Herói e vilão

Gilmar Mendes, o pára-raios do governo enfrenta o mundo.

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7 de setembro de 2000, 0h00

O Supremo Tribunal Federal arquivou, nesta semana, a queixa-crime (INQ 1660) movida pela Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal contra o advogado-geral da União, Gilmar Ferreira Mendes.

Em outro processo, um juiz federal decidiu processar Gilmar Mendes por difamação. O advogado-geral teria chamado o juiz de “debochado” por ter citado o presidente da República por edital, em vez de citá-lo pessoalmente.

Ainda nesta semana, o Conselho Federal da OAB anunciou que vai julgar o advogado da União por transgressões às regras da advocacia. A punição pode chegar à cassação do direito de advogar de Gilmar Mendes, o que poderia implicar a perda de seu emprego atual no governo.

Hostilizado pelas entidades da magistratura, por expressões desabridas como a de que o Judiciário é autista ou que se converteu em um manicômio; eleito inimigo também da Associação Nacional dos Procuradores da República (categoria que ele integra); o encrenqueiro é criticado também por outros advogados da União, por centralizar no Palácio do Planalto o controle dos processos em que o governo tem interesse.

No meio do caminho, Gilmar coleciona embates ruidosos com nomes famosos da advocacia, como Fábio Konder Comparato e Sérgio Bermudes.

Também nos últimos dias, o advogado da União foi pivô de outras notícias. Na quarta-feira (8/9), ele capitaneou uma reversão no entendimento de que companhias aéreas devem ser indenizadas por alegados prejuízos no transcorrer dos últimos planos econômicos. A Justiça Federal negou à Vasp um reembolso de cerca de R$ 3 bilhões, o que deve influir em pedidos idênticos feitos pela Varig, pela TAM e pela Rio-Sul.

Em outro caso clamoroso, Gilmar conseguiu baixar a correção das contas vinculadas do FGTS de cerca de 120%, como decidira o STJ, para pouco mais de 60%, como determinou o STF. A correção também é pedida com base nos expurgos feitos pelos planos econômicos.

Outras vitórias a contabilizar: a União poderá, finalmente, vender o Banespa e, entre outros casos, o governo levou a melhor também no ajuste do fator previdenciário.

Em camarote privilegiado e confortável, a revista Consultor Jurídico acompanha com interesse os passos desse funcionário público de 45 anos, nascido no Mato Grosso, que dá aula de Direito Constitucional na Universidade de Brasília e concluiu doutorado na Alemanha.

Amigos de Gilmar Mendes o aconselham a conter-se. Dizem que não vale a pena empenhar-se tanto por um governo e por um presidente que não costuma reconhecer sacrifícios de seus servidores.

Ele nega que seu empenho se explique por um incontrolável desejo de ocupar uma vaga no Supremo Tribunal Federal, onde se teme bastante a sua chegada.

Mas afinal, o que faz Gilmar Mendes para provocar tantas sensações? Não há qualquer acusação em relação à sua honra. Tecnicamente, seu apuro é inquestionável. Em relação às insuportáveis Medidas Provisórias que o Legislativo e o STF aceitam, estas são assinadas pelo presidente da República.

Quanto ao advogado ir a tribunais defender as causas que patrocina, isso não é abuso algum. É obrigação. Se as causas são ilegítimas ou injustas, isso não vem ao caso. Os advogados do ex-juiz Nicolau dos Santos Neto e do jornalista Antônio Pimenta Neves podem fazer o mesmo. O advogado que defende o Erário também pode.

O imperdoável em Gilmar Mendes é que ele expõe suas convicções em um cenário onde o politicamente correto parece ser colocar o interesse individual acima do interesse coletivo. Ainda que se admita que, no país, utilize-se o santo nome do interesse público em vão, o advogado da União faz aquilo para o que é pago: defende a União.

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