Vitórias omitidas

Advogado diz que vitórias de indústria tabagista são omitidas

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27 de abril de 2001, 0h00

De tempos em tempos a imprensa nacional e internacional tem registrado ações judiciais contra a indústria de tabaco nos EUA, registros, muitas vezes, feitos de forma incompleta ou distorcida, gerando a falsa idéia de que fumantes e ex-fumantes têm se beneficiado de indenizações milionárias pagas pelos fabricantes, as quais se somam polpudos honorários de advogados.

As muitas vitórias e os sucessos quase universais da indústria são geralmente omitidos do grande público, o que é até compreensível visto que a notícia, o furo jornalístico, está na novidade, na ruptura dos acontecimentos previsíveis, muitas vezes dando-se menos importância aos fatos do que à versão dos fatos. Este artigo tem o propósito de registrar os fatos, tal como eles se apresentam, fazendo um balanço real dos ganhos e perdas da indústria de tabaco ao longo de quase 50 anos de ações judiciais.

Ações de reembolso de despesas médicas propostas nos EUA

As ações judiciais de Governos estrangeiros não tiveram sucesso. Até hoje, catorze governos estrangeiros propuseram ações contra a indústria de tabaco nos EUA reclamando reembolso de despesas médicas. O principal atrativo dessas ações tem sido a falsa idéia de que a indústria irá fazer acordo, a exemplo do Master Settlement Agreement assinado em 1998 com os Procuradores Gerais americanos, abaixo comentado. Passa-se a idéia, igualmente falsa, de que existe dinheiro fácil à disposição de quem aparecer primeiro.

Alegam os Governos estrangeiros que os recursos despendidos com o tratamento de doenças associadas ao tabaco superam os valores arrecadados com os altíssimos impostos pagos pela indústria.

Advogados americanos que militam na chamada indústria da indenização têm viajado por toda a América Latina tentando convencer Governos carentes de recursos a propor ações de reembolso de despesas médicas nos EUA, sempre acenando com a idéia de um processo sem custo financeiro para os contratantes, seguido de acordo imediato com a indústria.

A indústria, no entanto, mandou um recado claro de que não haverá dinheiro fácil. Longe de se cogitar de qualquer tipo de acordo, o que se tem visto é que a indústria de tabaco tem litigado intensamente em toda e qualquer ação judicial de governos estrangeiros.Como resultado, quatro das ações até hoje propostas foram retiradas ou extintas.

A Tailândia retirou sua ação em junho de 1999, pouco depois de se constatar que os advogados americanos haviam entrado com a ação sem autorização do seu “cliente”, o Governo tailandês. Em dezembro de 1999, a ação da Guatemala, que foi a primeira ação proposta por um governo estrangeiro, foi extinta por decisão de mérito, proferida pelo Juiz Friedman, da Corte Federal de Washington, D.C. Mais recentemente, em março de 2000, o mesmo Juiz Friedman extinguiu, também com julgamento de mérito, as ações propostas pela Nicarágua e pela Ucrânia.

A extinção das ações da Guatemala, da Nicarágua e da Ucrânia baseou-se, fundamentalmente, em um princípio de Direito assente há mais de 150 anos nos EUA, que impede a reclamação de danos indiretos. A Corte decidiu que as ações da Guatemala, da Nicarágua e da Ucrânia não tinham mérito porque os danos alegados pelos Governos, se existentes, teriam sido sofridos por pessoas (fumantes) que não são partes da ação. Esse princípio é conhecido nos EUA como remoteness doctrine e, para consternação dos Governos autores, foi aplicado nas ações da Guatemala, da Nicarágua e da Ucrânia ainda nos estágios preliminares, antes mesmo que as ações de fato começassem.

A Guatemala e a Nicarágua recorreram das decisões do Juiz Friedman. Entretanto, nada leva a crer que os recursos tenham alguma chance de sucesso. E isto pelo simples fato de que a doutrina do remoteness, que é parte da legislação americana há mais de 150 anos, foi também reconhecida por diversas outras Cortes estaduais e, mais importante ainda, por sete diferentes tribunais federais de recursos (US Circuit Courts) e pela própria Suprema Corte, que é a mais alta e definitiva instância judiciária americana.

Iguais decisões foram também proferidas em mais de 40 casos idênticos, movidos não por Governos estrangeiros, mas por sindicatos de trabalhadores e fundos de assistência médica, igualmente reclamando o reembolso de despesas supostamente incorridas com o tratamento de doenças associadas ao tabaco.

Mais recentementes foram proferidas outras duas decisões rejeitando esse tipo de ação. Uma nas Ilhas Marshall, que no passado foi protetorado americano e até hoje aplica não só a lei como também a jurisprudência americana, na qual o juiz faz severas críticas ao oportunismo desse tipo de ação, classificando-a como “um erro de proporções monumentais”.

A outra decisão deu-se no caso do Equador, no Condado de Dade, Flórida. Nas palavras do juiz “o Condado de Dade talvez seja o melhor lugar do mundo para um fumante processar uma companhia de tabaco, mas a Florida talvez seja o pior lugar dos Estados Unidos para os governos processar as companhias de tabaco”.


