A Constituição do Império

1ª constituição do Brasil

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26 de março de 2000, 0h00

A CONSTITUIÇÃO DO IMPÉRIO DO BRASIL E A SUA VIDA POLÍTICA.

Em 1824, foi outorgada por D. Pedro I a constituição que vigeu por mais tempo Brasil. Talvez o caráter liberal desta constituição deva-se ao fato do período conturbado que se seguiu a dissolução da assembléia constituinte de 1823 (vide o famoso “dia dos moleques”).

O grande marco desta constituição foi a introdução do poder moderador, seguindo a idéia de Benjamim Constant, publicista francês que “olhava para o modelo inglês”. Embora Contant seja o sistematizador das teorias que introduziram o poder moderador em nosso sistema constitucional , imputa-se as inspirações deste a Clermont-Tonnerre.

Quanto ao texto da constituição de 1824, são inúmeros os dispositivos que afirmam o caráter democrático desta. Ao tratarmos do caráter democrático, é mister retroceder à realidade da época.. Faz-se necessário para uma análise madura e realista abstrair todo e qualquer “ranço” e preconceito quanto às instituições monárquicas, que são mais constantemente alvo de dúvidas e desconfianças do que a forma republicana de governo.

O art. 3 estabelece o governo monárquico-hereditário, elegendo-se no art. 4 a dinastia de D. Pedro I ; Constitucional, o que já é um grande avanço pois saímos de uma monarquia absolutista para uma monarquia constitucional; E representativo, tendo como representantes da nação brasileira o imperador e a assembléia geral (art.11).

Outro aspecto importante que afirma a coloração democrática dada a este texto constitucional é a origem dos poderes (são quatro: Legislativo, Moderador, Executivo e Judicial). O art. 12 explicita-os como sendo delegação da nação, trazendo assim a idéia de que, se o poder político procede imediatamente dos homens, antes de ser absoluto ele é apenas supremo – como muito bem define o art. 98 da constituição.

Como o poder reside na sociedade, e desta se transfere, com o consentimento do povo, ao governante, decorrem limites para o poder do próprio ato da concessão.

Nota-se então o apelo suarista da constituição de 1824, fugindo-se da orientação tomista que dominava na maioria das nações da época.

Mesmo tendo o texto constitucional admitido a soberania nacional como princípio basilar, cabe refletir se a sistemática política da constituição do império respeitou tal princípio.

Havia uma “teia”, uma organização estatal, que ia desde a porta da casa do cidadão – na figura do inspetor de quarteirão – até a autoridade suprema do imperador.

A menor unidade administrativa – criada pelo código de processo criminal – era o quarteirão. O inspetor de quarteirão era a autoridade mais próxima, porém não prosperou tal unidade, pois em 1841 – com a reforma do código de processo criminal – o inspetor de quarteirão passou a ser apenas um prolongamento da autoridade policial comum.

A unidade administrativa subseqüente ao quarteirão era o distrito, com a figura de outra personagem importante na vida política do império (principalmente durante o período regêncial):

O juiz de paz. Com a reforma do código de processo criminal, em 1841, iniciou-se um movimento de “esvaziamento” das atribuições e autoridade do juiz de paz.

Mas onde, finalmente, se fazia ouvir a vontade popular? A máxima responde, sucintamente, a esta indagação:

“O imperador em seus conselhos e o cidadão em seus colégios”.

No que concerne a questão eleitoral são três importantes momentos que orientaram a vida política nacional durante o período monárquico:

– A primeira lei eleitoral, de 19 de agosto de 1846.

– A lei dos círculos, de 19 de setembro de 1855, que introduziu as novidades dos círculos, das incompatibilidades eleitorais e a figura dos suplentes de deputados.

