Liberdade de imprensa

Reportar fatos, sem comentários, não gera indenização

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27 de abril de 2001, 0h00

As notícias veiculadas na imprensa, sem comentários do conteúdo pelos jornalistas, não causam dano moral. O entrevistado não tem direito de receber indenização, mesmo que as informações prestadas à imprensa sejam divulgadas sem a sua autorização. O entendimento é da Quarta Câmara do Tribunal de Alçada de Minas Gerais, ao negar o pedido de indenização feito por um médico contra uma rádio.

A entrevista veiculada diz respeito a um garoto que queria tirar os pontos de um ferimento provocado por atropelamento, mas não foi atendido na Saúde Pública. O médico foi procurado pela reportagem e explicou que somente atendeu o garoto quando foi atropelado porque era caso de emergência. Na verdade, ele não atende pelo SUS.

Segundo a rádio, ele disse que a família teria que procurar uma unidade de saúde para a retirada dos pontos do menino. O médico considerou que as informações publicadas lhe causaram dano moral.

De acordo com o juiz Alvimar de Ávila, o fato de a entrevista ter sido divulgada "pôs fim a qualquer dúvida que pudesse haver sobre a conduta do médico". Ávila também afirmou que a imprensa apenas exerceu o direito de informação.

Veja a decisão do Tribunal de Alçada de Minas Gerais.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 301.730-3, da Comarca de TIMÓTEO, sendo Apelante (s): R.A.A. e Apelado (a) (os) (as): RÁDIO ITATIAIA LTDA. E MARIA ELENA DE MELO,

ACORDA, em Turma, a Quarta Câmara Civil do Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais, REJEITAR A PRELIMINAR E NEGAR PROVIMENTO.

Presidiu o julgamento o Juiz FERREIRA ESTEVES (Revisor) e dele participaram os Juízes ALVIMAR DE ÁVILA (Relator) e JARBAS LADEIRA (Vogal).

O voto proferido pelo Juiz Relator foi acompanhado na íntegra pelos demais componentes da Turma Julgadora.

Belo Horizonte, 26 de abril de 2000.

ALVIMAR DE ÁVILA

Juiz Relator

V O T O

O SR. JUIZ ALVIMAR DE ÁVILA:

Trata-se de ação de indenização por danos morais que Ronaldo Araújo Abreu move em face de Rádio Itatiaia Ltda. e Maria Elena de Melo.

Inconformado com a r. sentença (f. 68/70-TA) que julgou improcedente o pedido, pugna o apelante/autor pela sua reforma, alegando que a entrevista dada por ele foi levada ao ar pela rádio, sem a sua autorização; que a dignidade e o decoro do apelante foram indiscutivelmente manchados pela atuação das apeladas, uma vez que foi enfatizado o seu nome, por diversas vezes, como o responsável pelo mal atendimento da saúde pública no município (f. 71/75-TA).

Em contra-razões (f. 78/81 e 82/86-TA) alegam as apeladas preliminar de não conhecimento do recurso, posto que o depósito do valor da condenação é condição de admissibilidade da apelação interposta. No mérito, pela manutenção da sentença recorrida.

Conheço do recurso, já que presentes os pressupostos de admissibilidade.

Passo ao exame da preliminar argüida pelas apeladas com relação ao descabimento da apelação por não preencher os requisitos de admissibilidade.

Sabe-se que um dos requisitos dispostos pelo Código de Processo Civil em seu art. 499, para o oferecimento de recurso, é a sucumbência da parte.

"Art. 499 – O recurso pode ser interposto pela parte vencida, pelo terceiro prejudicado e pelo Ministério Público."

Assim, o apelante ao ter o pedido de indenização julgado improcedente, passou a ter legitimidade para interpor o recurso de apelação, independentemente do recolhimento do valor da condenação, esta inexistente no presente caso.

