As franquias e o ISS

Advogados aconselham franqueadores a contestar cobrança de ISS

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5 de outubro de 2000, 0h00

A maioria das Prefeituras Municipais tenta de todas as formas possíveis aumentar a arrecadação do Imposto Sobre Serviços – ISS, mesmo que isso signifique exigir o imposto sobre a prestação de serviços que não estão taxativamente incluídos na Lista de Serviços anexa ao Decreto Lei nº 406/68 (alterado pela Lei Complementar nº 56/87).

Exemplo claro dessa atitude dos Entes Municipais é a cobrança do ISS dos franqueadores sobre atividades acessórias exercidas pelos mesmos junto aos franqueados, tais como o treinamento da mão de obra destes últimos.

Não nos restam dúvidas que a cobrança do ISS dos franqueadores está eivada de ilegalidades, principalmente diante do conceito de “franchising”, que estabelece o pagamento de royalties ao franqueador por toda a operação (uso da marca, fornecimento do know-how, assistência e orientação).

Assim é para o Prof. Nelson Abrão (in Da Franquia Comercial, RT, 1984) a definição de “franchising”:

“…um contrato pelo qual o titular de uma marca de indústria, comércio ou serviço (franqueador), concede o seu uso a outro empresário (franqueado), posicionando em um nível de distribuição, prestando-lhe assistência no que concerne aos meios e métodos para viabilizar a exploração dessa concessão, mediante o pagamento de uma entrada e um percentual sobre o volume dos negócios franqueados…”

Verifica-se, diante da definição acima transcrita, que a remuneração (royalties) do franqueador ocorre em razão da cessão do uso da marca de indústria, comércio ou serviço ao franqueado, que também recebe daquele, como acessório, toda a assistência necessária ao bom desempenho do negócio. Frise-se, portanto, que o pagamento dos royalties é único, e engloba todas as atividades prestadas aos franqueados pelo franqueador.

O artigo 3º da Lei nº 8.955/94 (Lei de Franchising) assim dispõe:

“Artigo 3º – Sempre que o franqueador tiver interesse na implantação de sistemas de franquia empresarial, deverá fornecer ao interessado em tornar-se franqueado em Circular de Oferta de Franquia, por escrito em linguagem clara e acessível, contendo obrigatoriamente as seguintes informações:

(…)

VIII – informações claras quanto a taxas e outros valores a serem pagos pelo franqueado ao franqueador ou a terceiros por este indicados, detalhando as respectivas bases de cálculo e o que as mesmas remuneraram ou o fim a que se destinam, indicando, especificamente, o seguinte:

a) remuneração pelo uso do sistema, da marca ou em troca dos serviços efetivamente prestados pelo franqueador ao franqueado (royalties);

(…)

XII -indicação do que efetivamente oferecido ao franqueado pelo franqueador, no que se refere a:

(…)

b) treinamento dos funcionários do franqueado;”

Portanto, da análise da legislação acima, nos parece claro que as atividades acessórias, como o treinamento dos funcionários dos franqueados, são mais do que elementos do contrato de franquia, são requisitos deste.

A nosso ver, não possuem respaldo jurídico as tentativas dos Entes Municipais de separar as atividades exercidas pelo franqueador aos franqueados (considerando-as como principais, e não acessórias ao contrato de franquia), para fins de exigência do ISS. Aliás, não há, inclusive, como mensurar o valor dessas supostas atividades, pois não existe remuneração para as mesmas.

Por outro lado, é sabido que a Lista de Serviços anexa ao Decreto Lei nº 406/68 (alterado pela Lei Complementar nº 56/87) é taxativa, ou seja, a incidência do ISS dar-se-á somente nas atividades expressamente determinadas na citada lista. E, ao analisarmos a mesma, verificamos que não há menção à “atividade de prestação de serviços” de cessão do uso da marca.

Relativamente à questão das franquias, a única atividade mencionada é a descrita no Item 47 da Lista de Serviços: “Agenciamento, corretagem ou intermediação de contratos de franquia (Franchise) e de faturação (Factoring) (trabalho pessoal).”. Ou seja, o ISS incidirá sobre os valores recebidos (comissões) pelas empresas que estabelecem a ligação/negócio entre o franqueador e os franqueados.

A jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça já pacificou entendimento de que a Lista de Serviços é taxativa, como se verifica da seguinte ementa:

“TRIBUTÁRIO – ISS: DL N. 406/68 – SERVIÇO DE TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA.

1. A jurisprudência do STF, e desta Corte, desenvolveu-se no sentido de entender ser taxativa a lista de serviços do DL n. 406/68.

2. Inadmissibilidade de interpretação extensiva ou analógica.

3. Recurso Especial não conhecido.”

(Resp. 35.164 – Rio de Janeiro (1993/0013789-1); Rel. Min. Eliana Calmon; STJ – 2a T; p. unanimidade em 16.12.99; Recte.: Município de Niterói; Recdo.: Matthew Hall Engineering Ltda.) DJ nº 46, 08.03.2000, pg. 94.

E, mais recentemente, o mesmo Superior Tribunal de Justiça julgou Recurso Especial específico sobre a matéria, conforme trechos da Ementa abaixo transcritos:

“TRIBUTÁRIO. ISS. FRANCHISING. DECRETO-LEI Nº 406/68. LEI Nº 8.955/94.

1. Acórdão a quo que julgou improcedente ação declaratória cumulada com repetição de indébito ajuizada pela recorrente, insurgindo-se contra a cobrança do ISS, ao argumento de não constar da Lista de Serviços anexa ao Decreto-Lei nº 406/68 (art. 79) a prestação dos serviços de franquia, sendo indevidos os pagamentos que efetuou.

2. (….)

3. O “franchising”, em sua natureza jurídica, é “contrato típico, misto, bilateral, de prestações recíprocas e sucessivas com o fim de se possibilitar a distribuição, industrialização ou comercialização de produtos, mercadorias ou prestação de serviços, nos moldes e forma previstos em contrato de adesão”. (Adalberto Simão Filho, “Franchising”, São Paulo, 3ª ed., Atlas, 1998, págs. 36/42).

4. (…)

5. (…)

6. O contrato de franquia é de natureza híbrida, em face de ser formado por vários elementos circunstanciais, pelo que não caracteriza para o mundo jurídico uma simples prestação de serviço, não incidindo sobre ele o ISS. Por não ser serviço, não consta, de modo identificado, no rol das atividades especificadas pela Lei nº 8.955/94, para fins de tributação do ISS.

7. Recurso provido.”

(Resp. 222246 – Minas Gerais (1999/0060061-4); Rel. Min. José Delgado; STJ – 1a T; p. maioria em 13.06.2000; Recte.: Projeto e Companhia Ltda.; Recdo.: Fazenda Pública do Município de Belo Horizonte) DJ de 04.09.2000

Considerando-se, então, que (a) as atividades exercidas pelo franqueador são parte integrante – acessório — do contrato de franquia (sendo inclusive exigidas pela legislação que rege a matéria), (b) não há na Lista de Serviços menção expressa à atividades de “franchising”, e, (c) a jurisprudência de nossos Tribunais Superiores já se posicionou favoravelmente aos contribuintes, não há porque os mesmos ficarem silentes, continuando a efetuar um recolhimento de imposto sabidamente indevido.

Em suma, aqueles franqueadores que vêm se sujeitando às imposições municipais, e recolhendo indevidamente o ISS sobre as atividades acessórias prestadas aos franqueados, estão aptos a discutir a questão em juízo, com boas chances de êxito.

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