Os crimes digitais, hoje.

Especialista dá o perfil do crime e do criminoso na Internet

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2 de setembro de 2000, 0h00

São indiscutíveis os benefícios trazidos para a sociedade pelo avanço da tecnologia, pelo uso de computadores, e pelo avanço das comunicações mundiais, em especial da Rede Internacional de Dados – Internet, fomentando, sem precedentes na história, a paixão humana pelo conhecimento, educação e cultura.

A Internet, chamada pela mídia de Superestrada da Informação, nada mais é do que a interligação simultânea de computadores de todo o planeta, algo que os futuristas em seus exercícios de suposição jamais imaginaram.

O acesso à informação sempre foi muito valorizado, constituindo verdadeira forma e fonte de poder, sendo seu controle verdadeiro patrimônio econômico, político e cultural. Entretanto, esses benefícios não aparecem sozinhos, trazem consigo os crimes e criminosos digitais, os quais estão aumentando proporcionalmente por todo o mundo, sendo que as mais otimistas previsões apontam para um epidêmico e exponencial crescimento.

Os crimes praticados, também chamados de crimes digitais ou transnacionais, podem afetar dezenas de países, sem que o agressor saia de sua casa.

É uma preocupação que está chamando a atenção da polícia de todo o mundo, especialmente no que diz respeito à coleta de evidências e materialidade; há também de se considerar o princípio de territorialidade, pois, se o computador está num determinado país, e o crime é cometido em outro, como processá-lo se nunca entrou naquele país?

Policiais do mundo inteiro, tais como FBI, Scotland Yard, e Real Polícia Montada do Canadá, já há alguns anos, vêm formando os chamados “Cybercops”, policiais especialmente treinados para combater esses delitos – o desafio criminal do próximo século – sendo a tônica, a maximização da cooperação entre os Países, alertando para o potencial das perdas econômicas, ameaças a privacidade e outros valores fundamentais.

O que mais tem atemorizado, de sociólogos a profissionais de polícia, é o fato de o crescimento geométrico do uso da Internet, e sua absoluta dispersão e falta de controle, estar criando espaços na rede exclusivamente para atividades criminosa, unindo os ideais ou interesses de uma minoria, excitando a motivação delitiva, tais como crimes de ódio, terrorismo e parafilias.

Não vai demorar muito para que os criminosos ultrapassem a nossa capacidade de apanhá-los, contando com as vantagens da forma revolucionária do espaço cibernético, desprovido de regras sociais ou éticas, limitado apenas pela imaginação dos criminosos e pelas suas habilidades técnicas.

Crimes de alta tecnologia

Poderíamos citar, a título de exemplo, alguns crimes que estão sendo empregados com uso de alta tecnologia:

O estelionato, em todas as suas formas, lavagem de dinheiro, os crimes do colarinho branco, roubo, furto, o “salami slicing” (fatias de salame) – ladrão que regularmente faz transferências eletrônicas de pequenas quantias de milhares de contas bancárias para a sua própria – serviços roubados, o contrabando, o terrorismo, a pornografia infantil, parafilia, invasões de privacidade, violação a propriedade intelectual, propriedade industrial, a lei do Software, o vandalismo, a sabotagem, espionagem, o vírus de computador, a pirataria, o tráfico internacional de armas, as lesões a direitos humanos (terrorismo, crimes de ódio, etc.), danos nas destruição de informações, jogos ilegais, dentre outros apenas para explicitar a complexidade da matéria tratada.

A experiência tem mostrado como delicada é uma investigação de crimes por computador, tanto pela falta de experiência policial, como pela adoção de procedimentos desatualizados para a alta tecnologia empregada.

Hoje temos mais de 600 milhões de usuários de computadores em todo o planeta que, em mais de 190 países, acessam a Internet, através de trocas de dados, sons e imagens, ou seja, literalmente através de elétrons que viajam por fios de cobre ou fibras óticas para qualquer parte do planeta, com eficiência e rapidez.

Quando do cometimento de crimes, como fazer a coleta de materialidade, provas e evidências? Como localizar o agente? Como verificar o resultado e efeitos do resultado? Como agir contra os princípios de territorialidade e soberania? Como assimilar os efeitos da globalização de crimes com as Leis existentes? Como adequar a conduta típica a nossa legislação positiva? Como formar policiais para combater os crimes digitais? A perspectiva de alívio é dada pela constatação de que, em recente passado, novas tecnologias provocaram aflição – tais como quando da invenção do telefone, do fax e outros aparelhos que vieram a aumentar a qualidade de vida do cidadão – mas, logo foram assimiladas.

