Medidas Provisórias

artigo: medidas provisórias no direito tributário

Autor

  • Fátima Pacheco Haidar

    é advogada especialista em Direito Tributário. Conselheira da OAB-SP professora do Curso de Pós-Graduação em Direito Tributário “lato sensu” do IICS – Centro de Extensão Universitária. Conselheira Suplente do Conselho Municipal de Tributos da Secretaria das Finanças do Município de São Paulo.

3 de julho de 2000, 0h00

“As Medidas Provisórias no Âmbito do Direito Tributário”

Está em discussão no Congresso Nacional projeto de Emenda Constitucional que limita a edição de medidas provisórias pelo Presidente da República, e a última notícia que se tem sobre este projeto é que a votação da proposta foi adiada para a próxima semana. Pretende-se, neste prazo, convencer o PPB a votar a favor do projeto do deputado Roberto Brant (PFL-MG), que foi negociado com o Presidente Fernando Henrique Cardoso e que é muito mais flexível do que a proposta defendida pelas oposições e pelo presidente do Senado, Antônio Carlos Magalhães.

Se o projeto original pretendia que as medidas provisórias mantivessem a validade de trinta dias, conforme já previsto no art. 62 da Constituição Federal, podendo ser reeditadas apenas por mais trinta dias, o substitutivo de Brant propõe que a medida provisória tenha prazo de validade de sessenta dias, podendo ser renovada por mais sessenta dias, e se nesse período não for votada no Congresso, trancará a pauta do Senado e da Câmara.

Processo Legislativo e Emendas Constitucionais à parte, é certo que se discute há tempos sobre o abuso (substantivo que, segundo o Dicionário Aurélio, tem dois significados pertinentes ao caso: 1. Mau uso, ou uso errado, excessivo ou injusto; excesso, descomedimento. 2. Exorbitância de atribuições ou poderes.) da utilização de medidas provisórias pelo Presidente da República. O que aparenta é que o Congresso Nacional, atualmente, só legisla para emendar a Constituição Federal (já são mais de 25 emendas) e o que seria matéria de lei ordinária fica sujeito à instituição por medidas provisórias.

Atualmente, a Constituição Federal determina, em seu art. 62, que em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional, que, estando em recesso, será convocado extraordinariamente para se reunir em cinco dias, tendo o prazo de 30 (trinta) dias para deliberar sobre a questão, em sessão conjunta, porém bicameral. Também é previsto que as medidas provisórias perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de 30 (trinta) dias, a partir de sua publicação, devendo o Congresso Nacional disciplinar as relações jurídicas dela decorrentes.

Com a limitação que se pretende impor com a alteração do texto Constitucional, conforme o texto que for aprovado, a validade das medidas provisórias será de, no máximo, sessenta (proposta atual) ou cento e vinte dias (substitutivo apresentado).

É preciso, realmente, se limitar as reedições das medidas provisórias. Há medidas provisórias que já estão sendo reeditadas por mais de sessenta vezes. Um exemplo disso é a medida provisória que regulamenta o Cadin – Cadastro Informativo dos Créditos não quitados de órgãos e entidades federais, que é a Medida Provisória nº 1973-61, de 04.05.2000 (61ª reedição).

Em matéria tributária, muito já se discutiu sobre este tema, principalmente sobre os limites materiais à edição de medidas provisórias, que seria impossível que as mesmas dispusessem sobre determinadas matérias como tributária, penal e sobre matéria reservada à lei complementar. O debate não é novo, e o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em decisão definitiva de mérito, julgou parcialmente inconstitucional a medida provisória nº 628, de 23.9.94 e suas sucessivas reedições até a medida provisória nº 1482-34, de 14.03.97, entendendo, apesar da possibilidade de instituição de tributos, absolutamente necessário o respeito, por parte das medias provisórias, do princípio da anterioridade do Direito Tributário.

