Subsídio único

Artigo: Os três poderes e o teto salarial do funcionalismo

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6 de março de 2000, 11h51

I – O Direito Natural Universal

Partindo-se do incomensurável e perpétuo Universo, pois infinito no espaço e no tempo, a por isso transcender os limites da compreensão humana, nele imperam imutáveis leis naturais que o regem e velam pela perfeição máxima dos movimentos dos corpos celestes no decorrer de bilhões de anos-luz, assim também de tudo existente na vida universal.

Nos albores da evolução do homo sapiens no planeta Terra, um ser inteligente e indispensavelmente gregário para lograr sobreviver, regramentos naturais de colaboração e interdependência passaram a imperar desde as mais remotas sociedades tribais.

Com o correr dos séculos e milênios, deu-se a aparição de sociedades evoluídas e duradouras em sua formação e cultura, como a dos egípcios ao tempo dos faraós, dos gregos da Grécia Antiga, dos romanos da milenar Roma, dos chineses, persas, etc. Nelas instalaram-se avançadas disciplinas de poder político, com submissão e coerção, para haver a durabilidade de uma ordem constituída interna e segurança externa.

A primeira forma mais organizada de domínio social foi a monárquica, através da qual os reis governavam seus súditos, alguns destes se identificando como colaboradores reais diretos, assim recebendo títulos nobiliárquicos e governando subsidiariamente na preservação da ordem e do reino.

Na Grã-Bretanha do séc. XIII surgiu a histórica Magna Carta, que os barões ingleses impuseram ao Rei João Sem Terra em 1215, após ser vencido em combates com aqueles e a Santa Sé. Trata-se de uma petição de princípios fundamentais da justiça humana.

Mas, como veremos a seguir, ainda faltava uma fórmula de justo equilíbrio do poder, a dar maior respaldo ao inafastável direito natural, este imanente à vida de todo o ser, sobretudo o inteligente (o tão citado por nós: jus quod natura omnia animalia docuit – ULPIANO, que é o direito inerente à natureza de todos os animais)

Ressalve-se ter, moderna versão do direito natural, ampliado consideravelmente sua área de abrangência, diante dos limites mais estreitos da milenar regra latina supra-mencionada.

Irrefutavelmente, o direito natural hoje se irradia a todas as normas fundamentais do direito constitucional . Por isso mesmo, são consideradas pétreas em sua intangibilidade, o que o art. 60, § 4º, IV da C. R. respalda.

II – Os Três Poderes da República

Surgiram, os Três Poderes, em iniciais lineamentos, através de um sistema sugerido pelo filósofo inglês LOCKE, que foi o inspirador de MONTESQUIEU em seu célebre livro L’Esprit des Lois (O Espírito das Leis), publicado em 1784. Sua passagem mais relevante se encontra no Capítulo 6º do Livro XI. Lá dispõe MONTESQUIEU que no Estado existem três poderes: “o poder legislativo, o poder executivo das coisas que dependem do direito das gentes ou do Estado e o poder executivo das coisas que dependem do direito civil, ou poder judicial”.

A República dos Três Poderes idealizada pelo Barão de MONTESQUIEU em seu famoso livro acima citado influiu fundamentalmente na formação constitucional norte-americana, pois suas idéias já eram conhecidas quando da elaboração da Constituição Americana na Filadélfia, em 1787, irradiando-se para a grande maioria dos países da atualidade.

Observe-se que o célebre sistema de “freios e contrapesos” (checks and balances) está de tal forma repartido e equilibrado entre os diferentes órgãos, que nenhum pode ultrapassar os limites estabelecidos pela Constituição perante os demais.

Assim, o Poder Executivo, chefiado por Presidente eleito pelo voto popular, sem embargo da liderança centrada no cargo, é policiado pelos demais Poderes.

É justamente nessa ordem natural de equilíbrio do poder onde está assentada a democracia republicana.

Sendo nosso país constituído de uma federação sob o regime presidencialista fundado na Constituição norte-americana, seja na esfera federal, estadual ou municipal, o Presidente da República, o Governador do Estado, do Distrito Federal e o Prefeito Municipal governam segundo as largas atribuições constitucionais aos mesmos conferidas (basicamente, os arts. 20/22, 25/ 28, 29/ 31, 32, 77 a 91, da Constituição da República e 11 do A.D.C.T., complementados pelas constituições estaduais e lei orgânicas municipais).

