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Professor critica criação de agências reguladoras no Brasil

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8 de agosto de 2001, 12h56

“Aquele direito privado que fizera do contrato o instrumento por excelência da vida econômica e a expressão insubstituível da autonomia privada e, da propriedade, um direito natural do homem sobre o qual se apoiaria a vida econômica da sociedade e dele próprio, não mais existe onde já se implantou a nova economia coordenada e dirigida pelo Estado. Ele se fragmenta e cede terreno ao Direito Econômico”. Orlando Gomes e Antunes Varela (in Direito Econômico, Ed. Saraiva, 1977) já constatavam, há 24 anos, esta verdade que, dia a dia, cristaliza-se de forma mais clara.

Assim, de maneira difusa a princípio e hoje verdade cristalina, o desenvolvimento do mundo ocidental, regido pelo liberalismo, tem levado a uma concentração econômica dos meios de produção.

Assistimos, nos últimos anos, grandes fusões de empresas e bancos serem anunciadas, não sendo possível ignorar que, contemporaneamente, passamos por uma fase histórica de concentração ímpar de capitais.

O Brasil, mesmo que uma economia à margem do centro de decisões, sofre e reflete esta tendência, sendo hoje já muito óbvio a substituição da iniciativa estatal por empresas privadas, que assumiram.

A telefonia, a energia elétrica, o sistema bancário, etc.

Neste diapasão, ponto a ponto surgiu no espírito legislativo nacional, a idéia de criarmos agências reguladoras das atividades econômicas entregues à iniciativa privada. E, assim, foram criadas a ANEEL, ANATEL, ANP, etc. Muito embora seja importante consignar que já tínhamos um embrião desta iniciativa na Comissão de Valores Mobiliários e Conselho Monetário Nacional.

O que significa reconhecer tal fato jurídico?

Significa dizer que a área econômica afeita à questão será regulada pelas diretrizes da respectiva agência, visto que a principal característica diferenciadora deste novo ente público (que querem os europeus nominarem de entes públicos abstratos) é sua capacidade normativa, seja expedindo portarias, seja baixando regulamentos. Desta maneira, surge em nosso processo legislativo e judiciário um novo elemento, tal o seja, a agência reguladora.

Este ente público, que goza de certa independência do poder estatal e tem poder de regulação, irá, a um só tempo emitir normas, legislando, portanto, dentro da esfera de sua competência e, mais ainda, julgará os conflitos que surgirem sobre a matéria.

Se lembrarmos o amplo espectro econômico que estes setores afetam a economia (que enfim significa dizer cidadãos), podemos ter vaga idéia do quanto da parcela de soberania do Estado está sendo transferida a ditas agências.

Em princípio, frente à realidade econômica global, seria a “agenciação” o meio menos pior de antepor-se o equilíbrio moderador entre os grandes capitais e a sociedade. Contudo, em um país como o Brasil, aonde a representação política carece de ampla reforma (voto distrital, fidelidade partidária, vinculação ideológica, etc.), perde-se o contrapeso da agência, que teria de estar em comissões legislativas e entrega-se o galinheiro ao lobo.

Basta pensarmos, por exemplo, no caráter regulador exercido pelo Conselho Monetário Nacional que controla e normatiza o sistema bancário nacional, para concluirmos a lástima que tal iniciativa irá resultar.

Sem um poder estatal soberano a agência “morderá o freio”, transformando-se em feudos dos capitais interessados naqueles campos econômicos, não hesitando, para tanto, em sacrificar, no altar de seus balanços, os consumidores que dependem de seus serviços.

Enfim, o pior, do ponto de vista jurídica, é que a criação das agências, atribuindo-lhes não só poder normativo, mas também regulador (que em síntese significa julgador) tende a afastar o Poder Judiciário destas questões, criando falsa capa de legalidade, aonde o cidadão ver-se-à só e desamparado. Ao Poder Judiciário somente restará competência para julgar as matérias que não estiverem na competência das agências.

Este fato ofende a garantia do acesso à Justiça e ofende a Jurisdição, agredindo mesmo o cerne da legitimidade democrática, visto que impõe a milhões leis (normativas) emanadas de burocratas sem representação legislativa.

Com todas as mazelas, de toda ordem, de nossa Justiça, com toda certeza, estamos caminhando para o pior porquanto, ainda, o Poder Jurisdicional é quem garante ao cidadão seu maior meio de defesa contra o abuso do poder econômico.

Triste será se tivermos, no século XXI, concordar com Engels quando vaticinou que “a cada progresso da civilização é ao mesmo tempo um novo progresso da desigualdade. Todas as instituições que a sociedade cria, nascida da civilização, frustram seu fim primitivo… levando essa opressão até o ponto em que a desigualdade, levada ao extremo, se muda de novo em sua contrária e chega mesmo a ser causa d igualdade: perante o déspota todos são iguais: iguais a nada”.

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