Justiça do Trabalho

TRT-MG impede que cooperativa pague multa e seja encerrada

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6 de julho de 2000, 0h00

O Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais acolheu recurso impetrado pela Cooperativa de Trabalho de Serviços Autônomos da Região de Bambuí (Cootarb) contra decisão que afirmava haver fraude na execução de suas atividades.

Essa determinação encerrava as atividades da cooperativa e ainda previa o pagamento de indenização no valor de R$ 20 mil ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). O valor pretendido pelo MPT na inicial era de R$ 1 milhão.

No entanto, os juizes do TRT entenderam que a Cootarb traz benefícios aos trabalhadores, respeitando os princípios que regem as cooperativas, não havendo assim motivo para o encerramento e muito menos para o pagamento de indenização.

Segundo o advogado especializado em cooperativas, Alvaro Trevisioli, “o trabalho que o MPT faz é muito importante, contudo, está havendo um certo exagero no tocante a proposição de ações”. Para ele, “é preciso separar o joio do trigo”, ou seja, algumas cooperativas sérias estão sendo acusadas quando na verdade deveriam ser tomadas como exemplo.

Leia os principais trechos da sentença

“(…) A MMa. Junta de Conciliação e Julgamento de Formiga encaminhou ofício ao MPT, “para as medidas cabíveis”, relativamente à existência de fraude entre a INAGRO e a cooperativa COOTARB, na intermediação de obra de trabalhadores para colheita de café, apurada no processo JCJ n. 791/96, em ação individual trabalhista proposta por Rosilene da Silva.

Foram abertos procedimentos investigatórios, culminados com a negativa das demandadas em solucionar a controvérsia no âmbito administrativo. Proposta a presente ação civil pública, a mesma foi julgada procedente pela sentença de fls. 1141/1149, que, autorizando tutela antecipada requerida na inicial, determinou à cooperativa de trabalho Agropecuária da Região de Bambuí, que proceda ao registro formal dos trabalhadores contratados para prestação de serviços a terceiros, proibindo-a também, de intermediar novas contratações, sob pena de multa diária de R$ 100,00 (cem reais) para cada trabalhador contratado ou mantido irregularmente. Determinou à 2ª demandada INAGRO Integração Agropecuária S/A, que proceda ao imediato registro dos trabalhadores contratados junto a COOTARB, sob pena de multa diária de R$ 100,00 em relação a cada trabalhador contratado ou mantido sem o registro formal. Impôs, ainda, a ambas as demandadas, a observação das normas de segurança e medicina do trabalho requeridas nos itens 3 a, 3 b e 3 c da inicial de fls. 17 dos autos, ou seja, obrigação de fazer no tocante a: “3 a Elaborar e implementar o Programa de Controle Médico e de Saúde Ocupacional, realizando os exames médicos admissionais, periódicos e demissionais dos empregados, nos termos da NR 7 da Portaria 3214/78 do MTb;

3 b Fornecer gratuitamente aos empregados EPI adequado ao risco da atividade e em perfeito estado de conservação e funcionamento, nos termos da NRR 4 da Portaria n. 3067/88 do MTb;

3 c Observar e cumprir as normas relativas a CIPATR e a utilização, aplicação e armazenagem de produtos químicos, constantes das NRRS 3 e 5 da Portaria n. 3067/88 do MTb”.

As recorrentes, ante a concessão da tutela antecipada, pela MM. Junta a quo interpuseram Mandado de Segurança, que tomou o n. 419/98, no qual foi deferida liminar, não julgada, ainda, em seu mérito. No presente apelo, as recorrentes argumentam que a atividade da cooperativa encontra-se amparada por lei, observada todas as normas legais atinentes à atividade, não comprovada a existência efetiva de fraude, com pretenso desvirtuamento de suas finalidades. Argúem, dentre outras violações legais nascidas com a r. sentença a quo a afronta a expressos dispositivos constitucionais que protegem e favorecem o procedimento cooperativista, quais sejam:

Art. 5º XVIII da Constituição Federal de 1988: “A criação de associação e, na forma de lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal, em seu funcionamento”:

Art. 170: “parágrafo único É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei”.

