Comunicação

Interceptação em sistemas informáticos e telemáticos

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16 de maio de 2000, 0h00

Desde o advento da Constituição Federal de 1988, que o inciso XII do art. 5º do referido diploma legal, vem suscitando controvérsias jurisprudenciais e doutrinárias quanto à interpretação do mesmo.

O dispositivo normativo em questão preconiza ser “inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal e instrução processual penal.”

O ponto discordante e que a hermenêutica jurídica ainda não conseguiu tornar pacífico, versa sobre o “último caso” enunciado pelo inciso. Que último caso seria este? Compreenderia tal expressão apenas as comunicações telefônicas ou estas perfariam uma unidade, um conjunto com “dados” em decorrência da conjunção e?

A Lei nº 9.296, de 25 de julho de 1996, foi promulgada para elidir essas dúvidas. O “último caso” para o qual admiti-se interceptação da comunicação nos termos constitucionais, corresponde a dados e comunicações telefônicas, conforme o parágrafo único do art. 1º da referida lei.

O Ministro do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio Melo, já em 1992, na Questão de Ordem da Petição 577, havia tido idêntica interpretação do inciso supracitado.

Entretanto, a Lei nº 9.296/96, ao invés de solucionar as controvérsias, fomentou-as, pois insignes doutos bradam contra o parágrafo único do seu art. 1º alegando sua inconstitucionalidade.

O Magistrado Geraldo Prado preconiza que a lei autorizante da interceptação de comunicações em sistemas de informática, assim procede visando acompanhar a dinâmica sociocultural brasileira e mundial (PRADO, Geraldo. A interceptação das comunicações telefônicas e o sigilo constitucional de dados operados em sistemas informáticos e telemáticos. Boletim IBCCrim. São Paulo, n.55, p.13, jun. 1997).

Na concepção de Geraldo Prado, concorde aos ensinamentos do Professor Tércio Sampaio Ferraz Júnior, a comunicação de dados pode ser interceptada da mesma forma que as comunicações telefônicas, porque ambas possuem uma característica em comum: a instantaneidade, ou seja, consumadas as mesmas, nada sobra que possa ser retido como instrumento de prova de um ilícito penal, como ocorre com a correspondência e o telégrafo, hipóteses que permitem a apreensão de objetos tangíveis, quais sejam, a carta e o telegrama, suscetíveis de propiciarem uma investigação eficaz (idem, ibidem, p.14).

Assim, um delito pode ser planejado, executado, bem sucedido e até comemorado no ciberespaço, sem que qualquer informação fique inexorável e indelevelmente arquivada em qualquer lugar, podendo prejudicar a produção de provas contra os executores desse delito.

Diante disso, para evitar que criminosos ficassem à margem e a salvo da lei, protegidos por um eventual arcaísmo do Direito, é que o parágrafo único do art. 1º da Lei 9.296/96 abrangeu a comunicação de dados como passível de interceptação legal.

Paralelamente a essa concepção, o Magistrado Geraldo Prado insiste no respeito ao inciso X, do art. 5º da CF/88, que garante a inviolabilidade da intimidade e da privacidade, inclusive quando os dados informáticos constarem de banco de dados, de arquivos virtuais, somente admitindo-se a interceptação quando tal não ocorrer (idem, ibidem, loc. cit.).

Primando a comunicação pela instantaneidade, pela fugacidade, urge sua interceptação nos termos legais, i.e., quando houver real necessidade em investigação criminal e instrução processual penal e mediante ordem judicial. Somente neste caso.

No entanto, como já o dissemos, há quem considere inconstitucional o parágrafo único do art. 1º da Lei nº 9.296/96.

Partindo de uma interpretação eminentemente literal, Vicente Greco Filho chega a dar aula de dicionarismo: “último significa derradeiro, o que encerra, e não usualmente, o segundo”. Assim, o último caso de que fala o inciso XII, do art. 5º, da CF/88, restringir-se-ia a comunicações telefônicas, pois estas vêm por último, por derradeiro, no breve elenco de formas de comunicação integrantes do inciso supracitado. Portanto, uma interpretação extensiva seria contrária à norma constitucional, posto que o sigilo é que é a regra, sendo a interceptação a exceção. E como é de praxe no ordenamento jurídico brasileiro, a hermenêutica deve ser restritiva quanto às exceções (GRECO FILHO, Vicente. Interceptação Telefônica. São Paulo: Saraiva, 1996, p.12).

Prosseguindo, o insigne Professor Greco Filho parece reconhecer que esta talvez não seja a interpretação mais conveniente à sociedade mutante a quem cabe o Direito servir, mas que esta é que se constitui na interpretação devida, cabível (idem, ibidem, p. 13).

