Conclusão

Conclusão: MP que altera prazo para embargos de devedor é ilegal.

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17 de agosto de 2001, 10h58

“Garantida a execução ou penhorados os bens, terá o executado cinco dias para apresentar embargos, cabendo igual prazo ao exeqüente para impugnação”. Esta é a redação que se consolidou na CLT do art. 884. Todavia, a redação deste dispositivo consolidado foi modificada pela Medida Provisória nº 2.102-31. Pela mudança, o prazo passou a ser de trinta dias.

Não obstante, o TST em decisão recente pacificou o entendimento de que o disposto no art. 884 da CLT é inaplicável ao Poder Público. A inclusão do art. 884 da CLT na ampliação do prazo de cinco dias para trinta dias para o devedor oferecer seus embargos do devedor penaliza o trabalhador, beneficiando o devedor privado a quem o referido dispositivo legal se aplica, com exclusividade.

Certo que a jurisprudência vinha se manifestando pela inaplicabilidade ao Poder Público do disposto no art. 730 do CPC. Em nosso entender a MP é inconstitucional. Além disso, diante do entendimento pacificado pelo TST, indagamos:

a)- de que serve ao Poder Público a alteração do art. 884 da CLT?

b)- não lhe tendo trazido proveito e tendo prejudicado diretamente o trabalhador no seu direito de recebimento de seu crédito alimentar no menor lapso de tempo possível, resta, ainda, qualquer interesse do Estado na mantença e alteração do prazo de cinco para trinta dias para o devedor privado opor os seus Embargos do Devedor?

Veja estudos e jurisprudência sobre o assunto.

Na execução trabalhista a tutela a ser prestada é a da garantia do direito a ser satisfeito e não a da proteção aos atos de resistência a obrigação incumprida. O Direito do Trabalho se notabilizou por seus méritos de buscar a efetividade na entrega da prestação jurisdicional, pela simplicidade, oralidade, economia processual, visando solução rápida no reconhecimento dos direitos resultantes dos créditos trabalhistas, que são de ordem pública, alimentares e indisponíveis, só podendo ser renunciáveis na presença do Juiz do Trabalho, como forma de evitar-se fraudes, como ressalva PINTO MARTINS: “(…) pois nesse caso não se pode dizer que o empregado esteja sendo forçado a fazê-lo” (MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho, 8ª edição, SP Edit. Atlas, 1999).

Ainda, sobre esta mesma questão, da indisponibilidade e da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas, citamos os sábios ensinamentos da emérita Professora Aldacy Rachid Coutinho da Universidade Federal do Paraná: “No direito do trabalho, unânime a aceitação de que a regra é a inderrogabilidade relativa das regras jurídicas, máxime diante dos arts. 9º, 444 e 468, da Consolidação das Leis do Trabalho; as partes interessadas podem dispor, sim, desde que não contrariem os patamares mínimo e máximo estabelecido pelo ordenamento jurídico, quer em lei, quer em instrumento normativo da categoria, sob pena de nulidade (…).

Os direitos dos trabalhadores, quer os previstos em lei, quer os negociados em acordos, convenções coletivas ou previstos em sentença normativa, assim como os abrangidos por normas emanadas de autoridades administrativas no exercício de sua competência legal, se inserem nos contratos individuais de trabalho, tornando irrenunciáveis as respectivas cláusulas”. (A INDISPONIBILIDADE DE DIREITOS TRABALHISTAS, monografia publicada na Revista da Faculdade de Direito da UFPR Vol. 33 – 2000, pág. 09).

Na CLT, o prazo para o devedor oferecer sua insurgência quanto aos cálculos de liquidação (embargos do devedor), sempre foi de cinco dias (art. 884). Já no Direito Civil, o CPC, disciplina a matéria de modo diverso, o art. 730 para regular a pessoa do devedor (público) e o art. 738, a pessoa do devedor privado.

A Medida Provisória nº 2.102-31, de 24.05.2001 (DOU 25.05.2001) em seu art. 1-B, alterou profundamente o regrado pelo art. 884 da CLT, senão vejamos: “O prazo a que se refere o caput dos arts. 730 do CPC e 884 da CLT, aprovada pelo Dec. Lei 4.452/43, passa a ser de trinta dias”. Estendeu, assim, a referida MP, o prazo dos embargos do devedor privado que era de cinco, para trinta dias, privilegiando-se equivocadamente os atos de resistência à obrigação incumprida, ao invés de proteger-se o direito à necessidade da garantia do direito a ser satisfeito. Assim, no Direito do Trabalho, que tem natureza tutelar e com origem do crédito de ordem alimentar o prazo do devedor privado ao invés de permanecer nos cinco dias, passou a ser de 30 dias.