Já o Poder Legislativo recebe as atribuições legiferantes e administrativas conferidas ao Senado, à Câmara dos Deputados, Às Assembléias Legislativas estaduais e às Câmaras de Vereadores municipais, previstas n os arts. 48 e seguintes da C.R., no que couber, quanto às duas últimas casas, com as complementações supramencionadas.

O Poder Judiciário cumpre o dever de distribuir justiça e, assim, estabelecer a paz social entre as pessoas físicas, jurídicas e formais. Seus órgãos estão relacionados no art. 92 da C.R. e seus regramentos básicos nos arts. 93, seguintes e 125 da C.R.


No regime parlamentarista, adotado por vários países republicanos ou monárquicos da Europa, há uma grande integração entre o Poder Executivo e o Legislativo, integração esta se revelando em regra bem eqüidistante e, desse modo, mais democrática na distribuição de atividade, inclusive ao evitar a tendência à implantação da ditadura pelo presidente, quando inoculado da voluptuosidade do poder, não raro de ocorrer no regime presidencialista.

III – A Harmonia e a independência Comprometidas

A harmonia e independência na repartição das atribuições dos Três Poderes da União e dos Estados retratam o balanceamento natural, autônomo e basilar de cada qual dos poderes e deles entre si.

Esses predicados fundamentais estão decantados no art. 2º da C.F. ao afirmar: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.

Contudo, este notável dogma de alta sabedoria se transmudou, já que a independência se atrofiou por força da interferência da Emenda Constitucional nº 19 de 04.06.98, diante da nova redação dada por seu art. 7º ao art. 48, XV da Constituição da República.

Os próprios parlamentares federais parecem atônitos com o descomedido alcance dos textos constitucionais que aprovaram, ao projetar um subsídio único para os membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, assim o Presidente da República, os Ministros de Estado, o detentor de mandato eletivo, os Governadores, Juízes em geral, Prefeitos, Secretários Estaduais e Municipais, os vice em geral, assessores, etc., cujo teto máximo será o subsídio mensal dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, ainda não fixado em lei de iniciativa dos Três Poderes.

Em suma, o constituinte derivado afrontou normas constitucionais originárias imutáveis.

IV – A Iniciativa de Projeto de Lei sobre o Subsídio Único

Ainda não conseguiram, os Presidentes da República, do Senado, da Câmara dos Deputados (o Poder Legislativo com dois votos em quatro) e o Supremo Tribunal Federal, reunidos, tomar a iniciativa de projeto de lei com um valor proposto para o teto desses subsídios, conforme o determinado pela Emenda nº 19 (art. 7º). A demora de ano e meio para tal iniciativa ser efetivada revela que os textos da Emenda estabelecem inédita interdependência e conseqüente restrição de poder nessa reunião imposta. Se por um lado aparentam um controle conjunto sobre os subsídios, por outro provocam um insólito desequilíbrio na separação e independência dos próprios Três Poderes, além de conferir ao Poder Legislativo inadmissível participação proeminente na própria iniciativa da lei.

Esta fórmula inédita surpreende, malgrado se trate de uma variante da tradicional força centralizadora da União (mas no caso com alguma carga centrífuga), diante da manifesta desarmonia entre os Três Poderes pela intervenção recíproca atingindo os Estados e do apontado predomínio do Poder Legislativo, até mesmo perante o Poder Executivo, este representado pelo Presidente da República, aquele pelos Presidentes de suas duas Casas Legislativas.

Por essas e outras vem conquistando espaço e interesse a proposta de, a nível constitucional, pacto federativo entre União e Estados.

V – O Subsídio Único. Conseqüências

O subsídio único exclui, dentre outras remunerações complementares, da dos parlamentares o direito a qualquer outra verba, como a decorrente da moradia, transporte ou sessões extraordinárias das Casas Legislativas (quando Brasília fica distante de quase todos os Estados); dos Ministros de Estado, Governador, Vice-Governador, Secretários estaduais e assessores com cargos em comissão, de qualquer diversa parcela remuneratória; dos magistrados em geral, das gratificações e adicionais por tempo de serviço, auxílio-moradia, etc.; isso se abstraindo o 13º salário e a gratificação de férias (neste sentido HÉLIO SAUL MILESKI do T.C.E.RGS), mantidos para os servidores públicos em geral.

De outro lado, esse subsídio único bruto não deixará de se submeter a reduções obrigatórias pela incidência do imposto de renda na fonte (27,5%), dos descontos dos fundos de reserva ou da previdência social, fundos de pensão, seguro saúde etc., ostentando o saldo líqüido um valor mais de 40% abaixo do bruto, obviamente incompatível com o padrão de vida e atualização cultural exigidos desses profissionais.