O Supremo Tribunal Federal se manifestou em outras ocasiões no sentido que as medidas provisórias podem versar sobre direito tributário. O Ministro do Supremo Tribunal Federal CARLOS MÁRIO DA SILVA VELLOSO, relator da ADIn 295-3, julgada em 22.06.1990, votou favoravelmente à utilização de Medidas Provisórias no Direito Tributário:

” Há os que sustentam que o tributo não pode ser instituído mediante medida provisória. A questão, no particular, merece algumas considerações. Convém registrar, primeiro que tudo, que a Constituição, ao estabelecer a medida provisória como espécie de ato normativo primário, não impôs qualquer restrição no que toca à matéria. E se a medida provisória vem a se transformar em lei, a objeção perde objeto. É o que ocorreu, no caso. A MP nº 22, de 06 de dezembro de 1988, foi convertida na Lei nº 7.689, de 15 de dezembro de 1988.

” Não seria, portanto, pelo fato de que foi a contribuição criada, originariamente, mediante medida provisória, que seria ela inconstitucional.”

Então, o entendimento do Supremo Tribunal Federal já está pacificado no sentido de que é plena e legítima a possibilidade de disciplinar matéria de natureza tributária por meio de medidas provisórias, que por previsão constitucional, tem força de lei, observando-se, porém, os princípios constitucionais tributários da anterioridade , da irretroatividade e da anterioridade mitigada, ou nonagesimal, prevista no art. 195, parágrafo 6º, da Constituição Federal, que é aplicada às contribuições sociais (CSLL, Cofins, etc.)


Diante da manifestação do Supremo sobre a matéria, não há muito o que alegar em discussões processuais, pois em qulaquer discussão judicial sempre será invocado, seja pelo magistrado ou pela parte contrária, este entendimento. Mas, doutrinariamente, temos que discordar, por vários motivos.

Primeiramente, para a adoção de medidas provisórias, a Constituição Federal estabelece como pressuposto (em destaque no início do texto do artigo 62) que as Medidas Provisórias sejam adotadas em casos de relevância e urgência. E, em matéria tributária, não há que se falar em relevância e urgência, não é relevante e/ou urgente instituir ou majorar tributo (exceto para aumentar a arrecadação). Nos casos em que deve ser obedecido ao princípio da anterioridade, em hipótese alguma pode ser admitida instituição de tributos por medidas provisórias; não é cabível.

Em casos excepcionais previstos na Constituição (art. 153, parágrafo 1º), nos quais não se exige que se observe o princípio da anterioridade, entrando em vigor imediatamente a lei que alterar as alíquotas do tributo (majorar ou diminuir), que são o Imposto sobre produtos Industrializados (IPI), Imposto de Importação (II), de exportação (IE) e o Imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários (IOF), podem ser utilizadas as medidas provisórias, pois o próprio artigo da Constituição fala em ato do Executivo (embora seja aqui ato diverso de medida provisória, que é hierarquicamente comparável com a lei, e a Constituição quis se referir a legislação hierarquicamente inferior). Não há exigência de lei em sentido estrito (ordinária ou complementar).

BRASILINO PEREIRA DOS SANTOS, autor da obra “As Medidas Provisórias no Direito Comparado e no Brasil”, conclui , após longa dissertação, que em todas as hipóteses em que a medida provisória possa introduzir uma situação fática praticamente irreversível, ou seja, que não pode, sem prejuízo a direito ou garantia individual, ser desfeita, a princípio não se pode editar decreto-lei ou medida provisória.

Segundo o autor, depois de cobrado o tributo já houve o desfalque, a redução do patrimônio de alguém, por isso que a sua posterior devolução, após um processo formal, de regra, demorado, já terá causado prejuízo praticamente irreversível àquele que pagou e por certo tempo foi desfalcado de parte de seu patrimônio.

A eminente tributarista MISABEL ABREU MACHADO DERZI também se manifestou adversa ao uso de medidas provisórias no Direito tributário, fazendo as seguintes objeções ao uso das mesmas, conforme sintetizamos nos tópicos abaixo:

– As expressões “relevância” e “urgência”, são aparentemente abertas, fluidas, imprecisas e obscuras, e abrem brechas para diversas interpretações.

