Processo inédito

Justiça manda intimar fabricante de armas pela morte de rapaz

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4 de março de 2000, 0h00

Pela primeira vez no Brasil, será discutida a responsabilidade das empresas que fabricam armas de fogo pelas mortes causadas com a utilização dessas armas.

A 41ª Vara Cível do Rio de Janeiro conheceu da ação em que o empresário carioca Rodolfo Acre pede indenização por danos morais e materiais à empresa de armas Forjas Taurus S/A.

O empresário quer responsabilizar a Taurus pela morte de seu filho Rodrigo, de 19 anos, ocorrida em 1999. O rapaz foi seqüestrado e morto com armas fabricadas pela empresa.

A juíza titular da vara mandou expedir carta precatória para que a Taurus seja intimada, já que a sede da empresa fica no Rio Grande do Sul. A reportagem da revista Consultor Jurídico entrou em contato com a empresa, mas foi informada de que o departamento jurídico da Forjas Taurus só volta a trabalhar depois do Carnaval, na Quarta-feira de Cinzas.

O autor da ação é representado pelas advogadas Maria Cristina dos Santos Leonardo e Regina Guedes Simões. As advogadas alegam que a Taurus – fabricante, importadora, exportadora e vendedora de armas e munições no Brasil – comercializa seus produtos “formando uma confraria de empresários, cujo alvo é contábil, visando o lucro, colocando de lado a vida humana”.

Os empresários do setor de armas de fogo são considerados no processo como “Mercadores da Tragédia”. Para as advogadas, a empresa “não tem como se esquivar das responsabilidades que lhe são impostas” em razão das normas de fiscalização e controle do comércio de armas e munições.

Além da indenização, Acre pede o ressarcimento dos gastos que teve com a compra do jazigo e com o sepultamento de seu filho.

Leia a íntegra da petição que deu origem ao processo

RODOLFO ACRE, brasileiro CPF nº (…), RNE – (…), empresário, residente à Rua (…) nº (…) Rio de Janeiro/ RJ, por sua advogada (procuração anexo), com escritório à Rua (…), onde o patrono receberá as intimações

Propõe:

AÇÃO ORDINÁRIA

Com fundamento no art. 37 § 6º da Constituição Federal na Lei 8.078 de 11/09/90 (C. de proteção do Consumidor), decreto legislativo de 2.681 – (07/12/1912) e mais dispositivos gerais aplicados.

Contra a:

Forjas Taurus S.A. que deve ser citada, por via postal, na pessoa de seu representante legal, no endereço Av. (…) – (…) – Rio Grande do Sul – CEP: (…), tel: (…), onde é a sua sede, requerendo logo:

O autor é pai de RODRIGO ACRE, solteiro e ainda rapaz, todos portanto, estão identificados e legitimados ao pleito cujo objeto é a responsabilização da Ré e a sua condenação do pagamento de indenizações que são devidos, em razão da morte, trágica de Rodrigo Acre.

Vamos à narração dos fatos, que ganharam destaque de toda imprensa, até internacional e abriu mais uma vez a grande discussão sobre o Desarmamento no Brasil.

Tudo aconteceu no dia 09 de junho de 1999, cerca de 22:00 hs, próximo ao nº 400 da Rua Inspiração, Vila da Penha, nesta Cidade: Vinícius Esteves Magalhães e Fábio Noronha de Barcellos, denunciados e presos, respondendo a processo na 16º Vara Criminal da Comarca do RJ por esses fatos, sob ameaça exercida com ARMA DE FOGO, abordaram a vítima, Rodrigo Acre, de dezenove anos (na época) de idade, filho de Rodolfo Acre, empresário que explora o teleférico da Cidade de Nova Friburgo, no momento em que Rodrigo, ao volante de seu carro Monza preto, diminuindo a velocidade, passava sobre um quebra molas.

A abordagem foi feita pelos dois criminosos, tendo o 1º se posicionado atrás do carro para dar cobertura, enquanto o outro rendia a vítima apontando-lhe uma PISTOLA 9MM, colocando-a ao banco de trás do veículo Tempra de cor escura.

A seguir, depois de colocarem a vítima no porta-malas desse mesmo carro rumaram todos para o local de cativeiro, localizada na mata de um sítio situado em Magé-RJ, onde os criminosos haviam cavado um buraco na terra, sendo a vítima, durante o dia, mantida no interior do mesmo e à noite, levada para uma casa abandonada, localizada próxima a referida mata.

