Responsabilidade objetiva

Empresa de ônibus é responsável por assalto a passageiros

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2 de novembro de 2000, 23h00

As empresas de transporte coletivo têm responsabilidade sobre o que acontece no interior de seus veículos. Posteriormente, a companhia pode acionar o agressor ou assaltante. Mas, em primeiro lugar, responde a empresa.

A decisão foi reafirmada pela 11ª Câmara Cível do Rio de Janeiro ao aprovar, por unanimidade, o voto do desembargador Mello Tavares.

A empresa, no caso concreto, foi condenada a pagar a uma passageira que foi assaltada e baleada na cabeça a quantia equivalente a 300 salários mínimos por dano moral; as despesas médicas e hospitalares, a pensão mensal de 1 salário mínimo durante dois anos; e as despesas processuais, custas e honorários advocatícios.

Leia o acórdão da decisão

DÉCIMA PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL

APELAÇÃO CÍVEL Nº 99.001.3913

RELATOR DESIGNADO: DESEMBARGADOR MELLO TAVARES

RESPONSABILIDADE CIVIL.

ASSALTO EM ÔNIBUS.

DANO AO PASSAGEIRO.

RESPONSABILIDADE DA TRANSPORTADORA.

CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ART. 37, § 6º.

SÚMULA 187 DO STF.

Ação de Indenização proposta por passageira, quando viajava em ônibus de propriedade da transportadora, por ter sido assaltada e baleada na cabeça.

A responsabilidade contratual do transportador não é elidida por culpa de terceiro, contra o qual tem ação regressiva (súmula 187 do STF).

O assalto, hoje, se insere nos riscos próprios do deslocamento. É mais provável o passageiro ser assaltado, do que sofrer danos decorrentes do próprio transporte.

Afastada a hipótese de caso fortuito, posto que só é admissível quando se trata de eventos imprevisíveis, o que não é o caso.

Recurso conhecido e provido.

Vistos, relatados e discutidos esses autos de Apelação Cível nº 99.001.3913, em que é apelante Silvana da Costa Andrade e apelada Viação Mauá Ltda.

ACORDAM os Desembargadores que compõem a Décima Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por unanimidade, rejeitar a preliminar, e no mérito, em dar provimento ao recurso, nos termos do voto do primeiro Vogal Desembargador Mello Tavares, vencido o Desembargador Relator que o desprovia. Designado para o acórdão o Desembargador Mello Tavares.

Cuida-se de ação indenizatória, de responsabilidade civil, contratual, de empresa de transporte coletivo. A vítima durante o trajeto foi assaltada no interior do ônibus pertencente a ré, sendo baleada por um dos assaltantes.

A pretensão foi desacolhida, pelo Juízo de primeiro grau, que condenou a autora ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, observado o disposto no artigo 12, da Lei 1060/50.

A autora-apelante argui preliminarmente a nulidade da sentença, por violação do artigo 458, II do Código de Processo Civil. E, quanto ao mérito, insurge-se contra o decisum, alegando que em se tratando de contrato de transporte, responde a empresa pelos danos causados à passageira.

Foram anexadas contra-razões, prestigiando o julgado.

É o relatório.

DA PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA ARGUIDA PELA APELANTE.

A Constituição Federal e a Legislação Processual Civil, não exigem que a decisão seja extensamente fundamentada. O que se exige é que o Juiz dê as razões de seu convencimento.

Na espécie, a sentença do eminente Juiz monocrático, apesar de sucinta, foi suficientemente clara e precisa para demonstrar a correção de sua tese.

Rejeita-se a preliminar.

MÉRITO

No dia 23 de dezembro de 1995, a autora, ora apelante, quando viajava em ônibus de propriedade da apelada, foi assaltada e baleada na cabeça, conforme demonstra o Registro de Ocorrência de fls. 11/12, e o auto de exame de corpo de delito de fls. 13.

O evento não exibe contornos exclusivos de culpa extracontratual ou aquiliana, mas se direciona no elastério da responsabilidade civil objetiva, que se inscreve na teoria do risco criado.

A matéria é palpitante e tem suscitado inúmeros pronunciamentos, até o advento da Carta Magna de 88, cujo artigo 37, § 6º impôs a chamada responsabilidade pelo risco, às empresas concessionárias de serviço público.

Conforme dispõem o artigo 17, do Decreto nº 2681, o artigo 14 da Lei 8078, Código de Defesa do Consumidor e artigo 175, parágrafo único, inciso IV da Constituição Federal, a apelada, por ser prestadora de serviço público de caráter essencial, responde, independentemente de existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores, por ocasião da prestação do serviço.

Na hipótese dos autos, a responsabilidade da transportadora é cristalina, ante a ocorrência do assalto que ensejou os fatos no interior do ônibus, tendo em vista a frequência desses assaltos e a sua previsibilidade.

O eminente e culto Professor Desembargador Martinho Garcez Neto, em sua obra “Prática da Responsabilidade Civil”, 3ª Edição, Saraiva, Pág. 103, ensina o seguinte:

“As empresas de transporte, para conseguirem a concessão do serviço publico, que exploram vantajosamente, assumem prévia, consciente e deliberadamente, a obrigação de transportar incólume o passageiro do ponto inicial ao terminal da viagem. Sabem que assumem um risco contratual que as torna responsáveis no caso de acidente com o passageiro no curso da viagem. Não podem, portanto, honestamente, desembaraçar-se dessa obrigação, atirando a responsabilidade sobre os ombros do terceiro, cujo procedimento não podia deixar de entrar em suas cogitações, por isso que vinculado à exploração comercial da transportadora.