O excesso cometido foi tal e tanto, é certo se prenunciar, que as pessoas dotadas de maior inteligência e cultura desertarão dos serviços públicos em geral, em seus lugares ingressando os menos dotados e, por isso mesmo, os mais tolerantes em tudo, inclusive em menor grau de dedicação, competência e até honestidade.

As leis naturais do mercado competitivo de trabalho no setor privado sempre exigiram recompensas maiores para os mais preparados moral, cultural e operacionalmente em todas as atividades, com cobrança, pelo empregador, de diuturnos resultados eficazes sob risco de dispensa, o que no serviço público não existia e agora, definitiva e lamentavelmente não será necessário. A rotatividade se intensificará, mas do padrão mais medíocre e inconfiável para outro igual ou pior.


A Emenda nº 19 a tudo isso ignorou e enveredou pelo caminho tortuoso da rígida interferência na criação de subsídios recessivamente apertados e uniformes, onde os efeitos serão desastrosos para a própria sociedade, além de afetar a dignidade pública e as virtudes nacionais, igualando os desiguais em cultura, experiência e responsabilidade.

Em suma, a aparente harmonia e independência dos Três Poderes, na realidade se transfigurou numa intromissão anômala e desastrada dos Três Poderes entre si, num desprestígio coletivo na seleção de seu altos valores sociais e nivelamento por baixo dos ganhos de seus integrantes, além de até mesmo igualar os desiguais em conhecimento, experiência e especialidade funcionais, com excesso simplístico de ingerência cometido contra os princípios fundamentais da Constituição.

Já tivemos oportunidade de, em trabalho publicado sobre o Poder Judiciário, prever o resultado que ocorrerá, pelo comprometimento da independência, implantação da insegurança e do desestímulo aos magistrados mais antigos pelo achatamento nos ganhos, com a previsão, a médio prazo, do desalento dos mais novos, em princípio beneficiados por aumento, mas com futuro sem maiores horizontes (no jornal “O Globo”, de 24.10.98).

O resultado será o sacrifício do acesso das elites nacionais, nos setores culturais, técnicos ou especializados, ao serviço público, com a conseqüente degradação deste.

Todos os servidores públicos passarão a ser submetidos a um permanente padrão de vencimentos baixos a médio prazo, a provocar-lhes um inevitável endividamento, gerando angustias e previsível queda na qualidade dos trabalhos públicos em geral e judicantes em especial, ainda que possam subsistir o idealismo e a dedicação. Passará a crescer a progressiva degradação de todos os serviços, mais ainda se arrastando e multiplicando os procedimentos administrativos e os processos judiciais, proliferando muito mais pronunciamentos e decisões seriamente precipitados e injustos, além do risco de ocorrer relação de dependência entre o funcionário público ou o juiz fragilizado e o particular ou litigante inescrupuloso e economicamente poderoso.

Há, realmente, em contrapartida, abusos como incorporações em cascata de cargos em comissão, sendo que alguns destes cargos são em número excessivo e têm vencimentos muito elevados para o serviço exigido, sendo comumente destinados a parentes e amigos.

Mas é falha de correção à mesma direcionável, assim como outros excessos podem ser reprimidos setorizadamente, sem necessidade de drástica generalização, tendo-se tomado um teto a partir dos Ministros do STF e não da Presidência da República, como se fosse razoável se supor ser o Poder Judiciário uma inesgotável fonte de sinecuras

VI – O Quadro Transitório ainda Vigente

O extremado rigor da nova redação dada aos arts. 37, incisos X e XI e 39 § 4º da Constituição conduziu à imediata proibição judicial de qualquer pagamento por sessões extraordinárias, se ultrapassar o teto do subsídio único, nas Casas do Poder Legislativo, tal como já recentemente se cogitou de aplicar desde logo.

Todavia, enquanto não houver a vigência da lei que estabelece o valor desse teto no subsídio único, permanecerá a ultratividade ou vigência do direito anterior, como já têm entendido pronunciamentos bem recentes do STF e do STJ, quando foram revogadas liminares concedidas por juízes de 1º grau, estas últimas contrárias ao pagamento de tais gratificações.

Outrossim, com a entrada em vigor dessa lei, se o teto ficar aquém de valores licitamente já não de hoje incorporados aos ganhos das Magistraturas Estaduais de carreira, emergirá o sério impasse. Deverá ou não se interpretar como inconstitucional a pretensa redução de ganhos do magistrado?

