Infrações de trânsito

Artigo: Infrações de trânsito e o direito de defesa.

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27 de maio de 2000, 0h00

Com o advento do novo Código de Trânsito Brasileiro (Lei nº 9.503/97), as infrações cometidas pelos condutores passaram a ser vistas com maior resguardo, senão temeridade, pela população. Cada violação à legislação de trânsito passou a representar não só uma pesada multa pecuniária, como igualmente alguns pontos no prontuário do infrator. Contudo, tem sido prática constante nestes procedimentos administrativos, a inobservância do direito de defesa daquele que incidiu nos comandos legais da já referida lei.

O procedimento de aplicação da penalidade por infração de trânsito nada mais é do que um procedimento administrativo comum, estudado e sacramentado desde longa data pelos mais renomados estudiosos do Direito Administrativo pátrio. Posteriormente à instauração de um processo administrativo, que pode iniciar, dentre outras formas, por um auto de infração há, tanto o direito do administrado apresentar sua defesa, como o dever da Administração Pública proporcionar-lhe o momento oportuno para tal. Nesse sentido leciona o renomado HELY LOPES MEIRELLES: “Defesa (…) é a garantia constitucional de todo o acusado, em processo judicial ou administrativo (art. 5º, LV CF/88) (…) É um princípio universal nos Estados de Direito, que não admite postergação nem restrições na sua aplicação.” (“Processo Administrativo Brasileiro”, p. 596, 22ª Ed., Malheiros Editores, 1997).

Contudo, pelo grande número de autuações, muitas têm sido as infrações recebidas pelos cidadãos via correio. Cabe assim, uma análise detalhada destes documentos. Nestes constam, primeiramente, a descrição da conduta delituosa, a descrição da data, do local e da infração cometida. Em seguida, a correspondente penalidade imposta por tal conduta.

Ora, a atitude da Administração Pública está eivada pelo vício da inconstitucionalidade, pela ausência da ampla defesa. Isso porque, confunde em um só momento dois procedimentos que, obrigatoriamente, devem ser distintos: a notificação do infrator e a aplicação da sanção. Tal ato proporciona que o administrado somente saiba a penalidade que lhe fora aplicada, no mesmo instante em que toma ciência do cometimento da infração.

Este agir tolhe o direito de defesa do agente, impedindo o estabelecimento do contraditório, igualmente garantido pela Carta de 1988. Assim, o procedimento correto seria:

I – em um primeiro momento, a notificação do infrator para que, tome conhecimento da acusação

II – a apresentação pelo acusado, caso queira, de defesa prévia

III – o conhecimento das razões do acusado e o julgamento

IV – e, por último, em caso de eventual condenação, a possibilidade de interposição recurso administrativo pelo infrator.

Este seria o procedimento juridicamente correto, dentro da esfera administrativa. Todavia, os quatro momentos processuais indisponíveis encontram-se suprimidos pela Administração Pública em apenas dois:

I – a notificação e aplicação da penalidade imposta ao infrator e,

II – a possibilidade de oferecimento de recurso, para o reexame da matéria.

Assim, nulos são a maioria dos procedimentos administrativos de aplicação de penalidades por infrações de trânsito formados diariamente no país. Nesse sentido, válido lembrar o ensinamento de ERNESTO LIPPMANN: “Por menor que seja a punição, nula é sua aplicação, se imposta sem que haja o direito à defesa…” (“Direitos Fundamentais da Constituição Federal de 1988: com anotações e jurisprudências dos tribunais”. São Paulo, LTr, 1999, pg. 218). Igualmente HELY LOPES MEIRELLES é categórico ao afirmar que “Processo administrativo sem oportunidade de ampla defesa ou com defesa cerceada é nulo” (Ob. cit. pg. 564).

Assim, é flagrante a nulidade dos procedimentos promovidos pela Administração Pública para a aplicação de penalidades de trânsito pela ausência do contraditório e da ampla defesa, bem como pela supressão do princípio constitucional do duplo grau de jurisdição.

Não pode o Poder Público, no exercício de seu poder de polícia, violar dispositivos constitucionais, pois, do contrário, estará ele legitimando a desobediência às garantias individuais do indivíduo. Cabe, por conseguinte, a todo o cidadão que sentir-se lesado, recorrer ao aparelho jurisdicional do Estado, objetivando evitar a sumariedade processual, incompatível com os Estados Democráticos de Direito.

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