No Direito Civil, onde o crédito tem natureza meramente patrimonial, o prazo do devedor privado continuou a ser o mesmo de antes, inalterado, de dez, já que o art. 738, que se refere ao devedor privado, não foi alterado. A inversão de objetivos é injustificada. A nosso ver, a inconstitucionalidade da MP nº 2.102-31, de 24.05.2001 (DOU 25.05.2001) é manifesta, não se encontrando presentes na espécie a necessária relevância e urgência – requisitos absolutamente necessários à validade de qualquer Medida Provisória, como se extrai do exame do art. 62 da Constituição Federal.

Além do mais, Medida Provisória não é instrumento jurídico válido para legislar sobre processo, havendo, portanto, incompatibilidade entre prazo processual e a relevância e urgência, que autorizaria a edição de uma Medida Provisória válida.

Neste sentido, estamos de pleno acordo com os ensinamentos do emérito doutrinador pátrio José Augusto Rodrigues Pinto, que na brilhante monografia a este respeito publicou na LTR 65-04-411/413: “A competência para legislar sobre processo (em cujo contexto estão inseridos os prazos) e não se confunde com a iniciativa da lei) é a da competência da União (que não se confunde com o Presidente da República, apenas representante de um dos seus círculos de Poder).

Logo, prazo processual não pode emanar de ato monocrático e unipessoal do Presidente da República. A norma dispondo sobre prazo processual tem que ser essencialmente duradoura, como contrapartida à estabilidade que é da essência do processo garantir às relações engendradas à sua sobra. A disciplina do prazo processual tem o atributo da permanência, como penhor da segurança da garantia de ampla defesa.

Somando-se esses fatores, chega-se à perfeita noção de incompatibilidade entre o prazo processual e a relevância e a urgência – própria da medida provisória”. A nosso ver, o Governo Federal uma vez mais errou na sua sanha legislativa, desprestigiando o Poder Legislativo. A alteração do art. 884 da CLT de nada lhe serviu, já que o prazo ali previsto é restrito ao devedor privado e não à administração pública, cujo prazo de opor embargos do devedor é o regulado pelo art. 730 do CPC.

Neste sentido, o Colendo TST acaba de decidir: “EMBARGOS À EXECUÇÃO – FAZENDA PÚBLICA – PRAZO – ART. 730 DO CPC – APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA AO PROCESSO DO TRABALHO – VIOLAÇÃO DO ART. 5º, LV, DA CF – CONFIGURAÇÃO. O artigo 884 da CLT, ao prever o prazo de cinco dias destinado à oposição dos embargos à execução (redação anterior à Medida Provisória nº 2102), tem aplicação apenas às pessoas de direito privado, na medida em que alude à garantia da execução e à penhora de bens como pressupostos para a prática do ato.

Realmente, considerando que os bens pertencentes à União, Estados, Municípios e Distrito Federal são impenhoráveis, não há como se proceder à sua expropriação mediante aplicação do rito comum de execução previsto na legislação consolidada. Nesse contexto, por força da inequívoca omissão da CLT, no tocante ao regramento da matéria, devem ser aplicadas, de forma subsidiária, as disposições pertinentes do Código de Processo Civil (art. 730), que fixam, em 10 (dez) dias, o prazo para a fazenda pública apresentar embargos à execução, sem qualquer cominação de penhora. Recurso de revista provido”. (TST-RR Nº 493723/98, 4ªT, Rel. Min. Milton de Moura França, in DJU em 24-05/2001, pág. 681).

Com esta decisão o C. TST pacifica o entendimento no sentido de que o disposto no art. 884 da CLT não lhe é aplicável, sendo que seu prazo para oferecer os Embargos do Devedor é o do art. 730 do CPC, refutando, assim, qualquer posicionamento jurisprudencial em contrário, como o que se extrai do que já decidiu o TRT da Quarta Região: “EMBARGOS À EXECUÇÃO – PRAZO – PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO – No processo trabalhista, o prazo para interposição de embargos à execução está previsto expressamente no art. 884 da Consolidação das Leis do Trabalho, o que torna inaplicável subsidiariamente o disposto no art. 730 do Código de Processo Civil, em favor das entidades de direito público” (TRT 4ª R. – AP 00516.741/94-2 – 3ª T, Rel. Juíza Nires Maciel de Oliveira, J. em 04.05.2000).

O autor é advogado trabalhista em Curitiba e em Paranaguá, Diretor de Assuntos Legislativos da Abrat (Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas), integrante do corpo técnico do Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar) e da comissão de imprensa da AAT-PR (Associação dos Advogados Trabalhistas do PR)

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