Imposição suspensa

Liminar desobriga escritório de cumprir regras do Plano de Energia

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9 de agosto de 2001, 12h28

O escritório de advocacia Trevisioli Advogados Associados não precisa cumprir as regras de racionamento de energia impostas pelo governo. A decisão é do juiz titular da 10ª Vara Federal, Djalma Moreira Gomes, ao manter a liminar favorável ao escritório.

Os advogados Álvaro Trevisioli e Jeferson Nardi, representantes do escritório, haviam entrado com um Mandado de Segurança. A liminar foi concedida pelo juiz da 10ª Vara da Justiça Federal em São Paulo, Hong Kou Hen, e confirmada posteriormente.

No dia 29 de junho, o Supremo Tribunal Federal julgou a Ação Declaratória de Constitucionalidade. O STF considerou que o Plano de Racionamento é constitucional. Baseada nesta decisão, no dia 11 de julho, a Advocacia-Geral da União pediu que o juiz reconsiderasse a liminar concedida ao escritório.

Mas Gomes entendeu que a liminar deveria ser mantida porque foi concedida antes do julgamento do STF. “A respeitável decisão de fls 107/114, que, com pena de ouro, apreciou a questão trazida a juízo, foi proferida (em 19/06/01) quando não havia qualquer óbice a que o controle de constitucionalidade fosse realizado também pela via do controle difuso. Assim, nada há ser reconsiderado ficando, pois, indeferido o pedido de fls 165/166”, afirma.

De acordo com Nardi, o escritório não teria como cumprir a meta porque aumentou o número de funcionários e computadores. “O juiz acatou o argumento de que a MP que institui o Plano de Racionamento é inconstitucional”, disse. Na ação, o escritório alegou que os artigos 14, 15, 16, 17 e 18 que tratam de redução, cortes e sobretaxas de energia ferem a Constituição Federal.

Na sua opinião, o Supremo agiu de forma política ao julgar a ADC. “Se a MP que institui o Plano de Racionamento fosse levada à um seminário até os estudantes de Direito perceberiam tamanha inconstitucionalidade”, afirmou.

Veja a liminar que autoriza o descumprimento do Plano de Racionamento.

Poder Judiciário

Justiça Federal

10ª Vara Cível Federal de São Paulo – SP

Autos nº 2001.61.00.015248-6

Impetrante: Trevisioli Advogados Associados S/C

Impetrados: Presidente da Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica – GCE

Delegado da Agencia Nacional de Energia Elétrica – Aneel em São Paulo

Presidente da Eletropaulo Metropolitana eletricidade de São Paulo S/A

Visto em Pedido de Medida Liminar

Pretende o impetrante a concessão de medida liminar para afastar os efeitos da legislação infraconstitucional que impõe limites ao consumo de energia elétrica e sanções na hipótese de inobservância das “metas” impostas.

É o relato. Decido.

A Medida Provisória 2.155-2 de 01/06/2001, sucessora das Medidas Provisórias 2.147 de 15/05/2001 e 2.148 de 22/05/2001, ao criar e instalar a “Câmara de Gestão de Energia Elétrica, do Conselho de Governo” e estabelecer “diretrizes para programas de enfrentamento da crise de energia elétrica”, determinou o seguinte:

Art. 14. Os consumidores residenciais deverão observar meta de consumo de energia elétrica correspondente a:

I – cem por cento da média do consumo mensal verificado nos meses de maio, junho e julho de 2000, para aquelas cuja média de consumo mensal seja inferior ou igual a 100 KWh; e

II – oitenta por cento da media do consumo mensal verificado nos meses de maio, junho e julho de 2000, para aquelas cuja média de consumo mensal seja superior a 100 kWh, garantida, em qualquer caso, a meta mensal mínima de 100 kWh.

Parágrafo 2º Os consumidores que descumprirem a respectiva meta mensal fixada na forma de caput ficarão sujeitos a suspensão do fornecimento de energia elétrica.

Parágrafo 3º O disposto no parágrafo 2º não se aplica aos consumidores que, no mesmo período, apresentarem consumo mensal inferior ou igual a 100 kWh.