E complementa sua opinião com uma afirmação que se coloca como luva na hipótese presente:

“… que, sendo um acontecimento inevitável, mas podendo o devedor prevê-lo, quando celebra o contrato, não exonera da responsabilidade por falta de cumprimento, porque o obrigado não devia ter assumido temerariamente o compromisso quando já era possível prever que haveria de ser inibido de realizar o convencionado. (A letra em itálico é do autor)

E a teoria da causalidade adequada, criada pelo filósofo Von Kries, que entende deva ser considerado como causa apropriada apenas aquele fato que, no momento da produção do evento, surge como capaz de originarar o dano, constituindo um critério de previsibilidade subjetiva, se aplicada à hipótese, conduziria à inevitável consequência de que causa foi o assalto, ou os disparos produzidos pelos assaltantes.

Mas, o que se deve indagar,in casu, é qual dos fatos ou culpas foi decisivo para o efeito danoso, isto é, qual dos atos imprudentes fez que o outro, que não teria consequências por si só, determinasse, completado por ele, o acidente.

Imprescindível aqui indagar se é efetivamente força maior a invasão do ônibus por assaltantes, acarretando culpa, por omissão, à transportadora, ou se, ao contrário, tal ato é imprevisível e inevitável, nos termos do art. 1.058 do Código Civil Brasileiro, trazendo a exculpação do agente.

Oportuno transcrever a lição do Professor José Afonso da Silva, em seu Curso de Direito Constitucional, 9ª edição, verbis:

“O terceiro prejudicado não tem que provar que o agente (da administração) procedeu com culpa ou dolo, para lhe socorrer o direito ao ressarcimento dos danos sofridos. Basta que comprove o dano e que este tenha sido causado por agente da entidade imputada.”

Arnaldo Medeiros da Fonseca, em sua obra “Caso Fortuito e Teoria da Imprevisão”, registra, em abono da tese:

“Um temporal é um fenômeno da natureza que não podemos obstar, mas podemos prevenir e devemos prever, numa cidade como o Rio de Janeiro, periodicamente a ele sujeita às suas consequências, sobretudo quando se trata de desmonte de morro a cavaleiro de ruas e logradouros públicos………. A concepção que aceitamos recusa-se a admitir esse critério apriorístico (de que existia uma categoria de acontecimentos por si mesmos constitutivos de força maior).” (pág. 159, 3ª edição)

O assalto, hoje, se insere nos riscos próprios do deslocamento. É mais provável o passageiro ser assaltado, do que sofrer danos decorrentes do próprio transporte.

Ora, diante da previsibilidade de assalto, não se pode sustentar de que se trata de fato de terceiro, excludente de responsabilidade civil da transportadora.

Neste sentido o julgamento dos Embargos Infringentes nº 415/93, realizado pelo 1º Grupo de Câmaras Cíveis do extinto Tribunal de Alçada, sendo Relator o então Juiz Gustavo Leite, verbis:

“Não é força maior capaz de excluir a responsabilidade da transportadora a ocorrência de assalto ao ônibus, ensejando a causalidade adequada à lesões sofridas pela vítima, se tal fato, de tão repetido, é previsível e, com cautela, seria evitado.” (fls. 28)

Comunga com este entendimento, o Ministro Antonio Torreão Braz, do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, manifestado por ocasião do julgamento do R.E. nº 50.129-6 (fls. 35) que:

“O caso fortuito ou a força maior caracteriza-se pela imprevisibilidade e inevitabilidade do evento; no Brasil contemporâneo, o assalto à mão armada nos meios de transportes de cargas e passageiros deixou de revestir esse atributo, tal a habitualidade de sua ocorrência, não sendo lícito invocá-lo como causa de exclusão da responsabilidade do transportador.

Acresce, por fim, anotar, que tal discussão já se encontra dirimida pela súmula 187 do STF, segundo a qual, a responsabilidade contratual do transportador pelo acidente com o passageiro, não é elidida por culpa de terceiro.

Portanto, é inquestionável a responsabilidade da apelada, devendo indenizar a apelante, da seguinte forma:

a) Pagamento de 300 (trezentos) salários mínimos a título de dano moral;

b) Despesas médicas e hospitalares, desde que comprovadas;

c) Pensão mensal de um salário mínimo, pelo período de dois anos, considerando a resposta ao item 04, pelo perito do Juízo, ao quesito formulado pela autora, tendo em vista que inexiste prova nos autos da função laborativa exercida pela mesma;

d) A empresa deverá constituir capital, nos termos do artigo 602 do CPC;

e) Condenação nas despesas processuais, custas e honorários advocatícios, fixados em 10% (dez por cento), nos termos da súmula nº 01, do extinto Tribunal de Alçada Cível.

Face ao exposto, conhece-se e dá-se provimento ao recurso, nos termos da fundamentação supra.

Rio de Janeiro, 15 de abril de 1999.

DESEMBARGADOR NILTON MONDEGO

Presidente

DESEMBARGADOR MELLO TAVARES

Relator Designado

DESEMBARGADOR MARIO RANGEL

Relator Vencido

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