Afirma a 2ª recorrente, que em momento algum tentou “burlar” a lei quando firmou contratos com a cooperativa, 1ª recorrente, tudo sendo feito em estrita observância da norma legal.

A propósito da matéria, tenho a realçar que a política nacional do cooperativismo, conforme dispõe o art. 1º da Lei 5764/71, compreende a “atividade decorrente das iniciativas ligadas ao sistema cooperativo, originárias de setor público ou privado, isoladas ou coordenadas entre si desde que reconhecido seu interesse público”. O governo através desta política incentiva o cooperativismo, especialmente mediante a prestação de assistência técnica e de incentivos financeiros e creditícios, necessários para a criação e o desenvolvimento das entidades cooperativas.


O cooperativismo é uma expressão de solidarismo e o seu incentivo encontra- se estampado nos próprios objetivos fundamentais da República Federativa, ressaltado no inciso I do art. 3º da Constituição Federal de 1988, ou seja: “construir uma sociedade livre, justa e solidária”. E mais, o art. 174 § 2º, da Carta Magna é expresso: “como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. § 2º – A lei apoiará e estimulará o cooperativismo e outras formas de associativismo.

No Brasil existem aproximadamente sete mil cooperativas que participam com 6% do PIB brasileiro, ou seja, são quarenta e dois bilhões gerados por este sistema. Realçando que só cooperativas de trabalho são 1334, com 227.467 cooperados (Fonte OCB/DETEC/BANCO DE DADOS: Base 31/12/98).

Os países caminham hoje, para a utilização das cooperativas como forma de incrementar suas economias e atenuar o problema do desemprego. A própria Organização Internacional do Trabalho (OIT), na conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho, em Genebra, estabeleceu através da Recomendação n. 127, as cooperativas como forma do progresso econômico e social dos países em via de desenvolvimento.

Mesmo amparadas as Cooperativas por legislação constitucional e infraconstitucional, com legitimidade e reconhecimento internacional, há daqueles que ainda resistem à existência do sistema de cooperativas, especialmente das cooperativas de trabalho que eliminam o intermediário entre o capital e o trabalho na medida em que tornam seus associados donos da própria força de trabalho, melhorando sua condição social e econômica, com autogestão das próprias atividades e predominância do trabalho sobre o capital.

Bem a propósito, ressalta José Eduardo Pastore: “Notamos reações violentas daqueles que dizem que as cooperativas retiram direitos trabalhistas e por isso deveriam ser estirpadas do nosso ordenamento jurídico”. Soluciona, o mesmo autor, o equivocado entendimento: “Devemos considerar que o sistema de trabalho através de cooperativas possui regime jurídico diverso daquele previsto pela CLT. Por este motivo, quando há comparações, confrontamos normas radicalmente diversas em sua essência. O segundo aspecto a ser considerado é que as cooperativas efetivamente não “retiram direitos dos trabalhadores”, como por exemplo, 13º. salário, férias, aviso prévio, etc., uma vez que elas não prevêem tais direitos com essa nomenclatura, pois são reguladas por regime jurídico próprio, como já dito. Portanto, não seria correto afirmar que as cooperativas retiram direitos que são concedidos, sob esta forma, exclusivamente pelo regime da CLT. Não se retira aquilo que não foi concedido (…) o que ocorreu efetivamente foi a alternância de um sistema de trabalho antes premiado pela tutela para outro sistema caracterizado pela autogestão dos interesses individuais e coletivos. Um sistema tem como escopo a relação de emprego, o outro a relação de trabalho”.

E conclui o mesmo autor: “Quando os princípios cooperativistas são respeitados, os cooperativados passam a ter mais direitos do que aqueles concedidos pela CLT”.

Sob tal aspecto portanto, urge separar o joio do trigo, ou seja, estabelecer a distinção entre a verdadeira cooperativa que tem como substrato fundamental a distribuição das tarefas advindas ao grupo, com igualdade de oportunidade, divisão do ganho proporcionalmente ao esforço de cada um, e a pseudocooperativa, que acobertadas por falsos contratos, são formadas por mãos empresariais, fornecendo mão-de-obra barata, a que resumem sua atividade em mera “marchandage”, cujos trabalhadores, além de não gozarem das vantagens de uma sociedade cooperativa, ficam à margem das leis trabalhistas.