Parágrafo 4º A suspensão de fornecimento de energia elétrica a que se refere o parágrafo 2º observará as seguintes regras:

I – a meta fixada na forma de Resolução da GCE será observada a partir da leitura do consumo realizada em junho de 2001.

II – será o consumidor advertido, por escrito, quando da primeira inobservância da meta fixada na forma do caput;

III – reiterada a inobservância da meta, far-se-á, após quarenta e oito horas da entrega da conta que caracterizar o descumprimento da meta e contiver o aviso respectivo, a suspensão do fornecimento de energia elétrica, que terá a duração:

a) máxima de três dias, quando da primeira suspensão do fornecimento; e

b) mínima de quatro dias a máxima de seis dias, nas suspensões subseqüentes.

Art. 15. Aplicam-se aos consumidores residenciais, a partir de 4 de junho de 2001, as seguintes tarifas:

I – para a parcela do consumo mensal inferior ou igual a 200 kWh, a tarifa estabelecida em Resolução da Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL;


II – para a parcela do consumo mensal superior a 200 kWh e inferior ou igual a 500 kWh, a tanta estabelecida em Resolução da ANEEL acrescida de cinqüenta por cento do respectivo valor;

III – para a parcela do consumo mensal superior a 500 kWh, a tarifa estabelecida em Resolução da ANEEL acrescida de duzentos por cento do respectivo valor.

Art. 16. Os consumidores comerciais, industriais, do setor de serviços e outras atividades enquadrados no grupo B constante do inciso XXIII do art. 2º da Resolução ANEEL nº 456, de 2000, deverão observar meta de consumo de energia elétrica correspondente a oitenta por cento da média do consumo mensal verificado nos meses de maio, junho e julho de 2000.

Parágrafo 1º Caso o consumo mensal seja inferior à meta fixada na forma do caput, o saldo em kWh, a critério do consumidor, será acumulado para eventual uso futuro ou a distribuidora poderá adquirir a parcela inferior à meta, através de mecanismo de leilões na forma a ser regulamentada pela GCE.

Parágrafo 2º Caso o consumo mensal seja superior à meta fixada na forma de caput, a parcela do consumo mensal excedente será adquirida junto às concessionárias distribuidoras ao preço praticado na MAE ou compensada com eventual saldo acumulado na forma do parágrafo 1º.

Parágrafo 3º Os consumidores que descumprirem a respectiva meta fixada na forma do caput ficarão sujeitos a suspensão do fornecimento de energia elétrica, caso inviabilizada a compensação prevista no parágrafo 2º.

Parágrafo 4º A suspensão de fornecimento de energia elétrica a que se refere o parágrafo 3º terá como critério de aplicação de um dia para cada três por cento de ultrapassagem da meta.

Art. 17. Os consumidores comerciais, industriais e do setor de serviços

e outras atividades enquadrados no grupo A constante do inciso XXII art. 2º da Resolução ANEEL nº 456, de 2000, deverão observar metas de consumo de energia elétrica correspondentes a percentuais compreendidos entre setenta e cinco e oitenta e cinco por cento da média do consumo mensal verificado nos meses de maio, junho e julho de 2000, na forma estabelecida pela GCE, que disporá inclusive sobre as hipóteses de regime especial de tentação e de suspensão e interrupção do fornecimento de energia elétrica decorrentes do descumprimento das respectivas meta.

Art. 18. Os consumidores rurais deverão observar meta de consumo de energia elétrica correspondente a noventa por cento da média do consumo mensal verificada nos meses de maio, junho e julho de 2000.

Parágrafo 1º Os consumidores que descumprirem a respectiva meta fixada na forma do caput ficarão sujeitos a suspensão do fornecimento de energia elétrica.

Parágrafo 2º À suspensão de fornecimento de energia elétrica a que se refere o parágrafo 1º será aplicada o critério de um dia para cada seis por cento de ultrapassagem da meta.

Os pontos contra os quais insurge-se o impetrante dizem respeito à limitação do consumo, à imposição de adicional pecuniário pelo consumo excedente ao referido limite e suspensão o/ou interrupção do fornecimento.