– A lei Saraiva, sancionada em 9 de janeiro de 1881. Inicialmente vista com restrições pelo imperador D. Pedro II, as eleições diretas foram um vitória dos liberais, comandados por José Antônio Saraiva (Sinimbu não conseguiu chegar a termo) e tendo como relator o jovem Rui Barbosa. Além das eleições diretas, a lei Saraiva trouxe de inovações: estabeleceu condições que prenunciavam a justiça eleitoral; restabeleceu os círculos de um só deputado (a lei de 1860 criara o círculo de 3 deputados); regulamentou as incompatibilidades; criou penalidades para as fraudes; “alargou” voto (naturalizados, acatólicos e libertos); e, surgem os títulos eleitorais.

A constituição de 1824 não consagrava a eleição direta nem o voto universal. As eleições eram feitas em dois turnos: primárias (em que compareciam os votantes) e secundárias (na quais compareciam os eleitores).

Segundo Pimenta Bueno, as condições para se alcançar o status de votante não eram tão inacessíveis, pois a renda exigida só estava além das posses de mendigos. Quanto as outras restrições , pode-se tirar como denominador comum o fato de todos não votantes estarem, de certa forma , sob a autoridade (de qualquer ordem, por exemplo: moral) de outrem . Quanto a condição de eleitor já eram mais restritas as condições de acesso.


De qualquer forma, a conclusão que formamos durante esta pesquisa é que, se a prática eleitoral do império não correspondia aos ideais do século, as imperfeições e vícios devem-se mais a ordem social do que jurídica. A sociedade ainda engatinhava na questão eleitoral, e a ausência de proteção e garantia aos direitos civis favorecia a prática do “voto de cabresto”.

Outro fator que “viciava” as eleições, motivo de preocupação por parte de D. Pedro II – escrita nos “Conselhos à Regente” – era a falta de suficiente educação popular.

De qualquer forma, se a prática política do império foi eivada de imperfeições, a sorte da república não foi diferente (pelo menos nos seus primeiros 50 anos…).

Muito embora tenham os liberais tentado atribuir as falhas da sistemática política ao imperador (ou ao seu poder pessoal) , na verdade ele tinha como uma preocupação constante justamente com a necessidade de eleições realmente “representativas” e não meramente “eleitoreiras”.

A constituição de 1824 não assumiu categoricamente o regime parlamentar, mas este é concluído do próprio texto constitucional.

Cabe aqui indagar do verdadeiro detentor do Poder Executivo sob a Constituição do Império. Embora o artigo 102 afirmasse o imperador como o chefe do Poder Executivo, é de se assinalar que, sem os Ministros de Estado o exercício do referido poder era impossível.

Ora, se temos então um ministério encarregado do poder executivo, e a governabilidade deste ministério depende da confiança e aprovação da câmara, que pode negar as condições de permanência e viabilidade deste, temos então na verdade uma relação de estreita ligação e dependência do executivo para com o legislativo – que caracteriza o liame, tão característico nos regimes parlamentaristas, entre os referidos poderes.

A particularidade brasileira, no que tange este assunto, se desdobra em dois importantes aspectos que distinguirão o parlamentarismo brasileiro dos demais.

O primeiro aspecto é a dupla responsabilidade do poder ministerial – tanto à câmara como ao imperador – característica esta que enquadrará o sistema brasileiro na categoria “Parlamentarismo Orleanista”.

O segundo aspecto que irá suscitar infindáveis discussões por todo o período monárquico,

notadamente na figura dos liberais, refere-se ao caráter “inverso” do nosso parlamentarismo. Na verdade, o usual e corriqueiro – como no modelo inglês – é que a “dependência” do poder executivo perante o legislativo acabe por sujeitar a formação daquele conforme os desígnios deste. Ocorre ,aparentemente, o oposto na nossa vida política: o poder executivo acabará por “formatar” o poder legislativo – daí a denominação de parlamentarismo invertido .

