf. STF – 1ª Turma, HC n.º 70.814-5/SP, rel. Min. Celso de Mello, Diário da Justiça, Seção I, 24 jun. 1994, p. 16.650 – RT 709/418).


94. REGIS FERNANDES, Juiz do 1º TACivSP e Professor adjunto da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, em artigo publicado na Revista dos Tribunais, sob o título "A prova colhida em fita magnética – validade", também escreveu: "Só não se pode aceitar a gravação de diálogo em fita magnética quando houver o que se pode denominar de "ilusão na manifestação da vontade", ou seja, quando o interlocutor retrata falsidade sob o manto da verdade, no intuito evidente e de lograr o comunicador. Apenas haverá lesão a algum direito quando a intimidade, a privacidade, for agredida indevidamente. Diante de dois direitos, o da intimidade e o da contrariedade, a verdade real não pode ficar prejudicada pelo sacrifício do segundo.

(…) Nélson Hungria, mostrando sua sensibilidade jurídica, ensinava que "a desconcertante versatilidade dos fatos humanos e o constante progresso dos métodos técnicos aplicáveis à investigação criminal podem exigir ou justificar a adoção de meios probatórios estranhos à experiência do passado, sobre a qual se baseia a exemplificação da lei" ("A liberdade dos meios de prova", Revista Jurídica, 33/5, 1958). Pontes de Miranda pontifica com sua orientação sempre precisa. Esclarece que "os microfilmes, os slides, gravadores embutidos em estantes, mesas ou paredes, os computadores e outros meios de reprodução ou gravação não têm proibição. O que se há de examinar é aquilo que colhe, porque o conteúdo é que pode ofender o direito ao sigilo, ou não ser, por outro motivo, moralmente legítimo. (…).

Entende-se, pois, como ilícitas ou moralmente ilegítimas as provas quando ofenderem a expressa disposição legal.

O vício estará na supressão de trechos, no enxerto de alguma

expressão ou frase, possibilitando a deturpação do quanto foi dito. Todavia, se o conteúdo for autêntico, não poderá haver dúvida na recepção a ser feita pelo direito processual. O produto da prova não será ilícito.

(…) Vedada está pela Constituição Federal a interferência de terceiro no interior do diálogo, sem aceitação do comunicador-receptor. Inadmissível se afigura que alguém, estranho ao diálogo, passe a dele fazer parte, indevidamente, ilicitamente. O que veda a Constituição é que alguém tenha acesso a conversa telefônica travada entre duas pessoas que não querem a intervenção do terceiro. Enquanto a conversa está sendo travada entre aqueles que aceitam o destinatário como comunicador, sem problemas a gravação. É que, o que deveria estar apenas na memória do destinatário, passa a figurar em fita magnética, guardando o diálogo e mantendo a salvo seu conteúdo.

O "moralmente ilícito" previsto na legislação processual, é a interferência de terceiro. A escolha do interlocutor é livre pelo emissor da mensagem. A ele poderá expender todo seu pensamento. O interlocutor poderá gravá-la. Poderá utilizá-la para prova em processo, uma vez que houvesse expressa vontade de manifestar o pensamento àquele. Poderá, também ceder a gravação da mensagem a terceiro, para uso no processo, porque recebeu a gravação ou efetuou-a de forma lícita. O que não tem sentido é a interferência, a intervenção no diálogo alheio, colhendo de forma insidiosa e ilícita a comunicação de que não faz parte.

Como se vê, nada há que impeça seja a fita magnética verificada por técnico, a fim de que produza prova em juízo".

95. No Supremo Tribunal Federal, a questão já foi tratada em diversos precedentes, podendo-se mencionar o seguinte:

HABEAS CORPUS N. 75.338-8 RIO DE JANEIRO

VOTO

"O SR. MINISTRO CARLOS VELLOSO – Sr. Presidente, a Constituição da República estabelece no inciso XII do art. 5.º:

(…) A Constituição, no ponto, está a proibir a interceptação das comunicações telefônicas. É dizer: terceiro intercepta conversas por telefone, de duas outras pessoas. Como não há direitos absolutos, esse direito cede ao interesse da justiça, ao interesse social e ao interesse público. Portanto, essa proibição sofre exceção. A lei estabelecerá os casos em que isso será possível.

No caso, Sr. Presidente, um dos interlocutores, gravar conversa havida entre ambos; isso não se inclui na proibição referida no art. 5º, inciso XII. Em voto que proferi nesta Casa lembrado pelo eminente Ministro-Relator, Inquérito 657 – caso "Magri" -, sustentei a tese no sentido de que não há ilicitude no fato de um dos interlocutores gravar a conversa havida entre ambos a fim de, por exemplo, realizar prova dessa conversa.

Em certos casos essa gravação pode ferir princípios éticos. Isto não ocorre, entretanto, na gravação da conversa em que um dos interlocutores por exemplo, chantageia o outro, faz propostas ilícitas ao outro, solicita vantagem ilícita, etc. Penso que é de interesse o interlocutor, que está sendo chantageado, gravar a conversa, a fim de realizar prova, posteriormente.

Dir-se-á que a gravação seria ofensiva ao art. 5º, inciso X, da Constituição, a dizer: "Art. 5º ……………………..

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;"

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