Antônio Scarance Fernandes, Antônio Magalhães Gomes Filho e Ada Pellegrini Grinover reafirmam essa concepção ao declararem que a CF/88 autoriza tão somente a interceptação telefônica strictu sensu, i.e., da voz, não compreendendo a comunicação via telefone, a telemática. Além disso, exceções devem ser interpretadas restritivamente, portanto, a interpretação extensiva na Lei nº 9.296/96 é inconstitucional (As Nulidades no Processo Penal. 6.ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 181).

Diante desse impasse entre brilhantes juristas, quem pode estar com a razão?

Lembremos dos ensinamentos de Introdução ao Estudo do Direito, do Professor Paulo Náder, quando ele afirma que “as instituições jurídicas são inventos humanos que sofrem variações no tempo e no espaço. Como processo de adaptação social, o Direito deve estar sempre se refazendo, em face da mobilidade social. A necessidade de ordem, paz, segurança, justiça que o Direito visa a atender exige procedimentos sempre novos. Se o Direito se envelhecer deixa de ser um processo de adaptação, pois passa a não exercer a função para a qual foi criado. Não basta, portanto o ser do Direito na sociedade; é indispensável o ser atuante, o ser atualizado.” (NÁDER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. 11.ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p.22).

“Semelhante ao trabalho de um sismógrafo, que acusa as vibrações havidas no solo, o legislador deve estar sensível às mudanças sociais, registrando, nas leis e nos códigos, o novo Direito.” (idem. Ibidem. p.35).

O Ministro do STF Celso Mello concorda que, no Brasil, “há leis em demasia e ultrapassadas para antigas demandas; e escassas, ou inexistentes, para demandas novas, como os chamados crimes informáticos.” (Leis brasileiras pedem atualização. O Liberal. Belém, 10 nov. 1996, Painel, p. 7).

Voltemos ao inciso XII, do art. 5º, da CF/88. Se é para interpretá-lo literal e restritivamente, façamo-lo.

O inciso assegura o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas (primeiro caso), de dados e de comunicações telefônicas (segundo e último caso). Quando, em seguida prevê a exceção para o último caso, refere-se a dados e comunicações telefônicas, posto que a conjunção “e” corresponde a uma conjunção aditiva, ou seja, presta-se a juntar, a unir, a acrescentar, perfazendo uma unidade, um conjunto, um todo. Sendo assim, o “último caso” se refere ao conjunto “dados” mais “comunicações telefônicas”. Como não há um terceiro caso, o inciso não denomina este todo, este conjunto, de segundo caso. Já que é o último mesmo, assim o é chamado: último caso, posto ser o derradeiro.

Se coubesse ao inciso restringir-se às comunicações telefônicas, elencaria da seguinte forma: correspondência, comunicações telegráficas, dados, comunicações telefônicas. Mas, ao invés de preferir a vírgula após o substantivo “correspondência”, o legislador constituinte preferiu a conjunção aditiva “e”, compondo uma unidade integrada por correspondência mais comunicações telegráficas. Na seqüência, relacionou outro conjunto, outro todo, constituído das partes “dados” mais “comunicações telefônicas”.

Sendo este conjunto o que encerra a relação, a lista de meios ou formas de comunicação humana tratados no inciso, o mesmo é corretamente denominado de “último caso”.

E será que os elementos deste conjunto possuem alguma característica em comum que comprove ou reforce a idéia de que perfazem um todo? Sim. Essa característica é justamente a instantaneidade.

Dessa maneira, pode-se dizer que quando da forma de comunicação resultar algo tangível, perceptível materialmente e que, consequentemente, possa ser apreendido para fins de investigação ou processo criminal, então o sigilo será absoluto, não podendo a comunicação ser interceptada, como ocorre com a correspondência, com a comunicação telegráfica e mesmo com a comunicação de dados em sistemas informáticos quando os dados em questão repousarem em bancos ou arquivos próprios.

Sendo a fugacidade imanente do meio de comunicação, o sigilo desta se torna relativo, passível de interceptação por ordem judicial quando a necessidade de produção de provas em investigação ou processo criminal assim o exigir.

Portanto, para cogitar-se a quebra de sigilo de comunicação, cinco requisitos precisam ser atendidos: a instantaneidade da mesma; a existência de fortes indícios da autoria ou participação em infração penal; a ordem judicial competente; o procedimento plenamente vinculado (à Lei nº 9.296/96) e o fim legítimo (impossibilidade da prova ser feita por outros meios disponíveis).

Concordamos com a doutrina do Juiz Geraldo Prado quanto ao sigilo relativo das comunicações em sistemas informáticos e telemáticos, pois as normas, inclusive as constitucionais, têm de ser interpretadas teleológica, construtiva e finalisticamente.

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