Leciona José Carlos Barbosa Moreira que:

"Os requisitos de admissibilidade dos recursos podem classificar-se em dois grupos: requisitos intrínsecos (concernentes à própria existência do poder de recorrer) e requisitos extrínsecos (relativos ao modo de exercê-lo). Alinham-se no primeiro grupo: o cabimento, a legitimação para recorrer, o interesse em recorrer e a inexistência de fato impeditivo (v.g., o previsto no art. 881, caput fine) ou extintivo (v.g., os contemplados nos arts. 502 e 503) do poder de recorrer. O segundo grupo compreende: a tempestividade, a regularidade formal e o preparo" (Comentários ao Código de Processo Civil, ed. Forense, 7ª ed., vol. V, p. 260).

O recolhimento dos honorários advocatícios não é pré-requisito para a admissibilidade do recurso de apelação. O preparo encontra-se devidamente efetuado, como demonstra a certidão da tesouraria (f. 89-TA).

Com esses fundamentos, rejeito a preliminar.

Relata o apelante em sua petição inicial que no dia 23 de novembro de 1997, às 6:30 horas, no programa "Jornal da Itatiaia", a apelada, Maria Elena de Melo reclamou do atendimento médico do filho, e que por diversas vezes enfatizou o nome do apelante como o responsável pelo mal atendimento da saúde pública no município de Timóteo.

Foi requerido pelo apelante laudo técnico pericial com a transcrição da fita do programa acima citado, sendo esta a única prova constante dos autos, concluindo o perito que:

"Durante a audição da gravação, não percebi nenhum comentário do noticiarista. No conteúdo o noticiarista apenas narra os fatos.

Não registrei nenhum comentário por parte do noticiarista apresentador ou do repórter que denegriu a conduta do profissional" (f. 56-TA).

Na transcrição da gravação o nome do apelante foi mencionado uma única vez pela apelada, apenas para dizer que o seu filho foi operado por ele (f. 54-TA).

Da prova dos autos restou demonstrado que a intenção da rádio foi a divulgação da notícia de que o posto médico FAST na hora em que a apelada, Maria Elena de Melo precisou estava sem médicos para atender ao seu filho que havia sido atropelado, mas em momento algum imputou a culpa deste problema ao apelante.

Fabrício Zamprogna Matielo leciona que:

"Caso se esteja noticiando a verdade, sem a presença de animus injuriandi vel difamandi ou sem que se vislumbre a intenção de prejudicar, os meios de comunicação apenas estão exercendo o justo direito de informar. O mesmo acontecerá se o animus, o desígnio dos autores da veiculação é apenas o de narrar um fato do qual se teve notícia por fonte previamente indicada, quando então se transferirá para essa eventual responsabilidade civil. O direito de reparação por danos morais não pode servir de pretexto ao cerceamento do livre exercício dos atributos legais conferidos aos meios de comunicação escrita, falada ou televisada" (Dano Moral, Dano Material e Reparação, editores Sagra Luzzatto, 3ª ed., 1997, p. 171).

A rádio apenas divulgou a notícia narrada pela apelada, sendo que ouviu também os esclarecimentos prestados pelo apelante, via telefone, no sentido de que:

"Procurado pela reportagem da Itatiaia o médico Ronaldo Abreu explicou à reportagem o que está acontecendo no caso do garoto André de Melo atropelado por uma bicicleta. Terça-feira passada no bairro Quitandinha. Segundo o médico ele não atende pelo SUS. Na terça-feira, dia 14, ele só atendeu o caso por se tratar de uma emergência reafirmando que agora a família vai ter que procurar uma unidade de saúde para a retirada dos pontos…" (f. 55-TA).

O fato da entrevista do apelante ter sido divulgada sem a sua anuência em nada o prejudicou, muito pelo contrário, pôs fim a qualquer dúvida que pudesse haver sobre a conduta do mesmo quando do atendimento ao filho da apelada.

De acordo com o disposto no art. 333, I do CPC competia ao apelante comprovar o dano à sua honra, o que não ocorreu, não ficando comprovada, também, a intenção por parte das apeladas de veicular a notícia para denegrir a imagem do apelante.

Com esses fundamentos, nego provimento ao recurso.

Custas recursais, pelo apelante.

ALVIMAR DE ÁVILA

Juiz Relator

*A decisão foi retirada do site Direito em Minas

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