– Ao contrário do superado decreto-lei, a Constituição de 1988 teve por escopo abolir, juntamente com os demais atos de exceção, o decreto-lei. E, ao contrário do que ocorria em relação ao decreto-lei, quando a nova Constituição trata da medida provisória, não faz referência às matérias que podem por esta ser reguladas.

– Os princípios da segurança jurídica e da anterioridade das leis fiscais impedem o uso da medida provisória, nesta área, já que a medida provisória não atende ao princípio da rígida legalidade (grifos nossos) exigida em matéria tributária.

– A medida provisória se incompatibiliza com o princípio da anterioridade , que adia, para o exercício subseqüente, a eficácia e a aplicabilidade da lei tributária. A medida provisória somente pode ser editada em casos de relevância e urgência que sejam tais que exijam sua imediata vigência. Se a medida provisória for editada sem o característico da vigência imediata, já perde a sua própria natureza de medida provisória.

– A medida provisória “com força de lei” (art. 62 da Constituição) não se equipara à lei (grifos nossos), como manifestação originária do Poder Legislativo. Por isso é que não preenche o princípio da estrita legalidade, para fins de aumento ou instituição de tributo. E como tem eficácia imediata, somente se transformando em lei é que será lei. Por isso que durante o período dessa eficácia imediata, haveria tributação sem ser com base em lei.

– Inexiste qualquer discricionariedade para o Chefe do Poder Executivo adiar a eficácia e a aplicabilidade das medidas provisórias para data posterior à de sua publicação, quer para o exercício subseqüente, quer para o momento da regulamentação. Ou se dão, no caso concreto, a relevância e a urgência, cabendo, sendo próprio e adequado, o uso de medida provisória, ou não. E a antinomia existente entre o princípio da anterioridade e as medidas provisórias se afigura uma insolúvel contradição.

Assim, se as leis ordinárias ou complementares que instituem ou aumentam tributos têm eficácia e aplicabilidade adiadas por força do princípio da anterioridade, e as medidas provisórias, em razão da relevância e da urgência, têm necessariamente eficácia e aplicabilidade antecipadas à existência da lei em que hão de converter, por imperativo constitucional, a medida provisória seria incompatível com a própria Constituição, porque até poderia superar, em valor e exigências, as leis complementares e ordinárias que viessem a dispor sobre a mesma matéria.


Uma primeira limitação às expressões “relevância e urgência”, que é o fato de haver uma delimitação negativa que permite afirmar não ser, de modo algum, urgente ou relevante criar tributo novo ou majorar aqueles já existentes.

Outros valores amparados pelo sistema constitucional tributário são a segurança , a previsibilidade e a estabilidade das relações jurídicas, que têm, na legalidade e na anterioridade, suas mais importantes expressões. É por isso que se exige, para criar ou aumentar tributo, lei ordinária (como regra) ou lei complementar (para os empréstimos compulsórios e os impostos novos, criados no exercício da denominada competência residual), atos normativos estes conciliáveis com o princípio da anterioridade. E as medidas provisórias, em virtude da antecipação de efeitos à própria lei em que se converterão, são veículos que guardam profunda antinomia ao tradicional princípio da anterioridade das leis fiscais.

GERALDO ATALIBA, respondendo à pergunta sobre se através de medida provisória seria possível instituir tributo, reiterou, embora por outros termos, as antigas lições pertinentes ao decreto-lei, ensinando que também a medida provisória pode trazer, no domínio do direito tributário, terríveis agressões, principalmente ao princípio da igualdade:

” Peço que os senhores imaginem que hoje sai uma medida provisória dizendo que todos os contribuintes que se encontrem na situação “x” pagarão o imposto “y”. esta medida provisória, a partir da sua publicação, por ter força de lei, ficaria obrigatória. Então algumas pessoas teriam que recolher o tributo – as contempladas na hipótese de incidência dessa medida provisória.

“Em 30 dias o Congresso Nacional não diz nada. Então, estas medidas provisórias perdem a sua eficácia a partir da sua publicação. Imediatamente o Estado ia ser obrigado a devolver aquele dinheiro que foi arrecadado. Pergunto: como fica o princípio fundamental da igualdade de todos diante do Estado, a igualdade de todos perante a lei tributária? Aqueles que cumpriram o dever de recolher; portanto, que foram mais submissos à autoridade que emana da legislação, com amparo na Constituição, vão agora esperar ( e os senhores sabem que é bastante difícil) para recorrer e receber esse dinheiro de volta!