Estão atualmente em curso perante Cortes americanas ações de reembolso de despesas médicas propostas pela Bolívia, Equador, Panamá, Província de Ontário, Venezuela, Belize e por sete estados brasileiros (Tocantins, Mato Grosso do Sul, Tocantins, Espírito Santo, Goiás, todos na Florida, mais Rio de Janeiro em New Orleans, Lousianna e São Paulo na exótica cidade de Angelina, interior do Texas).

O Master Settlement Agreement não serve como referência para os Governos estrangeiros. A moda das ações de reembolso de despesas médicas teve início com uma ação proposta em 1994 pelo Estado do Mississippi. Vários outros estados norte-americanos propuseram ações similares nos anos seguintes. Em novembro de 1998, os fabricantes de cigarros, de um lado, e os Procuradores Gerais dos Estados, de outro lado, decidiram fazer um amplo acordo sobre a questão do tabaco, ao qual foi dado o nome de Master Settlement Agreement, ou simplesmemente MSA.

Esse acordo previu um aumento na carga tributária do cigarro, que de 35% passou a 50%, com um consequente aumento do preço ao consumidor final, a fim de gerar recursos a serem pagos aos Estados americanos ao longo de 25 anos. O MAS previu, também, uma ampla e uniforme regulamentação sobre a conduta comercial dos fabricantes, que incluiu restrições para a comercialização, distribuição, propaganda e marketing de cigarros, que até então estava sujeita a diversas e muitas vezes conflitantes legislações estaduais.

O acordo a que chegaram os fabricantes de cigarros e os Procuradores Gerais dos Estados americanos em 1998 não foi resultado de nenhuma derrota nas ações que até então haviam sido propostas, visto que nenhuma delas chegou sequer a ser julgada. Muito ao contrário, foi resultado de uma decisão comercial, amplamente discutida e aceita pelos Procuradores Gerais, que tem de ser vista dentro do contexto político e regulatório dos EUA, especialmente levando em conta a histórica controvérsia sobre o tabaco naquele país.

Ressalte-se que o MSA incluiu Estados cujas ações já haviam sido sumariamente extintas por impossibilidade jurídica do pedido. Ademais, o vulto do acordo tem de ser visto no contexto da incidência de impostos sobre o tabaco, relativamente baixa nos EUA, assim como no fato de que os pagamentos acordados estão ligados ao volume de vendas futuras e, portanto, serão custeados por meio de aumentos substanciais de preços: na prática, um aumento de impostos. O MSA também envolveu restrições de propaganda e marketing que já existem em muitos países, mas que não podiam ser implementadas nos EUA sem o consentimento da indústria devido à proteção constitucional do chamado “discurso comercial”.

Mesmo após a assinatura do MSA, várias ações judiciais do tipo “eu também” foram propostas por outras entidades nos EUA, incluindo governos municipais e de condados, seguradoras de saúde e sindicatos de trabalhadores. Em 31.12.1999 havia cerca de 60 ações de rembolso de despesas médicas contra a indústria nos EUA.

Em todas essas ações, invocou-se o MSA como precedente e sinalizador de que a indústria faria acordo rápido com os autores. Os fatos cuidaram de desfazer essa falsa expectativa. A vasta maioria das ações acabou sendo extinta no curso do ano 2000 e, como disse um tribunal americano, tais ações foram classificadas como um “fracasso retumbante” para os autores.

Mais, de todos esses casos, o único que conseguiu superar as questões preliminares e chegar a julgamento (trial) foi a ação proposta pelo Sindicato de Trabalhadores da Indústria do Ferro de Ohio. Em março de 1999, o juiz da Corte Federal de Ohio (US District Court – Northern District) permitiu que os autores (um grupo de mais de 100 fundos de assistência médica de sindicatos reivindicando US$ 2 bilhões) apresentassem seu caso a um júri. O júri ouviu as testemunhas durante três semanas e examinou centenas de documentos. Após, e aplicando a doutrina do remoteness, o júri considerou a ação totalmente improcedente, rejeitanto, por unanimidade, todos os pedidos dos autores.

Em três dessas ações movidas por sindicatos e/ou fundos de assistência médica, os autores apelaram para a Federal Supreme Court, que recusou o exame dos recursos. Conforme observado por um tribunal, o precedente que proíbe esse tipo de ação (remoteness doctrine) é “esmagador”. Outro tribunal – o mais alto tribunal em sessão em Nova York – indeferiu os pedidos dos autores como “inacreditavelmente especulativos”. Esses tribunais consideram que, devido ao fato de a seguradora ou outro terceiro pagador ter sido lesado apenas indiretamente em decorrência da lesão física de um fumante, a lesão do pagador é “remota demais” para permitir uma alegação direta contra os fabricantes de cigarros.

Além disso, os tribunais americanos têm reiteradamente advertido que permitir essas ações judiciais seria desastroso para o sistema judiciário, provocando o “caos” processual e uma “possível explosão” no âmbito da responsabilidade civil. A se admitir esse tipo de ação, indenizações por despesas médicas também poderiam ser reclamadas em ações de massa contra qualquer indústria – automóveis, cerveja, video games, fast food, teclados de computador, etc. – cujos produtos alegadamente aumentam o risco de doenças ou acidentes para os consumidores.