Os criminosos digitais

Geralmente, os criminosos são de oportunidade e os delitos praticados por agentes que, na maioria das vezes, têm a sua ocupação profissional ligada à área de informática.

O perfil do criminoso, baseado em pesquisa empírica, indica jovens, inteligentes, educados, com idade entre 16 e 32 anos, do sexo masculino, magros, caucasianos, audaciosos e aventureiros, com inteligência bem acima da média e movidos pelo desafio da superação do conhecimento, além do sentimento de anonimato, que bloqueia seus parâmetros de entendimento para avaliar sua conduta como ilegal, sempre alegando ignorância do crime e, simplesmente, “uma brincadeira”.

Mais: preferem ficção científica, música, xadrez, jogos de guerra e não gostam de esportes, sendo que suas condutas geralmente passam por três estágios: o desafio, o dinheiro extra, e, por fim, os altos gastos e o comércio ilegal.

Crimes digitais no Brasil

A atuação da polícia em crimes de computador requer investigação especializada e ação efetiva. Não existem no Brasil policiais preparados para combater esse tipo de crime, faltando visão, planejamento, preparo e treinamento.

Empresas em diversos pontos do País têm sido vítimas dos crimes de computadores, e o fato só não é mais grave, porque existe a “síndrome da má reputação”, que leva as empresas a assumirem os prejuízos, encobrindo os delitos, ao invés de ter uma propaganda negativa, e também porque o grupo de criminosos digitais ainda é pequeno.

A investigação dos crimes digitais

Desde 1995, a Polícia Civil de São Paulo orgulha-se de ter dado o primeiro passo em harmonia com a vanguarda internacional da investigação digital, ao ser a primeira instituição da América Latina a possuir página na Rede Internacional de Dados – Internet, com diversas informações sobre a atividade policial desenvolvida, orientações de auxílio ao cidadão, bem como campo para receber sugestões e denúncias, além de um arquivo com fotos digitalizadas dos criminosos mais procurados pela polícia, e fotos de crianças desaparecidas.

A Polícia Civil de São Paulo, através do DCS – Departamento de Comunicação Social, vem, há algum tempo, efetuando investigações de crimes por computadores com muito sucesso – apesar de não existir atribuição administrativa para tanto, existe apenas o embasamento jurídico do próprio Código de Processo Penal (art. 6º e incisos) – e decisões em inquéritos policiais, muito bem recebidos pelo Ministério Público e Juiz Corregedor da Capital.

E essa atuação é há muito tempo do conhecimento do público interno e externo, causando perplexidade manifestações de insignes autoridades.

Proposta

Enquanto não forem codificadas em Leis, as condutas de crimes digitais devem ser adequadas à legislação positiva existente, onde encontram guarida, ao menos incidental, variando a sua tipificação conforme o bem jurídico agredido, mas por certeza, está a causar certa “dor de cabeça” aos operadores de direito.

Doutrinadores já têm chamado essas condutas de “Direito Criminal da Informática”, calçados no fato de que as atuais normas incriminadoras datam de 1940, quando poderiam ser escritas ou datilografadas, situação que não se coaduna com a era digital.

O crescimento exponencial da tecnologia e da Internet permite que o cybercriminoso tenha proveito dos avanços da tecnologia. A fim de adequar as ações policiais a esse novo desafio, impõe-se a criação da cultura de formação de policiais visando o “policiamento futuro”, ou seja, formar, adequar, equipar e treinar os policiais, sendo que a palavra é antecipar.

O passo inicial e premente é a criação de uma unidade policial especializada em investigação e atos de polícia judiciária para crimes de alta tecnologia, que englobaria os crimes de computadores e outros que aparecerem no rastro do desenvolvimento tecnológico dos próximos anos.

O DCS – Departamento de Comunicação Social reúne os requisitos básicos para a criação dessa nova unidade policial, e que poderia ser como a inclusão de uma atribuição a ser inserida em alguma unidade policial existente, ou como nova unidade policial a ser criada, necessitando, de qualquer maneira, alterar a estrutura ou atribuições do decreto 40.120 de 1º de Junho de 1995. Nos últimos anos pudemos perceber que a iniciativa privada anseia em colaborar com esta nova modalidade de investigação policial, quer seja com cursos, quer com equipamentos.

Face à necessidade premente de se antecipar ao iminente avanço dos crimes digitais, que vêm no rastro da nova ordem mundial globalizada, propugno o encaminhamento da presente sugestão aos escalões superiores, com proposta de estudo e deliberação.

(Leia também Crimes da era digital e Crimes & Internet.)

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