A lógica do razoável

Des. Paulo Cesar Salomão defende tutela antecipada no processo eleitor

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27 de novembro de 2000, 23h00

Como meio de defesa do sistema eleitoral, em nosso País, houve por bem o legislador excluir da disputa eleitoral todos os que contribuíram e/ou foram beneficiados pela fraude, corrupção ou abuso do poder econômico ou político.

Registre-se que o escopo da inelegibilidade é preservar a legitimidade das eleições contra a interferência da fraude, corrupção, poder econômico ou o abuso do poder político ou de autoridade e, ainda, o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta, conforme consagra o art. 14, § 9º. da Constituição Federal.

Não basta que os candidatos pautem seus atos, em princípio, no cumprimento da lei, de forma objetiva. É preciso, também, atender aos padrões de conduta que a comunidade deseja, ou seja, com moralidade administrativa. A nova Constituição introduziu, no processo eleitoral, o requisito da moralidade como da substância ou elemento essencial dos atos dos candidatos, conforme se vê no art. 14 § 9º c.c. o art. 37, caput.

A ação de impugnação de mandato, prevista no art. 14 § 10º, da Constituição Federal e a Investigação Judicial, procedimento administrativo/jurisdicional criado pela Lei Complementar nº 64/90, são instrumentos valiosos com que contam os interessados no processo eleitoral para repressão à fraude, corrupção e ao abuso de poder econômico, de autoridade ou político.

Estes institutos, no direito moderno, são poderosos meios para se pugnar pela moralidade nos pleitos e assegurar a competição livre e igual para todos, “expulsando” do campo do jogo eleitoral aquele que não observou as regras previamente estabelecidas. A moral na política exige combate às diversas formas de corrupção e fraude, o abuso de poder econômico, político ou de autoridade, bem como o uso indevido dos meios de comunicação.

A certeza de impunidade sempre foi fator de encorajamento para a prática de atos condenáveis, jurídica e moralmente, principalmente quando essas pessoas exercem funções públicas e atividades políticas. O País começa a mudar sua fisionomia e, para isso, precisa contar com um Ministério Público independente e um Poder Judiciário livre e disposto a consagrar o ideal de Justiça.

A própria democracia exige que se impeça um candidato beneficiado pela corrupção ou abuso de poder de prosseguir na disputa ou ser diplomado.

O sistema eleitoral brasileiro repele o abuso do poder econômico e político em todas as suas mais diversas e heterogêneas formas, seja em relação ao aliciamento de eleitores e de votos, seja em relação à propaganda eleitoral e respectivo gastos, bem assim ao uso da Administração Pública.

O abuso do poder consistente no uso indevido da máquina administrativa em benefício próprio é a imoralidade que fere o decoro e a probidade, vulnera a reputação e estabelece a inidoneidade do cidadão, incompatibilizando-o para o exercício da função pública pleiteada.

A sanção, aqui, é de natureza ético-política, sem prejuízo da penal, a decorrer do procedimento próprio relativo ao crime eleitoral.

A demora no julgamento das ações que alijam os candidatos da disputa ou impedem a sua diplomação é por demais conhecida de todos aqueles que militam no campo eleitoral.

Há especialistas em procrastinar o andamento desses feitos, que podem se arrastar por anos a fio, o que, na verdade, leva à ineficácia das normas constitucionais já citadas.

O próprio candidato, suspeito de irregularidade, deveria querer um julgamento pela Justiça Eleitoral que estabelecesse a verdade dos fatos. É o velho ditado: “quem não deve não teme”.

Mas, a realidade é completamente diferente. São conhecidos os casos em que os candidatos, embora beneficiados pela fraude, corrupção ou abuso do poder, mesmo condenados nas mais diversas instâncias, ainda assim, usando e abusando dos artifícios legais e dos princípios que asseguram ampla defesa, permanecem e cumprem integralmente seus mandatos obtidos de forma viciada.

Há que se inverter esta perversa equação, vale dizer, por mais que a Justiça Eleitoral obre com diligência, os recursos e meios protelatórios são tantos que se ousa afirmar que as normas nunca serão cumpridas.

