Negligência em serviços

Telefônica é condenada a pagar R$ 14 mil para empresa

Autor

19 de abril de 2001, 0h00

Empresas podem entrar com ação de indenização por danos morais contra prestadoras de serviços telefônicos que interrompem o funcionamento de telefones, sem prévio aviso. O entendimento é do juiz Carlos Alexandre Böttcher, da 16ª Vara Cível Central da Capital, ao condenar a Telefônica ao pagamento de 80 salários mínimos (cerca de R$ 14 mil) para a Revenda Comércio de Papéis por danos morais.

A empresa ficou com linhas telefônicas desligadas por duas semanas, sem prévio aviso. Segundo o advogado da empresa Doter Karamm Neto, são notórios os prejuízos, dissabores, dificuldades e constrangimentos ocasionados ao usuário do serviço. “Ainda mais se tratando de uma empresa comercial”, disse. De acordo com o advogado, a decisão amplia a relação entre “fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, já que a Justiça reconheceu a existência de danos morais, o que raramente acontece”.

A Telefônica alegou que o problema ocorreu por razões técnico-operacionais e os defeitos foram solucionados. Também argumentou que constavam instaladas outras linhas telefônicas, que permaneceram em funcionamento na empresa durante o período.

Na decisão, o juiz afirma que Telefônica é obrigada a manter o serviço em funcionamento adequado. “Justificável que a linha tenha que ser desligada por algumas horas ou até mesmo poucos dias para realizar reparos necessários. Injustificável, contudo, que o telefone permaneça desligado por duas semanas, sem que o problema seja solucionado. A conduta da empresa ré foi, portanto, negligente em não avisar com antecedência a autora da alteração dos números das linhas e em efetuar o pronto reparo do defeito”.

Leia, na íntegra, a decisão que condenou a Telefônica

PODER JUDICIÁRIO

PROCESSO Nº 99.082520-5

16ª VARA CÍVEL CENTRAL DA CAPITAL/SP

Vistos.

REVENDA COMÉRCIO DE PAPÉIS LTDA. ajuizou ação de indenização por danos morais, pelo tiro ordinário, em face de TELECOMUNICAÇÕES DE SÃO PAULO S/A – TELESP, alegando, em síntese, que é empresa que atua no setor de compra e venda de papéis desde 1994, sendo titular dos direitos de uso das linhas telefônicas nº 6703-1108, 6703-5423, 6703-1104, 6703-6794, 6703-4555 e locatária das linhas nº 6703-3480, 6703-3491, 6703-3767, 6703-3913, 6703-3772. Em março de 1999, de forma unilateral e sem qualquer aviso prévio, a empresa – ré trocou os números das linhas telefônicas, passando o prefixo 6916 para 6703, trazendo-lhe prejuízos diante do tumulto causado entre clientes, fornecedores e funcionários, durante pelo menos dez dias. A partir de 01/04/99, a linha tronco-chave de nº 6703-4555 passou a apresentar defeitos, impedindo a discagem e reduzindo o número de recebimento de ligações, o que durou dias, ensejando a formulação de várias reclamações escritas. Em conseqüência, clientes e fornecedores passaram a cogitar no mercado, que a autora teria encerrado as atividades, acarretando-lhe danos morais. Requereu a procedência para condenação no pagamento de indenização com a petição inicial, vieram documentos (fls. 16/129).

A petição inicial foi emendada (fls. 133).

A empresa ré foi citada (fls.141) e apresentou contestação fls. (147/163), alegando, em preliminar, a inépcia da petição inicial. No mérito, alegou que a alteração dos prefixos ocorreu por razões técnico-operacionais e que os defeitos foram prontamente atendidos. Alegou, ainda, que, na sede da autora, constam instaladas outras linhas telefônicas, que permaneceram em funcionamento. Aduziu a inexistência dos requisitos da responsabilidade civil e que não houve ocorrência de danos morais, os quais não foram comprovados. Requereu a improcedência. Com a contestação, não veio documento.

A autora apresentou réplica (fls. 171/176).

Instaladas a especificarem provas (fls. 177), as partes requereram produção de prova oral (fls. 178 e 179 / 180).

Realizou-se Audiência de conciliação, nos termos do artigo 331, do Código de Processo Civil (fls. 182), tendo sido homologada a desistência da produção da prova oral pela autora.

A autora trouxe documentos ( fls. 186/188 ), dando-se ciência à parte contrária (fls. 189), que se manifestou (fls. 196).