Ações individuais – a indústria continua tendo um esmagador registro de vitórias

As primeiras ações judiciais contra os fabricantes de cigarros dos EUA foram propostas em 1954. Desde então, mais de 2.700 ações foram propostas em tribunais estaduais e federais. No entanto, somente 34 casos individuais chegaram à fase de julgamento pelo mérito. Destes, três casos foram reformados em grau de recurso, um resultou em nenhuma condenação pecuniária contra os réus, dois atualmente são objeto de recurso e um logo será objeto de recurso.

Ações judiciais individuais normalmente são extintas bem antes da audiência de julgamento (trial). Por exemplo, no Estado da Flórida, 612 ações judiciais individuais foram propostas contra a indústria entre 1994 e 1999. Desses processos, 541 já foram extintos, ou voluntariamente pelo autor, ou pelo tribunal, devido às deficiências legais ou factuais do caso. Pedidos de extinção da ação ou de julgamento antecipado estão pendentes na maioria dos casos remanescentes.

Desde 1994, somente quatro das 612 ações individuais na Flórida tiveram decisão de mérito. Dois desses casos foram decididos a favor da indústria. Outros dois casos resultaram em decisões contra a indústria, mas ambos foram reformados em grau de recurso. Desse modo, de 612 ações individuais instauradas na Flórida durante os últimos seis anos, nenhuma teve decisão definitiva a favor dos autores.

Recentes decisões contra a indústria na costa oeste dos EUA foram objeto de atenção da mídia exatamente por serem absolutamente incomuns. Os fabricantes de cigarros (réus) perderam dois casos, um no início de 1999 e um no início de 2000, todos na costa oeste. Os dois casos são atualmente objeto de recurso.

Se considerado o universo de 2.700 casos, dos quais apenas 2 resultaram em decisões desfavoráveis à indústria, e ainda assim em decisões que não são definitivas, porquanto foram ou estão sendo recorridas, o que se verifica é uma enorme relutância das cortes e jurados americanos de transferir aos fabricantes a responsabilidade do fumante pela sua decisão de fumar.

Ações coletivas

Os tribunais dos EUA têm rejeitado de modo consistente as tentativas dos fumantes de propor ações coletivas contra a indústria do tabaco. Neste tipo de ação, alguns autores individuais buscam representar uma “classe” de todos os fumantes (freqüentemente centenas ou milhares) em uma área geográfica específica, como, por exemplo, um Estado inteiro. Os tribunais têm reiteradamente decidido que essas ações não podem ser aceitas porque questões cruciais têm de ser decididas individualmente, como, por exemplo, se a alegada doença foi diretamente causada pelo cigarro, se o indivíduo é de fato dependente, se a propaganda é de fato enganosa, etc… Assim, em quase todos os casos, não se tem permitido o prosseguimento de ações coletivas. Até hoje, a certificação coletiva foi negada ou reformada por tribunais em 20 ações coletivas envolvendo a Philip Morris nos EUA.

Nenhuma ação coletiva contra a indústria de cigarros jamais sobreviveu até a revisão do tribunal de apelação nos Estados Unidos. Por exemplo, em Barnes v. American Tobacco Co., o tribunal de apelação confirmou unanimemente a decisão da corte distrital que recusou certificar a classe, concluindo que questões individuais a respeito de vício, nexo de causalidade, defesas afirmativas e a necessidade de supervisão médica impediam a formação de uma classe coesa.

É verdade que o caso Engle, na Flórida, de grande repercussão, foi desfavorável à indústria em decisão de primeira instância. Entretanto, dado os valores astronômicos fixados a título de punitive damages, é difícil acreditar que a decisão de primeira instância seja mantida no Tribunal de Apelação. Esta tem sido a opinião dos analistas financeiros, o que também explica a valorização das ações da Philip Morris na Bolsa de Nova York.

Pelo menos sete tribunais estaduais nos últimos meses – inclusive o mais alto tribunal estadual em Nova York, em outubro de 1999, e o mais alto tribunal estadual em Maryland, em maio de 2000 – rejeitaram as tentativas de autores de manter ações coletivas. Além disso, houve extinções voluntárias de ações coletivas putativas por autores em pelo menos 17 processos nos últimos meses.

Conclusão

No caso dos Estados brasileiros que propuseram ações de reembolso de despesas médicas nos EUA, seria de todo prudente que as autoridades tivessem verificado antes a real situação desse tipo de ação perante as cortes americanas, o que poderia ter sido constatado se tivessem solicitado opiniões isentas de escritórios de advocacia de primeira linha nos EUA. Não foi o que aconteceu.

As ações foram propostas de forma absolutamente temerária, por advogados desconhecidos do Governo brasileiro, contratados sem licitação, mediante honorários contingenciais e, o que é pior, sem possibilidade de revogação dos mandatos. As conseqüências dessa temerária decisão somente poderão ser avaliadas no futuro.

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