As negociações do resgate foram feitas com determinações até que a polícia se mantivesse afastada do caso, foi pedida a quantia de R$ 600.000.00 (seiscentos mil reais) pelo resgate. A vítima foi obrigada a escrever bilhetes, levando cerca de três meses as negociações.

O resgate foi pago no valor de R$ 56.000.00 (cinqüenta e seis mil reais) e nesse mesmo dia mataram a vítima com a arma: pistola semi automática – marca Taurus, fabricação brasileira, modelo PT-585, calibre nominal – 380 AUTO, série: KMK25949D e a outra arma: revólver marca Taurus, fabricação brasileira, modelo HE, calibre nominal 38 special, série KI496886 (conf. memo 2293 / 1907/99 – RO: 000076/99 – INQ. 040/99 – Laudo de Exame de Arma de Fogo – Instituto de criminalística Carlos Éboli, Secretária de Estudo e Segurança Pública do Rio de Janeiro.

A delegacia Anti-Seqüestro do Rio de Janeiro e o Poder Judiciário, foram rápidos e exemplares. Dias após, o juízo da 16ª Vara Criminal decretava a prisão preventiva dos culpados.

Quanto ao fato basta a narrativa. Não é preciso falar mais do que já se falou mesmo porque a tragédia se inclui no elenco dos denominados fatos públicos e notórios e que impedem a comprovação, a teor do art. 334 do CPC.

Passemos à considerações sobre a responsabilidade (indiscutível, aliás), da Forjas Taurus S.A., responsável pelo fabrico, importação e exportação de armas e munições no Brasil e exterior, a responsabilidade da ré se torna indiscutível e impossível de ser transferida a terceiros, ou às próprias vítimas:

A uma porque na condição de fabricante, importador, exportador e vendedor de armas e munições no Brasil e exterior, ou seja, “Mercadores da Tragédia” comercializam seu produto formando assim uma confraria de empresários, cujo alvo é contábil visando o lucro, colocando de lado a vida humana que é um bem supremo, pois a cada estampido, a cada disparo, poucos ganham e muitos perdem. A arma de fogo nas mãos de qualquer pessoa, por mais bem intencionada que seja, representa um permanente risco de vida para todos.

A duas porque sendo a suplicada uma empresa, ele não tem como se esquivar das responsabilidades que lhe são impostas, existem normas para a fiscalização da fabricação, venda e aquisição de armas e munições de uso permitido, por se tratar de ser um produto controlado.

A recente legislação sobre armas, o Sinarm, Sistema Nacional de Registro de Armas, ainda que possua a vontade de “acertar” e o criterioso trabalho desenvolvido no Congresso Nacional, envelheceu precocemente, apesar da nova, apenas dois anos ele se tornou anacrônica e seu rigor acabou por privilegiar a clandestinidade, omitindo também essas normas de fiscalização impostas aos fabricantes.

Passa-se ao pedido:

Rodolfo Acre pede a condenação da Forjas Taurus S.A. ao pagamento de verba autônoma pelo dano moral que experimenta com a morte trágica do filho Rodrigo. A fixação do valor o autor deixa a critério do M.M. julgados. Pede, também, pensionamento alimentício, vencido e vincendo, enquanto vivo for o pai. Rodrigo estudava e trabalhava e era solteiro. Logo, pai e filho eram devedores e credores, recíprocos, à prestação de alimentos (art. 397 do C. Civil). As indenizações por ato ilícito guarda o sentido alimentício. É o caso em tela.

Indaga-se: é cumulável pedido de reparação por dano material, mais dano moral.

Responde-se: a súmula 37 do Superior Tribunal de Justiça diz que sim. São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato.

O pai de Rodrigo pede ainda: verba destacada para a aquisição de jazigo perpétuo e reembolso das despesas efetuadas com o sepultamento do filho, corrigido desde a data do pagamento, 01 de outubro de 1999.

Pede também a reposição das custas seja a ré condenada ao pagamento dos honorários sucumbenciais na base de 10% sobre o valor total da condenação, no estilo do art. 20 § 5º do Código de Processo Civil.

Constituição de um capita garantidor das prestações vendidas a teor do art. 602 CPC.

Renovando o pedido da citação postal (art. 222 CPC) protestando pela produção de todas as provas em direito admitidas e à causa atribuindo o valor de vinte mil reais, para efeito fiscal e seguros da procedência do pedido.

Respeitosamente, espera deferimento.

Rio de Janeiro, 17 de fevereiro de 2000.

Revista Consultor Jurídico, 4 de março de 2000.

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