Cabe aqui crítica ao sorites de Nabuco, que é como o próprio nome já diz, uma falácia, um sofisma. Não há de questionar-se a sistemática denunciada por Nabuco – realmente o ministério “fazia” os presidentes de província, que “faziam” as eleições, que “faziam” a câmara. Mas daí imputar esta sistemática viciada à responsabilidade do imperador é, no mínimo, uma inverdade.

O imperador D. Pedro II, em “Cartas à Regente”, repetidas vezes manifestou o seu descontentamento quanto ao conduzimento das eleições.

De qualquer forma, mesmo com o surgimento da república a lógica permaneceu a mesma, com a implantação da política dos governadores – que instituiu definitivamente a oligarquia no Brasil.

Na verdade, os liberais não eram os mais indicados para criticar os vícios característicos das eleições no período monárquico, haja visto que largamente utilizaram-se dos mesmos expedientes denunciados na hora de “fazerem” as eleições.

Na idealização de Constant, a chave de toda organização política é a separação entre o poder executivo e o poder real. No modelo brasileiro, como foi oportunamente apontado pelo professor Nelson Saldanha, o poder moderador em si assume maior importância do que a explícita separação deste com o poder executivo. Literalmente, o Poder Moderador é a chave (artigo 98), e não a distinção entre o Poder Moderador e o Poder Executivo, como estipulou Constant.

O Capítulo I, Título 5º, da constituição de 1824 busca transformar, o quanto possível, uma doutrina em dispositivos jurídicos. Vem definir sucintamente, em apenas 4 artigos, o poder moderador e suas atribuições constitucionais. Ele (poder moderador) é o ápice da organização política brasileira. É supremo, porém não absoluto, pois as suas atribuições estão restritas ao disposto no artigo 101 da constituição de 1824.

Sendo irresponsável o imperador a conclusão lógica é o parlamentarismo – pois é incabível a idéia de um poder ativo que não possa sofrer responsabilização de espécie alguma.

Observando-se atentamente as atribuições do poder moderador percebe-se o caráter meramente reativo deste. Ousaríamos dizer que o poder moderador não faz, desfaz. Ele representa o olhar atento da nação a fiscalizar os outros poderes (executivo, legislativo e judicial) para que não excedam os seus limites. É impossível ao poder moderador causar o mal pois nunca age espontaneamente, sempre reage às situações em que sua temperança faz-se necessária. Temerária é a conclusão obtida do estudo da vida política no período monárquico tendo como base apenas o primeiro império. Nem a impetuosidade de D. Pedro I, nem o conturbado período regencial devem ofuscar o momento democrático vivido nos tempos do segundo império. E isto deve-se muito em parte à rígida (e elevada) educação concedida ao jovem príncipe.


Querer condicionar os atos do poder moderador à referenda ministerial é, sem sombra de dúvida, querer subverter a constituição. Se isso ocorresse acabaria a divisão tão relevante que deve haver entre estes dois poderes (poder moderador e poder executivo). Ademais, chegaríamos a um círculo vicioso quando delegarmos papel de fiscalizador a alguém para que fiscalize o fiscalizador…

Duas críticas acompanharam o debate político por todo período monárquico: o “poder pessoal” e a excessiva centralização. Quanto ao “poder pessoal”, imputavam a este um sentido pejorativo : como sendo um ato de arbitrariedade do imperador, um poder em que prevalecia a vontade pessoal do monarca. Na verdade a constituição de 1824 ,sutilmente, coloca as coisas em seus devidos lugares, quando em seu artigo 98 define o poder moderador como privativo, e não pessoal. A crítica ao “poder pessoal” trata-se na verdade muito mais de uma questão doutrinária dos liberais, de uma escolha destes, do que uma realidade de fato.