“Os que descumpriram é que vão ficar numa situação boa, dizendo aos outros; “Estão vendo? Descumpri e a minha situação ficou tranqüila.

“É um absurdo interpretar a Constituição de modo a gerar situações como esta. Agora, imaginem ainda situações cuja reversão seja mais difícil: haverá devolução, porque foi anulado, e todas as outras pessoas que estão em situações semelhantes, do ponto de vista sociológico, econômico, etc., mas que não estavam na hipótese de incidência da lei? Todas elas permanecem tranqüilas! E aqueles que contribuíram ficam na expectativa da devolução!

“Então, penso que as conseqüências são, assim, tão desarticuladas com as exigências do sistema jurídico, que o caos que se cria, a desordem que se cria, a insegurança, é tão grande, que acho que ninguém pode admitir que uma Constituição republicana, que tanto cuidou de proteger os direitos individuais…, não pode ser interpretada de maneira a dar esta conseqüência.”

Para YONNE DOLÁCIO DE OLIVEIRA, Lei para o princípio da Legalidade da nossa Carta Magna deve ser entendida em sentido lato, citando que assim já assinalava MIGUEL REALE (em “Questões de Direito” – 1ª edição – Sugestões Literárias -1981-p. 57/60) durante a Constituição anterior, como norma escrita com poder de inovar o Direito já existente, por outras palavras, de introduzir algo de novo com caráter obrigatório. E os atos normativos que têm essa característica de lei são os atos constantes da relação exaustiva do processo legislativo.

Segundo a ilustre professora, no nosso Direito Tributário, lei corresponde aos atos normativos relacionados no art. 59 da Constituição de 1988. Subordinados à Constituição e às leis complementares, os instrumentos legais que efetivamente criam ou aumentam os tributos, para a União, são as medidas provisórias e as leis ordinárias. A autora também considera que outras formas legais hierarquicamente inferiores , como decretos legislativos e resoluções do senado também são leis, pois podem introduzir direito novo.

A citada autora exclui apenas outras fontes de direito da tributação , que não são leis ( usos e costumes, ajustes entre particulares ou atos negociais, jurisprudência e doutrina) pois não são atos do Legislativo que possam criar direito novo. Até criam direito novo, mas são emanadas por outros Poderes ou órgãos que não o Poder Legislativo. Exclui, também, o regulamento do Executivo, visto que a lei deve ser proveniente do Legislativo, e é a única fonte de direito excluindo ainda os atos normativos da Administração Pública, sempre vinculada à lei e portarias ministeriais, interministeriais, e demais atos de hierarquia inferior (instruções, circulares, atos declaratórios normativos, etc.)

Discordamos da nobre autora no tocante à medida provisória. Como já dissemos, e como já disseram outros renomados juristas, já citados neste trabalho, a medida provisória não é veículo adequado para instituição ou majoração de tributo. A autora insiste que, apesar das medidas provisórias serem proferidas pelo Executivo, há controle do Legislativo, através da ratificação. Mas acrescenta que inexistente a ratificação, tais medidas não subsistem.

ROQUE ANTÔNIO CARRAZZA leciona que ” O princípio da legalidade é uma das mais importantes colunas sobre as quais se assenta o edifício do Direito tributário. A raiz de todo ato administrativo tributário deve encontrar-se numa norma legal, nos termos expressos do art. 5º, II, da Constituição da República.”

Segundo o autor, o princípio da legalidade garante a segurança das pessoas diante da tributação, pois de pouco valeria a Constituição haver protegido a propriedade privada (arts. 5º, XXII e 170, II), se inexistisse a garantia cabal e solene de que os tributos não seriam fixados ou alterados pelo Poder Executivo, mas só pela lei.

Para ler a continuação deste artigo clicar em “artigo: medidas provisórias 2”.

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