Justiça do Trabalho

A Justiça do Trabalho a caminho da extinção

Autor

  • Luís Carlos Moro

    é advogado trabalhista sócio de Moro e Scalamandré Advocacia S/C presidente da Alal -- Associação Latino Americana de Advogados Laboralistas membro consultor da Comissão Nacional de Direitos Sociais do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e professor universitário de Direito do Trabalho dos cursos de graduação e pós graduação da UNIFMU (licenciado)

17 de janeiro de 2000, 23h00

Estamos diante de recentes modificações da legislação trabalhista, bem como na iminência de ver aprovados projetos de lei e emendas constitucionais que alteram, profundamente, o arcabouço jurídico de garantias mínimas aos trabalhadores.

Exemplos notáveis dessas mudanças são a Emenda Constitucional 24, as Leis 9.957 e 9.958, ambas de 12 de janeiro de 2000.

A Associação dos Advogados Trabalhistas de São Paulo promoverá encontros de discussão mais aprofundada de tais normas. De 21 a 24 de fevereiro, estaremos discutindo o inútil e débil Rito Sumaríssimo. No mês de março será a vez das Comissões de Conciliação Prévia (ou Comandos de Coerção Prévia…). Contudo, é importante que haja uma manifestação imediata e premente, que corresponde a uma verdadeira denúncia do que sucede com nossa legislação trabalhista.

As novas medidas são apresentadas como avances em um ordenamento jurídico supostamente antigo e decadente. Pior que isso, como o lobo travesti, em pelego de cordeiro, o governo federal tem a desfaçatez de dizer que as medidas virão beneficiar os trabalhadores.

O lobo, porém, é feio. Quando o pelame que lhe cobre desaba – e cai pelas próprias declarações do governo – o que se verifica é um animal sedento, faminto, que só se sacia com a morte dos direitos da classe trabalhadora. E, na mesma câmara de gás, estão fadados a perecer os advogados trabalhistas, os sindicatos não aderentes, os membros do Poder Judiciário do Trabalho (servidores e juízes).

Declarações do presidente FHC revelam o empenho do governo na substituição das garantias legisladas pela suposta “livre negociação”. Que ninguém se iluda. Não haverá sequer negociação. Quanto mais “livre”… Estaremos mais próximos da “livre imposição”.

A negociação de que se trata é a mesma que havia, ao tempo da Revolução Francesa, entre o pescoço e a guilhotina; ao tempo da escravatura, entre a pele escrava e o açoite.

Sob a escusa de agilizar o Judiciário, suprime-se seu acesso. E a supressão é ainda mais torpe no caso de São Paulo. O acesso hoje é interditado. Interditado! Das 79 Varas do Trabalho (o termo é novo), 14 delas estão interditadas pela municipalidade. São mais de cem mil trabalhadores com 69 mil processos parados. Uma massa eleitoral respeitabilíssima. Entretanto, absolutamente desrespeitada, justamente em ano eleitoral.

Além desse fato, o rito sumaríssimo virá como mais um complicador nesse intrincado nó que se transformou o simples direito de ação. Incentiva a multiplicação de reclamações; exacerba a espera – já mortificante – dos processos que tramitam sob o rito comum da CLT.

Complementam o quadro as “Comissões de Conciliação Prévia”, cujo nome é revelador. Concilia-se previamente. À força! Um verdadeiro cala-boca do trabalhador, que, um dia, ousou imaginar-se detentor do direito de ação contra o seu empregador.

Não atribuamos, porém, todo o demérito dessas medidas ao nosso presidente ex-sociólogo. Na verdade, cabe a ele tão somente sancionar as leis. Que, na seara trabalhista, provém de fonte única: O Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional e outras instituições primeiromundistas dos chamados países centrais.

Idênticas “reformas” sofreram países como Chile e Argentina. Nesta última, nos informa Dr. Horácio Schick, presidente da Associação dos Advogados Trabalhistas local, que o novo “Plano Nacional de Reforma do Judiciário” argentino ataca a Justiça do Trabalho, limitando sua competência. E arremata: “Uma vez mais, manifesta-se a desconfiança dos doutrinadores neoliberais, que querem desarticular a justiça que se encontra mais sensibilizada com os problemas dos setores mais vulneráveis da nossa sociedade: os trabalhadores. Desde já, cabe adiantar que no informe oficial no Plano não figura a Justiça do Trabalho como foro específico.”

Em resumo, foram dados os primeiros passos para a extinção da Justiça do Trabalho. Aos trabalhadores restará o diálogo do pescoço com a guilhotina. A justiça mais rápida que se quer eqüivale a menos Justiça.

Estamos indo, todos, brasileiros, argentinos, chilenos e demais latino-americanos, para o mesmo destino que nos reservam os fenômenos da globalização, das novas estruturas de produção, dos mercados centrais, dos modernos centros de decisões políticas: a marginalização.

Reconheçamos: somos um país marginal. Dentro do país marginal, há um direito marginalizado, o Direito do Trabalho, uma categoria social condenada a viver à margem dos benefícios da globalização, os trabalhadores; um setor do Judiciário vocacionado para, a manter-se o ambiente atual, sua extinção: a Justiça do Trabalho. E, junto com ela, irão advogados trabalhistas, juízes e servidores, população jurisdicionada.

Só nos resta a esperança de que haja luzes a iluminar nossos caminhos futuros. Não holofotes poderosos. Estes estão voltados para o outro lado. As luzes somos nós, trabalhadores, advogados rebeldes, cidadãos com elevado nível de consciência. Somente a soma de nossas pequenas luzes pode fazer frente ao choque ofuscante do poder. Recusemos nossa marginalidade. Contemo-nos e unamo-nos, grão a grão, até encher o silo da democracia.

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    é advogado trabalhista, sócio de Moro e Scalamandré Advocacia S/C, presidente da Alal -- Associação Latino Americana de Advogados Laboralistas, membro consultor da Comissão Nacional de Direitos Sociais do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e professor universitário de Direito do Trabalho dos cursos de graduação e pós graduação da UNIFMU (licenciado)

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