Casa própria

Valor de prestação da casa própria não pode ter limite de 1%

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26 de outubro de 2000, 23h00

Os bancos estão livres para reajustar a prestação da casa de 2 milhões de mutuários do SFH (Sistema Financeiro da Habitação) acima do limite de 1% do valor do imóvel. Mas não podem lançar os nomes de inadimplentes nos cadastros de maus pagadores, como Serasa e SPcs.

O juiz Peixoto Júnior do TRF (Tribunal Regional Federal) da 3ª Região acatou na noite de quinta-feira (26/10) parte do agravo de instrumento da Abecip (Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança) que pedia a suspensão da liminar do juiz Victorio Giuzio Neto da 24ª Vara da Justiça Federal.

A liminar da 24ª Vara da Justiça Federal, pedida em ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal, limitava o valor da prestação a 1% do valor do imóvel, proibia o registro de cartas de arrematação, leilões e inclusão do nome dos inadimplentes nos serviços de proteção ao crédito.

Peixoto Júnior só manteve da decisão liminar da 24ª Vara da Justiça Federal a proibição de inclusão dos inadimplentes nas listas negras de crédito.

Isso significa que os 14 bancos réus da ação civil pública estão livres para aplicar a mesma sistemática de reajuste da prestação, que leva em conta a variação do saldo devedor dos últimos 12 meses mais 3% de índice de produtividade.

Leia a íntegra da decisão de segunda instância

AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2000.03.00.55816-1

Vistos.

Trata-se de agravo de instrumento interposto pelo Banco BRADESCO S/A e outros contra a r. decisão de deferimento de tutela antecipada proferida pelo MM. Juiz Federal da 24ª Vara de São Paulo em autos de Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público Federal contra a União, as instituições financeiras ora agravantes e a Caixa Econômica Federal.

O Juiz de primeiro grau proferiu a decisão concessiva de tutela antecipada determinando que as rés se abstenham de realizar a partir da intimação da decisão a negativação do crédito, no SCPC, SERASA e outras entidades congêneres de outros Estados, dos mutuários que estejam em débito pelo fato de o reajuste de suas prestações ter sido superior ao reajuste de suas categorias profissionais; de realizar o registro de Cartas de Arrematação bem como de efetuar quaisquer constrições tendentes a desocupação de imóveis e que, nos contratos firmados pelo PES, PCR, na Carteira Hipotecária ou sob outras denominações destinados ao financiamento da casa própria, procedam ao recálculo das prestações com obediência ao índice da categoria profissional do mutuário, cabendo aos próprios bancos obterem dos sindicatos estes índices e no caso dos autônomos ou daqueles que não integram uma categoria específica aplicando-se os índices de inflação do Real (IPCr), ainda proferido decreto pertinente aos reajustes em fórmula consignada nestes termos: “O valor das prestações mensais, todavia, não poderá ser inferior a 1% (um por cento) da avaliação de mercado do imóvel no caso do valor da prestação cobrada ser superior.”

O Ministério Público Federal propugna a revisão dos contratos de financiamento imobiliário a fim de que sejam afastados nos reajustes das prestações e do saldo devedor critérios diversos da equivalência salarial concebida na paridade respeitante à periodicidade e percentual de aumento de remuneração da categoria profissional do mutuário.

Alega o autor da ação que as regras aplicadas pelas rés significam o rompimento do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos e desnaturam o Sistema Financeiro da Habitação, concebido como instituição de caráter social que tem por finalidade possibilitar a aquisição da casa própria, também aduzindo que as regras atuais não obedecem à capacidade aquisitiva dos mutuários, que inexoravelmente são compelidos à interrupção dos pagamentos, prevendo-se um colapso com o rompimento em grandes proporções de contratos que ao serem executados colocarão milhares de famílias nas ruas após o leilão dos imóveis.

A situação exposta pelo autor da ação verdadeiramente reclama a atenção e medidas dos Poderes da República mas se qualquer solução é procurada perante a autoridade jurisdicional, que não tem poderes de revogação de normas vigentes, urge a demonstração da presença de vícios que retirem validade aos preceitos, com a conseqüência de sua inaplicabilidade.