VII – A Irredutibilidade de Vencimentos da Magistratura Nacional, Contemplada por Norma Fundamental da Constituição da República. A Lógica do Razoável. O Princípio da Razoabilidade

A irredutibilidade de vencimentos, se continua a ser uma das três prerrogativas dos juízes, a despeito da nova redação com a ressalva conferida ao art. 95, III da Constituição da República, também o é, e muito mais, o apanágio da independência no poder de julgar e a conseqüente garantia máxima do jurisdicionado, pelo que se nos afigura como inadmissível qualquer redução de vencimentos preexistentes.

Em seu notável livro Experiencia Jurídica, Naturaleza de la Cosa y Logica “razonable”, México, 1971, LUIS RECASÉNS SICHES divulga sua consagrada doutrina da “lógica do razoável” que, no dizer de ALÍPIO SILVEIRA e FREDERICO MARQUES, guarda perfeita identidade teleológica com o art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil.

Assim, entre as interpretações possíveis, deve ser escolhida a mais razoável, atendendo aos fins sociais da lei e exigências do bem comum (ALÍPIO SILVEIRA – Hermenêutica no Direito Brasileiro, Vol. I, 1968, págs. 77/89).


Ainda a respeito podemos evocar o princípio da razoabilidade através do qual, como exemplo dentre outros, a lei ordinária não pode receber efeito retroativo destinado a atingir situações pré-constituídas (direito adquirido) como a irredutibilidade intangível prevista na norma constitucional anterior.

Trata-se de princípio consagrado por vários acórdãos da Corte Suprema norte-americana e pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, como bem o retratam os eméritos Professores CAIO TÁCITO (Revista Forense, vol. 335, págs. 3/7) e LUIZ ROBERTO BARROSO (Revista Forense, vol. 336, págs. 125/136), ambos em notáveis monografias a respeito, veementes em sua conclusão contra o desvio de leis injustas e a irrazoabilidade ou falta de proporcionalidade do ato legislativo, em despautério ou ímpeto arbitrário que, não infreqüentemente, estigmatiza a prática política brasileira.

O princípio da razoabilidade também se prenuncia como nova vertente de estudos encontradiços na doutrina de LEON DUGUIT, SALEILLES e HEGEL, dentre outros nomes consagrados, sobre a pessoa física e jurídica como sujeitos de direitos, quando ressaltam que a realidade jurídica está, em tudo, na mesma ordem valorativa da realidade natural. Igualmente toda racionalidade se prende a essa mesma realidade. E os atos de direito público, afastada a noção de soberania (souve-raineté), não se distinguem dos atos de direito privado, sendo as mesmas as regras básicas de direito, pois os governantes e seus agentes são pessoas físicas iguais aos homens em geral (LEON DUGUIT – Traité de Droit Constitutionnel, Tome Premier, 1927, § 43 e 65, respectivamente págs. 463/466 e 694/701).

Inferindo-se estas perfeitas doutrinas como sapientes em sua única direção, nos seus efetivos lindes para a interpretação da lei, observe-se ocorrer a absoluta identificação entre a realidade natural e a realidade jurídica nas normas legais e imperativas ou cogentes, que dominam inteiramente os textos constitucionais e de ordem pública do direito comum, só não se integrando às normas meramente dispositivas do direito comum (estas: leges quia simpliciter disponunt, non prohibent, jus dispositivum, quod privatorum pactis mutare potest).

Por seu lado, se nos cinco anos que se passaram houve a estagnação desses vencimentos e perdas decorrentes da inquestionável desvalorização da moeda, ainda que mitigada por índices bem menores na regência do Plano Real daquele período, até seria passível de questionamento exitoso a atualização para mais desses valores.

Acentue-se que a Magistratura Nacional, na sua versão quase absoluta de longa carreira, independência, vitaliciedade e inamovibilidade em que deve ser emoldurada, nunca poderá ficar desprovida do anteparo dessas fundamentais prerrogativas, através das quais se centraliza sua própria ratio essendi e independência, para ser plenamente atendido o direito natural no relevante poder de julgar.

Revela-se, pois, írrito qualquer pseudocânone em sentido diverso, além de iníqua a absoluta equiparação de cargos eletivos e em comissão (e por isso transitórios) com os cargos permanentes das longas carreiras da Magistratura, para efeito das regras do subsídio único.