É dever da Justiça Eleitoral assegurar a todos os participantes do pleito eleitoral a igualdade de condições na disputa, reprimindo toda e qualquer tentativa de prevalência da fraude, da corrupção e do abuso do poder econômico, de autoridade ou, ainda, utilização indevida da máquina burocrática estatal em benefício de determinado candidato ou Partido Político.

As práticas, então, que afrontam estes princípios, devem merecer severa e exemplar punição para, até mesmo, servir como prevenção geral para os próximos pleitos.

Por isso, foi divulgada, com grande estardalhaço, a Lei 9840, de 28.09.99, como moralizadora da “compra de votos” por candidatos, estabelecendo punições rigorosas, inclusive a cassação de seus registros.

Nas últimas eleições municipais foram denunciados inúmeros casos de abusos e uso indevido das máquinas administrativas, e, em alguns Municípios, constatados vergonhosos atos possibilitados pela reeleição sem desincompatibilização com a aplicação do famoso (e triste) chavão político: “O feio é perder”. É o “vale-tudo” para ganhar a eleição.

A competência é do juiz eleitoral de cada comarca para processo e julgamento desses feitos. Supondo que os fatos sejam simples e o juiz extremamente rápido, mesmo assim, com os recursos que a lei faculta aos réus, a decisão final, com o trânsito em julgado, poderá ser protelada indefinidamente e o “comprador de votos” exercer seu mandato tranqüilamente.

Pior que a fraude que falsifica um ou mais votos é aquela que manipula consciências através da propaganda enganosa e ilegal, como é a que usa o dinheiro público e os poderosos meios de comunicação, possibilitando a corruptos e indignos a perpetuação no poder, formando feudos e verdadeiras quadrilhas especializadas no saque às finanças do povo.

São incontáveis os recursos cabíveis no processo para apuração e punição do abuso do poder e, pelo sistema atual, o procedimento só se esgota no Supremo Tribunal Federal, sem mencionar que, se o político for importante, pode-se engendrar mais um obstáculo como fizeram no triste episódio do ex-senador LUCENA, que, cassado, foi beneficiado casuisticamente com a criação de uma esdrúxula ação rescisória com efeito suspensivo!

Com a introdução da votação eletrônica, as fraudes na apuração foram praticamente banidas do nosso sistema, que, sem qualquer ufanismo, pode ser considerado modelar para o resto do mundo (v. exemplo recente do atraso na apuração nos EUA, além da falta de credibilidade nos resultados). Falta somente acabar com o abuso do poder econômico e político, o que, reconheça-se, é problema universal!

Na falta de disposição específica nas leis eleitorais, há que se socorrer das normas gerais do Código de Processo Civil. E, para isto, o Direito Processual moderno oferece solução. São as medidas cuja antecipação liminar da tutela jurisdicional pode ser obtida quando estão presentes os requisitos que doutrina e jurisprudência apontam como fundamentais para o seu deferimento.

Nesse sentido, impõe-se observar que há o pressuposto do “direito em estado de periclitação” como requisito indispensável à concessão da tutela.

Ora, a posse de um candidato eleito ilicitamente gera situação irreversível, somente reparável pela via da tutela antecipada obstativa.

Confira-se a esse respeito, por todos, as oportunas lições do Prof. e Des. Luiz Fux, in “TUTELA DE SEGURANÇA E TUTELA DE URGÊNCIA”, Saraiva, 1996, os fundamentos da antecipação da tutela, obra extraordinária e que esgota o assunto.

Entre o direito individual da parte e o interesse da comunidade obviamente tem o Judiciário de amparar a coletividade.

Posto isto, entre a expectativa do candidato em se empossar e o perigo representado pela posse e exercício do poder de um candidato cuja eleição foi viciada pela corrupção ou abuso do poder, preferível, evidentemente, se proteger o interesse público.

Comprovando-se a verossimilhança da alegação e havendo receio de dano irreparável, é de se conceder a tutela antecipada, nos termos do art.273 do CPC, a fim de impedir a posse daqueles que obtiveram imoralmente o mandato até que seja julgada definitivamente a ação que visa a sua impugnação, cumprindo-se, assim, as normas altamente moralizadoras previstas na Constituição-cidadã de 1988.

É a “LÓGICA DO RAZOÁVEL” ou a “RAZOABILIDADE” dos efeitos pretendidos com o provimento jurisdicional.

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