Na interpretação do Direito não fica o Juiz cativo da letra da lei mas esta é o ponto de partida e limite da atividade do julgador, que não pode promover exegese totalmente discrepante do texto legal, sob pena de investir-se na condição de legislador positivo, criando norma paralela em afronta ao princípio da separação dos poderes.

Ainda convém ressaltar o apreço que não pode ser recusado à atividade do legislador, que também figura como um dos pilares de sustentação do Estado Democrático.

Cabe consignar, também, que a adoção dos critérios propugnados pelo autor da ação pressupõe não apenas sua afirmação como menos prejudiciais aos interesses dos mutuários mas também como adequados às finalidades da lei e, destarte, investidos de eficácia como meios de operação do Sistema, semelhantes questionamentos dependendo para sua solução de dilação probatória.

Quanto ao elemento de imprevisão invocado em apoio ao pedido de revisão dos critérios de atualização do saldo devedor não se depara com prontidão aplicável na espécie semelhante ordem de fundamentação, tendo em vista os mediatos resultados de modificação de norma instituída em lei.

Acerca da alegação de descumprimento contratual nas avenças com cláusula de reajuste das prestações pelo índice de aumento da categoria profissional do mutuário, sublinho que a exigência de comprovação dos percentuais de aumento pelos mutuários tem respaldo na lei, em face da qual apresenta-se desprovida de fundamentação plausível a correlata determinação judicial.

A tutela antecipada prevista no Código de Processo Civil é medida que sem o requisito de verossimilhança das alegações não pode ser deferida, neste juízo sumário de cognição não se lobrigando o concurso do requisito legal nas determinações respeitantes ao recálculo das prestações, às proibições de registro de carta de arrematação e também à desocupação dos imóveis.

No que concerne à vedação de negativação nos órgãos de proteção ao crédito depara-se-me plausível a pretensão.

Se numa compra qualquer a ameaça de inscrição nos serviços de proteção ao crédito pode funcionar como contra-estímulo à inadimplência tal não pode ocorrer com o mutuário do SFH.

A aquisição de imóvel financiado não se equipara absolutamente a qualquer compra no mercado em que as ínfimas possibilidades de retomada da mercadoria podem servir de estímulo ao descumprimento de obrigações pelo comprador, a inadimplência do mutuário do SFH não podendo ser concebida como produto de má-fé e não servindo ela como índice de nocividade da pessoa perante os interesses do crédito em geral.

Faltam a estas providências atributos de razoabilidade e proporcionalidade, lançando-se mão de meios excessivamente lesivos dos interesses dos mutuários, que são de escassa ou nenhuma eficácia na execução dos contratos.

Ausentes os requisitos legais, fica indeferido o efeito suspensivo em relação à proibição de negativação do nome dos mutuários nos órgãos de proteção ao crédito, ressalvado que a eficácia da medida é mantida tal como determinado na decisão, eis que basta a falta de um dos requisitos legais para o indeferimento do efeito suspensivo, a questão do âmbito de aplicação devendo ser apreciada no julgamento do recurso.

Afigurando-se relevantes os fundamentos do recurso no que concerne às determinações impostas às agravantes de recálculo das prestações, com obediência ao índice da categoria profissional do mutuário e ainda em percentual não superior a 1% da avaliação de mercado do imóvel, de se absterem de realizar o registro de Cartas de Arrematação bem como de efetuar quaisquer constrições tendentes a desocupação de imóveis e configurando-se o pressuposto de lesões graves e de difícil reparação pela postergação do exercício de direito cuja existência nada por ora autoriza concluir esteja infirmada pelos elementos que instruem a propositura da ação, assim atendidos os requisitos do artigo 558, do CPC, impõe-se a suspensão destes explicitados efeitos da decisão ora impugnada pelas agravantes.

Diante do exposto, defiro parcialmente o pedido de efeito suspensivo, nos termos supra.

Intime-se o agravado, nos termos do artigo 527, inciso III do CPC.

Oficie-se o MM Juiz “a quo” nos termos do art. 527, incisos I e II, do CPC.

Publique-se. Comunique-se.

São Paulo, 25 de outubro de 2000.

PEIXOTO JUNIOR

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