Privatizar prisões é solução?

Promotor opina sobre privatização do sistema penitenciário

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27 de novembro de 2000, 23h00

Tramita, na Câmara dos Deputados, projeto de lei do deputado Geddel Vieira Lima (PMDB-BA), dispondo sobre a privatização das colônias agrícolas, industriais ou similares e casas do albergado.

Apresentado em plenário no mês de abril de 1999, o projeto já recebeu parecer favorável de duas Comissões: a Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público – CTASP e, por último, já no dia 18 de outubro deste ano, da Comissão de Economia, Indústria e Comércio – CEIC, seguindo agora, para tramitar em caráter conclusivo, à apreciação da Comissão de Constituição e Justiça e de Redação – CCJR.

A proposta visa alterar a redação dos arts. 91 e 93 da Lei de Execuções Penais (Lei nº 7.210, de 11.07.84), dispositivos que tratam dos estabelecimentos prisionais destinados ao cumprimento da pena privativa de liberdade, em regime aberto e semi-aberto, merecendo igual tratamento os casos envolvendo penas de limitação de fim de semana.

O parlamentar defende que as “colônias penais privadas seriam economicamente auto-sustentadas e liberariam o poder público de parte dos pesados encargos, associados à vigilância de presos não-perigosos, ora amontoados com presos reconhecidamente irrecuperáveis”.

A idéia é de que esses estabelecimentos, com administração privada, seriam auto-sustentáveis mediante a utilização remunerada da mão-de-obra dos internados em colônias penais e, por comissão aos concessionários das casas do albergado, sobre a remuneração dos sentenciados lá recolhidos.

Haveria, por conseguinte, um significativo aprimoramento na formação profissional dos presos, visto que, progressivamente, receberiam tarefas de complexidade crescente, “desde simples procedimentos manuais, característicos da atividade rural, até os relativamente mais exigentes, na construção civil e na prestação de serviços”.

Mas no parecer favorável, com emenda, a esse PL, que recebeu o n° 714-A/99, o relator, na Comissão de Economia, Indústria e Comércio – CEIC, deputado Antônio do Valle (PMDB-MG), foi contrário à tramitação de outro PL, de nº 2003/99, apensado ao primeiro, de autoria do deputado Edmar Moreira (PPB-MG), dispondo sobre a prestação de serviços penitenciários por pessoas jurídicas de direito privado. Não sei, entretanto, que razões teve o relator para acolher o primeiro projeto e rejeitar o segundo.

Preocupa, de qualquer modo, a existência desse projeto de lei em tramitação na Câmara dos Deputados, visto que o tema da privatização das prisões merece maior cuidado por parte do legislador, em razão da sua complexidade e magnitude, não podendo ser resolvido a toque de caixa, ou através de projetos de lei mirabolantes que acenam com falsas soluções assentadas quase que unicamente na adoção de medidas econômicas de forte restrição ao gasto público.

A solução do problema penitenciário, neste país, longe de passar pelo simples barateamento das prisões aos cofres públicos ( e não há provas conclusivas de que as prisões privadas se tornariam menos dispendiosas), depende do empenho das autoridades governamentais em criar mecanismos viabilizadores de ressocialização do preso : construção de prédios adequados, pessoal treinado e gabaritado para trabalhar e cuidar dos presídios, além de remuneração condigna.

Isso as autoridades podem fazer, com uma certa criatividade, sem a demagogia e a pregação costumeira e inaceitável de que não há dinheiro para projetos dessa natureza, desde que tenhamos governos preocupados com a realização de políticas sociais que visem o respeito e o engrandecimento do ser humano.

A administração penitenciária é dever do Estado, isso fica evidente na leitura séria e ponderada da Constituição Federal e das leis regulamentadoras do tema.

Os funcionários do sistema penitenciário, embora vinculados ao Poder Executivo para fins de gestão financeira e disciplinar, ao praticarem atos de execução, o fazem em obediência às determinações do juiz da execução, cuja atividade jurisdicional é indelegável, daí que o trabalho carcerário, exercido por funcionários pagos pelo Estado, também é indelegável, vedado seu gerenciamento por empresas privadas.

É da tradição do nosso direito, aliás, que esse gerenciamento só pode ser feito pelo setor público, bastando lembrar o Anteprojeto do Código de Execuções Penais de ROBERTO LYRA, no seu art. 70, que diz: “O trabalho dos recolhidos não poderá ser locado a empresas particulares”.

Portanto, propostas visando a solução do problema sob o ponto de vista da falta de recursos públicos, baseadas na mera aplicação de cálculos contábeis, devem ser afastadas, pois o objetivo primordial da administração penitenciária é combater a criminalidade e não a obtenção de lucros com a pregação de um falso combate a essa criminalidade.

A empresa privada que vier a administrar prisões terá como meta, em primeiro lugar, seus lucros, jamais o combate sério e incansável à criminalidade.

A questão penitenciária exige, assim, vistas largas, com apoio na ética, na sociologia e na antropologia, não podendo ser resolvida por quem desconhece os problemas estruturais que assolam nosso povo: fome, miséria, favelamento e sérios desníveis econômicos e culturais.

Vale, por fim, acolher o ensinamento de EVANDRO LINS E SILVA (in “Jornal do Brasil”, de 04.04.92, pág. 11), quando diz ser “temerário” privatizar prisões num país como o nosso, com a crescente onda do crime organizado, visto que as empresas poderão tornar-se reféns dessas organizações criminosas, em completo desvirtuamento dos papéis e fins colimados por administradores e administrados.

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