Declarou-se preclusa a produção de outras provas pela ré (fls.197).

É o relatório.

Fundamento e Decido.

Julgo antecipadamente o feito, nos termos do artigo 330, inciso I, do Código de Processo Civil, vez que a matéria tratada nos autos prescinde da realização de prova em audiência, conforme requereram as partes expressa e tacitamente (fls. 182 e 197).

Rechaço a preliminar de inépcia da petição inicial, uma vez que esta expôs devidamente a causa de pedir, da qual decorreu logicamente o pedido. Ademais, o pedido veio a ser especificado em razão do aditamento (fls. 133).


No mérito, o pedido é procedente.

A autora pleiteia indenização por danos morais em virtude de repentina alteração dos números de suas linhas telefônicas por parte da ré, além da ocorrência de defeito não reparado prontamente.

Em se tratando de responsabilidade civil, impõe-se a análise de seus pressupostos para a configuração do dever de indenizar, sobretudo a existência da ação ou omissão culposas, a relação de causalidade e o dano.

A conduta culposa da ré consistiu na alteração dos números da linhas sem aviso prévio, assim como a ausência de rapidez no atendimento de defeito verificado em linha principal.

Em sua defesa, a ré justificou-se pelo fato de ter alterado a central das linhas da autora, objetivando a melhoria do serviço de telefonia. De fato, como prestadora de serviço, tem a ré possibilidade de modificar unilateralmente os números dos telefones, avisando ao aprimoramento do serviço.

Todavia, faz-se mister que haja aviso prévio para que o serviço não seja considerado descontínuo, conforme dispões o artigo 6º, § 3º, inciso I, da Lei nº 8.987/95, aplicável por analogia ao setor de telecomunicações e invocado pela própria ré.

Pois bem, a ré sequer alegou que tivesse avisado aos usuários da mudança das linhas, o que era imprescindível para que o serviço fosse considerado contínuo, nos termos do artigo 22, do Código de Defesa do Consumidor e do dispositivo legal indicado. Para tanto, bastava expedir comunicações, das mais variadas formas, aos usuários do serviço, o que não ocorreu em nenhum momento. Como se não bastasse, a ré não demonstrou que tivesse colocado o serviço de interceptação de chamadas à disposição da atora, o que foi veementemente negado pela última em sua réplica (fls. 172).

Por outro lado, a ré apenas limitou-se a aduzir que os defeitos constatados na linha tronco-chave nº 6703-4555 foram reparados na menor brevidade possível sem trazer qualquer prova a respeito. Ora, a autora demonstrou que, somente após duas semanas, a linha em questão voltou a funcionar, conforme se verifica nas várias missivas endereçadas à ré ( fls. 36/40 ), as quais não foram impugnadas. A ré, a seu turno, não trouxe qualquer documento, demonstrando o contrário, conquanto lhe incumbisse o ônus, nos termos do artigo 333, inciso II, do Código de Processo Civil.

Ora, a empresa-ré, é obrigada a manter o serviço telefônico em funcionamento adequado. Justificável que a linha tenha que ser desligada por algumas horas ou até mesmo poucos dias para realizar reparos necessários. Injustificável, contudo, que o telefone permaneça desligado por duas semanas, sem que o problema seja solucionado. A conduta da empresa-ré foi, portanto, negligente em não avisar com antecedência a autora da alteração dos números das linhas e em efetuar o pronto reparo do defeito.

Reconhecida a culpa, deve-se analisar o nexo causal entre os alegados danos morais. São notórios os prejuízos, dissabores, dificuldades e constrangimentos ocasionados ao usuário do serviço, o que recrudesce à medida que os dias passam e o problema não é solucionado.

O serviço telefônico, hodiernamente, é de natureza essencial, sendo de extrema relevância para a vida social, pois representa a forma mais rápida de comunicação entre os vários entes da sociedade. E a necessidade de comunicação é ínsita tanto ao ser humano quanto à pessoa jurídica, pois a partir dela, são estabelecidos os diversos relacionamentos sociais e negociais.

A repentina privação do uso do telefone para o usuário que desse tem necessidade e expectativa de poder com ele contar, quer para socorrer-se de uma ambulância em caso de doença ou emergência, quer para firmar negócios para seu sustento, quer apenas para conversas de somenos importância, não importa, acarreta inequívocos danos morais passíveis de reparação, pois se trata de serviço essencial, não prestando por culpa exclusiva da ré.