Quanto a excessiva centralização procediam as queixas dos liberais. De qualquer forma é importante lembrar que a nossa sociedade (brasileira) surgiu de cima para baixo: eis que primeiro desembarcou o governo em nossas costas, e só depois surgiu o povo…

A nossa origem é centralizada. Nunca fomos Estados independentes que, ao exemplo norte americano, formaram uma confederação e evoluíram para uma federação. A minha conclusão pessoal é que a sociedade brasileira quando da sua formação, ainda frágil e insipiente, necessitava de um elemento aglutinador de todas correntes políticas. Foi assim quando, ameaçado o Brasil por Portugal a retornar ao status de colônia (na época era reino unido) , buscou a então elite política o apoio de D. Pedro I, que respondeu com um sonoro “fico”.

O Código de Processo Criminal (1832), aprovado logo após a abdicação, conferiu maior autonomia às províncias. É notável o papel que veio desempenhar os juízes de paz no cenário político durante este período. Há quem se refira a este período como uma mal fadada experiência “republicana” (período regencial).

Com o golpe da maior idade inicia-se um esvaziamento das autoridades regionais, aglutinando o poder na esfera central. Já no final da monarquia (1889) surge o programa de Ouro Preto (Visconde de Ouro Preto – na época o ainda Senador Afonso Celso de Assis Figueiredo) que discutia a descentralização política sob a denominação de “federalismo”. Lembrou ainda Ouro Preto da lei gaúcha (12 de maio de 1876), vetada por Tristão de Alencar, que criava a figura dos conselheiros provinciais.

Com a república a elite econômica que surgiu no oeste paulista, após o período da “república das espadas”, instituiu a ordem oligárquica definitivamente no país.

Outro fator importante são os partidos políticos. Com a crise de 7 de abril de 1831 (abdicação de D. Pedro I) surgem três partidos no Brasil: o Partido Liberal, o Partido Conservador e o Partido Caramuru. Logo em seguida permanecem apenas os liberais e os conservadores.

Embora perceptíveis diferenças, o modo de governar era bastante semelhante. Neste aspecto a máxima: “nada tão semelhante a um conservador do que um liberal no poder”.

Os liberais defendiam o parlamentarismo pois desejavam o “self-government”. Suas principais metas eram a descentralização, um sistema eleitoral compatível com as suas finalidades, a independência do judiciário e a abolição do “poder pessoal”.

Os conservadores por sua vez eram centralizadores. Acreditavam na autoridade imparcial e neutra do imperador. Tinham como principais metas a unidade nacional, o respeito à autoridade e a ordem e a hierarquia

O imperador, como árbitro político que era, alternava os dois partidos no poder. Apesar de cronologicamente os conservadores permanecerem mais tempo no poder devemos admitir que foi equilibrada a sucessão dos gabinetes “orquestrada” por D. Pedro II.

Em 1862 liberais de peso como Nabuco, Sinimbu, Saraiva, Paranaguá e Zacarias formam o Partido Progressista. Porém em 1868, na volta abrupta dos conservadores ao poder com o gabinete do Visconde de Itaboraí, e a fusão dos liberais com os progressistas, “a ala esquerda dos conservadores passou para os liberais, forçando a ala esquerda destes a tornar-se republicana…” ( João Camilo de Oliveira Torres, A Democracia Coroada – página 289, 2ª edição, Vozes). Surge então o Partido Republicano.

De todas contribuições que o período monárquico legou para as gerações futuras, e não foram de somenos importância, como a unidade territorial (pois sem a presença de um elemento aglutinador talvez o Brasil fosse hoje como a América espanhola), certamente a que mais obteve a admiração do grupo foi o caráter democrático desta instituição. O mais simples dicionário da língua portuguesa (mini dicionário Aurélio) vai associar o vocábulo “democracia” a dois princípios básicos: a soberania popular e a distribuição eqüitativa de poder. E estes princípios foram, na medida do possível, atendidos durante o período monárquico. Basta fazer apenas um simplório exercício de abstração histórica para captar o peso destas palavras: em 1870 surgiu o Partido Republicano no Brasil. E um século depois estávamos em pleno AI-5…

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