Por seu lado, renomados constitucionalistas lusos como GOMES CANOTILHO (Curso de Direito Constitucional, pág. 474), JORGE MIRANDA (Manual de Direito Constitucional, título II, pág. 263) e VITAL MOREIRA (Fundamentos da Constituição, pág. 143), ressaltam ser indispensável a interpretação mais favorável e que restrinja menos a todo o direito fundamental, para que se lhe conceda maior eficácia e se “lhe dê mais proteção, amplie mais o seu âmbito, o satisfaça em maior grau” (autores também citados pelo Prof. MARCELO LIMA GUERRA em Inovações na Execução Direta das Obrigações de Fazer e não Fazer, obra nº XIII do livro Processo de Execução e Assuntos Afins, coordenado por TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER, Editora Revista dos Tribunais, pág. 314, nota nº 31).

VIII – O Poder Aquisitivo da Moeda Nacional

Observe-se mais ter o real, moeda corrente do país, após o decurso de quatro anos, sofrido pesada fragilização cambial perante o dólar americano, pelos grandes montantes diários de sua remessa para o exterior, isso a partir de janeiro do ano de 1999, submetendo-se à desvalorização em percentual, com fortes oscilações bem acima de 50% até o início de fevereiro.

Foram inevitáveis os reflexos daí decorrentes e quase imediatos na acentuada alta dos preços de mercado, desde logo alertada pelos veículos de comunicação, hoje fato público e notório.

Ao que se evidencia através desse não distante fenômeno sócio-econômico, a moeda nacional ainda é vulnerável a instabilidades cíclicas na perda mais acelerada do seu poder aquisitivo, a ninguém convencendo de estar imune a crises internas ou externas e muito menos prestes a conquistar a ambicionada alforria em sua estabilidade.

IX – Conclusão

A despeito de tudo, ainda há a tênue esperança de, no Congresso Nacional, sem incorrer em vício de iniciativa, emenda parlamentar ou redação mais clara definir uma melhor apresentação do projeto segundo os princípios constitucionais imperantes e inafastáveis, quando menos na preservação dos valores básicos de vencimentos já integrados a direitos sociais e subjetivos precedentes na Magistratura Nacional e, assim, sem a violação à irredutibilidade, como também no que concerne à recente perda do poder aquisitivo do real e ao rigor no cumprimento do prazo ânuo maior fixado para sua atualização de valor.

É bem verdade, desde os primeiros dias de janeiro de 1999, estar o país atravessando sérias crises econômicas e sociais, diante de fatores variados, a gerar o desemprego e o aumento da criminalidade.

Mas não menos verdade é ser indispensável a preservação, a todo o custo, dos valores fundamentais de uma nação, como o são as prerrogativas constitucionais da Magistratura Nacional, a atingir diretamente os direitos do cidadão.

Inclusive a referência à irredutibilidade com a ressalva introduzida pela Emenda nº 19 ao art. 95, III da Constituição da República veio antes dessa crise e obviamente nada disse sobre a aplicação retroativa da redução de vencimentos. Igualmente a Lei Federal nº 9.655 de 02.06.98, em seu art. 6º, concedeu um abono variável aos juízes, a partir de janeiro de 1998 até a data da promulgação da Emenda, correspondente à diferença entre a remuneração atual de cada juiz e o valor do subsídio único que for fixado a maior, atendido o novo escalonamento na carreira.

Logo, em nenhum momento cogitou, a norma constitucional traduzida na Emenda nº 19, de qualquer redução.

Cremos, pois, estar desvirtuado o teto do subsídio único, estimado em R$ 12.720,00, inclusive pela forte desvalorização a que vem sofrendo o real nesses nossos tempos.

Encerremos, pois, este descompromissado trabalho evocando o saudoso Des. CARLOS ALBERTO TORRES DE MELO, ao inspiradamente lançar: “um grito, um brado de alerta dos juízes do Brasil, ao povo de sua pátria. Justiça não cria marajás; não administra instituições públicas, principalmente, o juiz não é legislador. Mas a lei existe, má ou boa, e o juiz é o seu guardião e aplicador. Portanto, o respeito à lei é a maior garantia do cidadão em relação aos seus juízes e o único limite legítimo que se pode impor à atividade judicante”.

Sempre brilhante em seus pronunciamentos, foi como o ressaltou o pranteado TORRES DE MELO em seu denso e notável opúsculo: Os Ataques ao Poder Judiciário, publicado post mortem no vol. 37 da Revista de Direito do TJRJ, pág. 81.

Revista Consultor Jurídico, 6 de março de 2000.

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