Sob tal enfoque, portanto, é que nos convém perquirir, se nos presentes autos, há prova evidente da existência de fraude nas atividades da Cooperativa demandada. Antes, no entanto, deve ser esclarecido que a criação de cooperativa de trabalho, mesmo a rural, não é vedado por lei (CF, artigo 5o., inciso II). O artigo 86 da Lei 5764/71, prevê expressamente que o objetivo de uma cooperativa seja a prestação de serviços a terceiros: “As cooperativas poderão fornecer bens e serviços a não associados, desde que tal faculdade atenda aos objetivos sociais e esteja de conformidade com a presente lei”.

O art. 10 da mesma lei diz que “as cooperativas se classificam também de acordo com o objeto ou pela natureza das atividades desenvolvidas por elas ou por seus associados”.

Na falta de definição, subsiste aquela contida no artigo 24 do revogado Decreto nº 22239 de 19.12.32, que regulava as sociedades cooperativas antes da vigência da Lei nº 5764/71:


“Art. 24: São cooperativas de trabalho aquelas que, constituídas entre operários de uma determinada profissão, ou de ofício, ou de ofícios vários de uma mesma classe, têm como finalidade primordial melhorar os salários e as condições de trabalho pessoal de seus associados, e, dispensando a intervenção de um patrão ou empresário, se propõe contratar obras, tarefas, trabalhos ou serviços, públicos ou particulares, coletivamente por todos ou por grupos de alguns”.

Valentim Carrion define a cooperativa de trabalho como aquela ” constituída por trabalhadores autônomos que oferecem a terceiros, sem exclusividade, os serviços profissionais do grupo ou de seus membros individualmente, sem perderem sua liberdade de aceitação das tarefas”. Acrescenta o mesmo autor, no tocante à autêntica cooperativa, dois requisitos indispensáveis: a absoluta democracia, no peso das opiniões e votos ao tomar-se as decisões que afetam o grupo, de um lado, e a vinculação com a clientela, que haverá de ser eventual e variada, de outro. A CLT, em 1994, recebeu em seu artigo 442, o parágrafo único, nos seguintes termos:

“Qualquer que seja o ramo da atividade da sociedade cooperativa, não existe vínculo empregatício entre ela e seus associados, nem entre estes e os tomadores de serviço daquela”.

A Portaria do Ministério do Trabalho (MT/GM nº 925) de 28 de setembro de 1995 determina: “Art. 1º. – O agente da inspeção do trabalho, quando da fiscalização na empresa tomadora dos serviços de sociedade cooperativa, no meio urbano ou rural, procederá a levantamento físico objetivando detectar a existência dos requisitos da relação de emprego entre a empresa tomadora e os cooperados nos termos do artigo 3º. da CLT. Parágrafo 1º – Presentes os requisitos do art. 3º da CLT, ensejará a lavratura do auto de infração.

Parágrafo 2º. – Sem prejuízo do disposto neste artigo e seu parágrafo 1º., o Agente da Inspeção do Trabalho verificará junto à sociedade cooperativa se a mesma se enquadra no regime jurídico estabelecido pela Lei 5764, de 16 de dezembro de 1971, mediante a análise das seguintes características: a) número mínimo de 20 associados; b) capital variável, representado por quotas- partes para cada associado; c) singularidade, podendo as cooperativas centrais, federações e confederações de cooperativas, exceção feita à de crédito, optar pelo critério de proporcionalidade; d) quorum para assembléias, baseado no número de associados e não no capital; e) retorno das sobras líquidas do exercício, proporcionalmente às operações realizadas pelo associado; f) prestação de assistência ao associado; g) fornecimento de serviços a terceiros atendendo a seus objetivos sociais”.

