Advogados sob suspeita

OAB-RJ e polícia apuram envolvimento de advogados traficantes

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8 de outubro de 2000, 1h00

Que os traficantes de drogas conseguem permanecer à frente de seus negócios, mesmo depois de condenados e encarcerados em presídios de segurança máxima como Bangu I, não é novidade. O que a polícia pode estar desvendando, pela primeira vez, é como os bandidos – de dentro da cela e sem direito a telefone celular – controlam os fornecedores da droga, os pontos de venda e suas quadrilhas.

Os indícios apontam para os advogados, que circulam livremente pelos presídios. Com base num levantamento inédito feito pela diretora de Bangu I, Sidneya dos Santos Jesus – assassinada no dia 5 de setembro – a Secretaria de Segurança Pública e a Ordem dos Advogados (OAB-RJ) estão investigando a atuação de 130 advogados que freqüentemente visitam traficantes e seqüestradores presos em Bangu, segundo informa o jornalista Renato Garcia em reportagem publicada neste domingo (8/10), publicada pelo jornal O Globo.

Alguns bandidos chegam a passar até cinco horas do dia conversando com seus advogados ou prepostos deles. Eles poderiam não estar apenas defendendo o cliente – uma prerrogativa legal apoiada pela OAB – mas se envolvendo em atividades ilícitas.

O secretário de Justiça, João Luís Duboc Pinaud, admite que é preciso melhorar a rotina de vigilância nas cadeias do Rio. De janeiro a setembro, foram apreendidos 185 telefones celulares em 14 presídios.

O levantamento que põe advogados na mira da polícia foi feito entre maio e agosto do ano passado, quase um ano antes de a principal responsável pelo trabalho, Sidneya dos Santos, ser assassinada.

O dossiê com a relação de advogados, as datas e horas que permaneceram em Bangu I e com quais presos foi entregue também à CPI do Narcotráfico, em setembro do ano passado. Com a morte de Sidneya, o documento acabou se tornando uma das principais pistas investigadas pela Subsecretaria de Inteligência da Secretaria de Segurança. A suspeita movimentação dos advogados também foi denunciada à OAB-RJ.

– “Existem indícios do envolvimento de advogados com presos e com organizações criminosas”, afirma Lauro Schuch, conselheiro da OAB-RJ.

Lauro Schuch é membro da Comissão Especial formada no mês passado pela OAB para apurar o suposto envolvimento de advogados com o crime organizado. Segundo o conselheiro, há suspeitas da existência de falsos advogados e de advogados que já tiveram seus registros cassados. Todos os profissionais relacionados por Sidneya no dossiê que foi entregue à CPI do Narcotráfico e a OAB serão ouvidos.

A comissão da OAB responsável pela investigação está comparando os números de registros dos advogados do mapeamento de Sidneya com os do cadastro da Ordem.

– “Estamos iniciando a investigação com muita cautela, pois devemos garantir as prerrogativas do advogado” – informou o presidente da comissão, Jorge Antônio da Silva.

Por abrigar os principais chefes de quadrilhas de traficantes e de seqüestradores, o presídio Laércio Peregrino – mais conhecido como Bangu I – se tornou a principal base do ‘circuito das cadeias’, percorrido pelos advogados a serviço de bandidos.

De acordo com o documento de Sidneya, só o traficante Ernaldo Pinto de Medeiros, o Uê, recebia a visita de 25 advogados. A média diária era de cinco visitas. Outro traficante, Denir Leandro da Silva, o Dênis da Rocinha – que está em Bangu desde o fim da década de 80 – recebia mensalmente 23 advogados. Márcio dos Santos Nepomuceno, o Marcinho VP, do Morro do Alemão, tinha 19 advogados; Escadinha, 18; Adlas Ferreira, o Adão, e Charles Batista da Silva, o Charles, 15 cada um. Eles são os bandidos mais visitados.

Em 28 de maio de 1999, Uê recebeu nove advogados.

Segundo os agentes penitenciários, alguns presos são visitados duas vezes no dia pelo mesmo advogado, depois de o profissional ter percorrido outros presídios. Para o presidente do Sindicato dos Servidores da Secretaria de Justiça, Francisco Rodrigues, não há dúvida de que esses advogados são pombos-correio do crime organizado.

João Bosco Won-Aelo Gomes de Freitas, um dos advogados de Uê, alega que só entra em Bangu I uma vez por semana. No mapa de Sidneya, no entanto, ele visitou Bangu I dia sim, dia não, em média: 45 vezes no período de 70 dias. Em alguns desses dias, esteve com Uê por mais de uma vez. Além do traficante, ele disse que defende o assaltante Gesriel Evangelista de Souza Rios e o seqüestrador José Ricardo Ribeiro Rosa. Na sexta-feira, depois de passar meia hora com Uê, João Bosco garantiu que o traficante tem apenas seis advogados. Luís Alberto dos Santos, advogado do traficante e seqüestrador Robson Roque dos Santos, o Robson Caveirinha, fez críticas a Sidneya dos Santos Jesus:

– “Tudo o que pedires, a resposta será não, era o slogan dela” – afirmou Luís Alberto.

Na sexta-feira passada, ele foi a Bangu I, mas não visitou seu cliente. Foi conversar com o traficante Francisco de Paula Testas, o Tuchinha da Mangueira:

– “Estou tratando do casamento dele” – justificou-se.

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