Ver-se privado de utilizar linha telefônica tanto ativa quanto passivamente, quer por alteração repentina de número, quer por defeito não reparado, não configura um mero aborrecimento, conforme quer fazer crer a ré. O fato de existirem outras linhas em funcionamento apenas pode diminuir a extensão dos danos, podendo vir a influir somente na fixação da indenização.

Outrossim, em se tratando de pessoa jurídica, a falta de comunicação repentina, além de reduzir o volume de negócios, dá a falsa impressão no mercado de que a empresa faliu ou golpeou os fornecedores, trazendo inequívocos danos à imagem da autora.

A doutrina e a jurisprudência unificaram-se a partir do advento da Constituição Federal de 1988, na admissibilidade da reparação do dano moral puro, ainda que não apresente reflexos patrimoniais.

Então, portanto, presentes os pressupostos da responsabilidade civil, quais sejam a ação culposa da ré, que foi negligente em não avisar a alteração dos números e reparar prontamente os defeitos os danos morais ocorridos e nexo causal entre ambos, ensejando o dever de indenizar.


Para fixação do “quantum”, ” em geral, mede-se a indenização pela extensão do dano e não pelo grau de culpa. No caso do dano moral, o grau de culpa também é levado em consideração, juntamente com a gravidade, extensão e repercussão da ofensa, bem como a intensidade do sofrimento acarretado à vítima. A culpa concorrente do lesado constitui fator de atenuação da responsabilidade do ofensor. Além da situação patrimonial das partes, deve-se considerar, també, como agravante o proveito obtido pelo lesante com a prática do ato ilícito. A ausência de eventual vantagem, porém, não o isenta da obrigação de reparar o dano causado ao ofendido”. ( Gonçalves, Carlos Roberto – “Responsabilidade Civil”, Editora Saraiva, São Paulo, 6ª edição, atualizada e ampliada, 1995, pág. 414 ).

Analiso, pois, a fixação do quantum.

Em se tratando de danos morais, além da extensão dos danos, o valor da indenização é também medido pelo grau de culpa do causador do ilícito.

Quanto à extensão dos danos, tem-se que a linha telefônica era utilizada para o trabalho, além de ter permanecido desligada por duas semanas. A existência de outras linhas telefônicas instaladas no local minimiza a extensão dos danos, visto que o privamento de comunicação não foi total.

A empresa-ré não atuou com dolo, mas sim com culpa grave,entendida como aquela decorrente de imprudência ou negligência grosseira. Costuma-se dizer que a culpa grave ao dolo se equipara: ( Rodrigues, Sílvio, “Direito Civil – volume 4 – Responsabilidade Civil”, Ed. Saraiva, São Paulo, 14ª edição, 1995, pág. 146 ). Não houve conduta concorrente por parte da ofendida ou de terceiro.

Em relação à capacidade econômica das partes, a autora é pessoa jurídica de médio porte, ao passo que a ré é grande empresa, que presta serviços telefônicos em regime de monopólio em recente transição.

Pelos dados apontados, considerando ainda a dupla função da indenização dos danos morais, qual seja, reparação do dano e punição e tendo em vista que a indenização não pode levar o lesado a um enriquecimento indevido e nem o ofensor à ruína, arbitro-a em 80 (oitenta) vezes o valor do salário mínimo.

Tal fixação da indenização proporcionará satisfação em justo montante à autora, sem propiciar-lhe enriquecimento sem causa. Ademais, servirá como relativo desestímulo para a empresa-ré.

É de rigor, portanto, o acolhimento da pretensão, para a condenação no pagamento de danos morais.

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido da presente ação de indenização por danos morais, pelo rito ordinário, proposta por REVENDA COMÉRCIO DE PAPÉIS LTDA em face de TELECOMUNICAÇÕES DE SÃO PAULO S/A – TELESP, condenando a empresa-ré a pagar à autora 80 (oitenta) salários mínimos, a título de indenização por danos morais, com o valor da época do pagamento e juros moratórios de meio por cento ao mês a partir da citação (18/11/99 ).

Em razão da sucumbência, condeno a ré no pagamento das custas judiciais e despesas processuais despendidas pela autora e atualizadas a partir do desembolso, assim como em honorários advocatícios, que arbitro em 10% ( dez por cento ) do valor da condenação.

P.R.I.

CARLOS ALEXANDRE BÖTTCHER

Juiz de Direito

São Paulo, 5 de março de 2001.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!