Para se reconhecer, portanto o vínculo de emprego, como conseqüência de fraude perpetrada, há que se constatar a inobservância das características principais da cooperativa, que na realidade, vêm expressas no art. 4º da Lei 5764/71. In casu, a prova dos autos, dá notícia da regularização da COOTARB, no aspecto formal. Aliás, a questão é incontroversa. Quanto à efetividade no cumprimento dos objetivos da cooperativa, tenho para mim, ao contrário do que entendeu a MMa. Junta “a quo”, que a prova produzida, tanto no procedimento investigatório procedido pelo MPT, quanto a demais documentação constante dos autos, não demonstrou a existência de fraude, na forma como acolhida na sentença.

Observo, quanto ao pressuposto da autêntica cooperativa, o requisito da democracia, no peso das opiniões e voto, ressaltado pela própria ata da convocação extraordinária para decisão acerca do inquérito feito pela PRT, decidindo os 332 associados presentes, por unanimidade, pela continuidade das atividades da Cooperativa, tida por eles como legal, legítima e de fundamental importância para a sobrevivência dos mesmos. Para mim é o que basta, data vênia, devendo prevalecer a vontade soberana dos cooperados, sem ingerência de quem quer que seja, mesmo do Judiciário.

Ainda que assim não fosse, observo que, ao contrário do que entendeu a MM. Junta “a quo”, os cooperados não se encontram ao desamparo por fraude trabalhista. Na realidade, pelos próprios motivos legais de constituição das cooperativas, estas garantem a relação de trabalho, e não de emprego aos seus associados. Não houve desvirtuamento dos objetivos estatutários da Cooperativa. A clientela eventual e variada pode ser conferida através dos contratos juntados nos autos, especialmente aqueles celebrados no ano de 1998.

Os objetivos do artigo 2º. do seu primitivo estatuto, foi alcançado, verificada ainda a sua alteração, através de AGE, quanto ao gerenciamento das atividades executadas a terceiros, pelos cooperados. Igualmente, quanto aos objetivos de defesa dos interesses na melhoria econômica e social, a prova documental constante dos autos demonstra:

Tanto é regular a atividade da referida Cooperativa, que o Prefeito do Município, através da lei nº 1513, declarou-a de utilidade pública.

Tenho apenas a acrescentar que Cooperativas falsas que não promovem a elevação da renda ou da condição social do trabalhador, não praticam gestão democrática, nem se verificam o retorno das sobras líquidas do exercício, enfim, não preenchem as características de verdadeiras cooperativas, existem e proliferam, principalmente em face do disposto no parágrafo único do artigo 442 da CLT e merecem total repúdio e punição através de medidas legais cabíveis.

Contudo, aquelas que efetivamente cumprem seus objetivos e metas, não desvirtuando o sentido do cooperativismo, tal como constatei minuciosamente nos autos, merecem respeito, incentivo e apoio.

Tomara surjam medidas que favoreçam ainda mais o sistema de cooperativa, que na realidade constituam formas alternativas de trabalho e renda para milhões de trabalhadores brasileiros.

VALOR DA CONDENAÇÃO: Exorbitante o valor de R$1.000.000,00, fixado na sentença, reduzo-o a R$20.000,00, conforme inicial autorizando as recorrentes a requerer junto à Receita Federal a devolução das custas pagas a maior.

CONCLUSÃO: Conheço do recurso: nego provimento às preliminares argüidas: dou provimento ao restante do mérito para julgar improcedente a ação civil pública proposta, atribuindo à condenação o valor de R$20.000,00, com devolução das custas pagas a maior.

FUNDAMENTOS PELOS QUAIS ACORDAM os Juizes do Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região, pela sua Primeira Turma, preliminarmente, à unanimidade, em conhecer do recurso; sem divergência, em rejeitar o pedido de efeito suspensivo do recurso formulado pelos recorrentes e as preliminares de não cabimento da ação civil pública, de inépcia da inicial, de incompetência da Justiça do Trabalho e de ilegitimidade passiva da COOTARB e, por maioria de votos em dar provimento ao restante do mérito para julgar improcedente a ação civil pública proposta, atribuindo à condenação o valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), com devolução das custas pagas a maior, vencido parcialmente o Exmo. Juiz Manoel Cândido Rodrigues.”

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