A limitação ao consumo de energia elétrica traduz-se em media salutar como forma de coibir o uso imoderado e irracional dos recursos enérgicos, circunstâncias que implicam no desperdício de energia.

Ocorre, no entanto, que as regras restritivas de consumo impostas pela medida provisória supra mencionada, especialmente no que diz respeito à cobrança de adicional sobre a tarifa e a possibilidade de suspensão e/ou interrupção do fornecimento, possuindo evidente natureza punitiva, não observam a necessária correlação lógica e jurídica entre a infração e sua pena.

Ora, como é cediço e ínsito de qualquer ordenamento jurídico moderno, a imposição de uma pena, seja ela de natureza civil, penal ou administrativa pressupõe a prática de uma conduta qualificada como inadequada, imprópria ou contrária aos interesses sociais.

Pois bem, examinando o teor da Medida Provisória não vislumbro qualquer correlação lógica entre as penas previstas (adicional pecuniária e interrupção do fornecimento) e a conduta que o Executivo de União reputa ilegal (consumo de energia acima da “meta”), isto porque, a premissa ou conduta eleita pelo texto normativo (consumo de energia acima da meta) para justificar a aplicação das penas é equivocado, eis que, a conduta de consumir energia não se traduz em ato inadequado, impróprio ou contrário aos interesses sociais, seja esse consumo acima ou abaixo da “meta”.

A punição do consumidor com as penas prevista na MP, seja ele o residencial ou o não-residencial, somente poderia ser autorizado se restasse caracterizado, após regular processo administrativo, o efetivo desperdício da energia fornecida decorrente de seu uso imoderado e/ou abusivo. O simples consumo de energia acima da “meta”, meta essa fixada de forma arbitrária e desprovida da necessária fundamentação, não autoriza a punição do consumidor.


A “solução” adotada na MP não atinge o objetivo que seria o de evitar o temível “apagão”, isto porque, claro como o Sol, somente se evita a falta de energia com a produção de mais energia e não com a punição do consumidor.

Neste sentido, é válida a transcrição de parte da matéria escrita pelo sempre lúcido e eminente jurista Saulo Ramos, veiculada pela “Folha de São Paulo” de 25/05/2001, com o título de “O choque do genro”:

“…A verdade verdadeira é uma só: vai haver apagão e procura-se desde logo lançar a culpa no povo por não ter economizado energia. Os economistas conceberam o plano bem ao estilo deles: enquanto houver energia, produzida pela água que resta, aumenta-se astronomicamente o preço e ganha-se muito dinheiro com a crise. Depois, com as represas vazias, mas com os cofres cheios, culpa-se o povo pelo futuro apagão porque pagou mais não apagou o suficiente.

É simples: o problema decorre da flata de água nas represas e, na verdade, da flata de linhões (linhas de transmissão) que interligassem a geradoras de todo o país, para que fossem reciprocamente socorridas uma pelas outras nas épocas de escassez, circunstância prevista há muito tempo.

Assim, se alguém apagar todas as luzes de sua casa, não haverá de aumentar a água que aciona as turbinas geradoras. Por uma questão de lógica elementar, a energia já produzida está ali, no poste; tanto está que se pode acender a luz apertando o botão da tomada. Se isso ocorre, a água da represa já passou pela turbina para gerar a energia da lâmpada que se acendeu e aparentemente de nada valerá deixa-la apagada. As bacias de água não aumentam as capacidades em razão da lâmpada apagada e, sim, de obras de captação, conservação, previsão e – o que já era sabido havia muito tempo – investimentos que antecedam os previsíveis crescimentos da demanda. Desatendidas essas previdências, que ao governo incumbiam, surgiu a idéia de fatura alto enquanto a água estiver baixa…

O Estado, segundo o direito constitucional, tem obrigação de fornecer os recursos de infra-estrutura para a sociedade trabalhar e viver. Saúde, estradas, água, esgotos, eletricidade e outros.

A partir da tese de multar ou cobrar preços confiscatórios de alguém que exceda uma quota de consumo de eletricidade, passará a ser admissível multar também as pessoas que ficarem doentes acima de uma quota a ser fixada pela burocracia. Ou multar, na defesa dos esgotos, quem for ao banheiro miais do que uma vez por dia, calculando-se a quantidade de detritos produzidos conforme a capacidade de o brasileiro se alimentar, que seria mínima na média geral…

O Judiciário vai examinar (e como) a legalidade das medidas executadas pelo governo; a cobrança excessiva pelo fornecimento dentro da quota de consumo permitida pelo próprio contrato, que nenhuma medida provisória pode alterar. Corte de fornecimento pelo consumo com pagamento em dia, direito adquirido que nenhuma lei nova, mesmo muito burra, pode extinguir…”

Assim, os fundamentos lógicos, fáticos e sociais supra referidos seriam suficientes, por si só, para o acolhimento da pretensão articulado na exordial.

Não obstante, confrontando as regras da infeliz Medida Provisória com o ordenamento jurídico em vigor, a conclusão é óbvia, ou seja, as normas ora atacadas não podem e não devem subsistir.

A interrupção do fornecimento de energia de forma intencional e provocada, implica em flagrante violação ao Código de Proteção a Defesa do Consumidor, eis que, como já consagrado nos nossos tribunais, o fornecimento de energia, bem como o de água são considerados serviços essenciais, não se sujeitando, portanto, á cortes e interrupções. Orientação válida a todos os consumidores residenciais ou não residenciais.

Por seu turno, a imposição de adicional pecuniário (vulgo “sobretaxa”) viola o Princípio constitucional do Não-Confisco, o Princípio da Legalidade, entre outros.

Claro, portanto, que existem incontáveis motivos, sejam os de natureza jurídica e os de meta-jurídicos, que justificam a concessão da medida liminar pleiteada.

Pelo exposto, presentes os requisitos do art. 7º, II da Lei 1.533/51, Defiro o Pedido de Medida Liminar, para determinar aos impetrados que se abstenham de exigir do impetrante o pagamento de qualquer valor, além da tarifa ordinária, à titulo de “sobretaxa ou sobre tarifa” pelo consumo de energia acima da “meta”, bem como se abstenham de suspender ou interromper o fornecimento de energia elétrica, pela não observância da “meta”.

Oficie-se às autoridades impetradas para que cumpram esta decisão, e para prestarem informações no prazo de 10 (dez) dias.

Decorrido o prazo, com ou sem as informações, vista dos autos ao MPF.

Int.

São Paulo, 19 de junho de 2001.

Hong Kou Hen

Juiz Federal Substituto

10ª Vara Cível Federal de São Paulo

Veja a confirmação da liminar.

Poder Judiciário

Justiça Federal

Em 18 de julho de 2001, faço estes autos conclusos ao MM Juiz Federal Dr. Djalma Moreira Gomes. Eu, Oficial Judiciário.

(Autos nº 2001.61.00.015248-6)

Vistos etc.

Tendo sido concedida medida liminar que impediu a cobrança de “sobretaxa”, bem como a interrupção do fornecimento de energia elétrica, em caso de vir a ser superada, pela impetrante a meta estabelecida pela companhia energética, a União Federal, com base na decisão proferida pelo Pleno do E. STF, em 27.06.01 (fl. 167), a qual suspendeu, “com eficácia “ex tunc” e com efeito vinculante, até final julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 9-6, a prolação de qualquer decisão que tenha por pressuposto a constitucionalidade ou inconstitucionalidade dos artigos 14 a 18 da Medida Provisória nº 2.152-2, de 10 de junho de 2001″, requer a reconsideração da decisão concessiva da liminar, “determinando, por conseguinte, que se expeça contra-ordem de possível mandado expedido para as concessionárias de energia elétrica (fl. 166).

A respeitável decisão de fls. 107/114, que, com pena de ouro, apreciou a questão trazida a juízo, foi preferida (em 19.06.01) quando não havia qualquer óbice a que o controle de constitucionalidade fosse realizado também pela via do controle difuso.

Assim, nada há a ser reconsiderado, ficando, pois, indeferido o pedido de fls. 165/166.

Intimem-se.

São Paulo, 18 de julho de 2001.

Djalma Moreira Gomes

Juiz Federal

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