Prejuízos de verão

Veja como ser reembolsado por prejuízos causados pelas inundações

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26 de dezembro de 2000, 23h00

Vem aí o período das chuvas. E, com elas, as enchentes e possíveis prejuízos para os contribuintes. Até há pouco tempo, as inundações eram sempre consideradas fenômenos naturais e os danos por elas causados fatalidades inevitáveis.

“A legislação e o Judiciário têm mudado essa interpretação”, afirma o especialista em Direito Ambiental, Antonio Fernando Pinheiro Pedro. No entanto, explica o advogado: “é preciso demonstrar a relação de causa e efeito entre o evento e o prejuízo provocado”.

Pode parecer muito complicado, mas há dados concretos que indicam a responsabilidade do poder público. O principal deles é o fato de que, há cinco anos, o número de pontos de alagamento na cidade de São Paulo, por exemplo, era de 250. Esse número dobrou. Hoje são 500.

O motivo principal é a falta de planejamento urbanístico. A impermeabilização do solo com cimento e asfalto faz com que as águas das chuvas corram com velocidade, sem serem absorvidas, até as áreas mais baixas de cada região. Outro fator que envolve o poder público tem sido a falta de manutenção dos córregos e rios.

“Para buscar ressarcimento, o primeiro passo é identificar a responsabilidade”, explica o procurador do Estado, Marcelo de Aquino. Ou seja: se a vítima foi colhida nas avenidas marginais, o culpado, em tese, é o Estado – a quem cabe o desassoreamento dos rios Tietê e Pinheiros. Nos demais pontos da cidade, a responsabilidade é da prefeitura.

Em termos técnicos, a enchente é o fenômeno natural. A responsabilidade humana – ou seja, do poder público – pode se verificar com a inundação, que vem a ser o acúmulo de águas decorrente da impossibilidade de vazão das chuvas que não penetram o solo nem se escoam em ritmo que possam ser absorvidas.

O transbordamento de um córrego, em princípio, é culpa do município. No entanto, já houve casos em que a prefeitura conseguiu provar que o afluente só transbordou de seu leito porque o rio Tietê não deu vazão às suas águas. Só recentemente a prefeitura e o governo estadual passaram a trabalhar em sintonia nessa área.

Nos casos em que a inundação ocorre por falta de manutenção e limpeza de galerias pluviais, bocas-de-lobo e esgotos, o município deve responder pelos danos causados, explica o advogado Pinheiro Pedro: “Nesses casos, o prejudicado deve munir-se de todas as provas que puder, como fotos, testemunhas de que a manutenção não tem sido feita e de que o prejuízo foi provocado pela inundação”.

Na chamada “relação de causalidade”, pode-se concluir, inclusive, pela responsabilidade conjunta do município e do Estado.

O advogado Alfredo Flandoli entende que o contribuinte paga, “e paga alto”, para que o poder público zele pela sua segurança e bem estar. Para ele, caso o município queira ser reembolsado pelo trabalho mal feito pelas empresas que contratou, cabe à prefeitura usar do chamado “direito de regresso” e correr atrás do prejuízo. Vale o mesmo para o caso do governo do Estado.

O argumento de que a própria população é que se encarrega de entupir galerias e córregos com lixo, diz o advogado, não é juridicamente aceitável. “A acusação não pode ser genérica, se quiser transferir a responsabilidade a alguém, o poder público deve apontar o acusado e provar o que diz”, afirma Flandoli.

Procedimento administrativo

Nem sempre é preciso ir à Justiça para ter o seu direito reconhecido. O governo Covas aprovou, em 1998, a Lei 10.177, que prevê a possibilidade de o cidadão ser ressarcido por perdas provocadas pelo Estado, administrativamente. Ou seja, sem a necessidade de recorrer ao Judiciário.

No município há lei semelhante, aprovada quando Jânio Quadros era prefeito de São Paulo.

Os pedidos devem ser encaminhados à Procuradoria Geral do Estado ou à do Município. No caso do Estado, o prazo para resposta é de 120 dias.

Paulo Guilherme Mendonça, do escritório de advocacia Leite, Tosto e Barros, adverte, contudo, para as situações de excepcionalidade. “Se, historicamente, chove num determinado período 20 milímetros e, de repente, chove o equivalente a 200 milímetros, está tipificado caso fortuito”, afirma o advogado, enfatizando que fenômenos naturais imprevisíveis, certamente, são levados em conta na hora de examinar uma reclamação.

De maneira geral, afirma Paulo Guilherme, a Justiça não tem tido um comportamento uniforme no exame desses casos. Mas uma coisa é certa: de um lado ou de outro, é preciso fazer prova para demonstrar o que se afirma.

Um caso emblemático é o que envolveu um juiz paulista. Sua casa foi invadida pelas águas e, além das perdas materiais, um filho do dono da casa teria contraído leptospirose. A prefeitura foi acionada e, em seu favor, invocou a excepcionalidade do volume das chuvas e teria, inclusive, invocado o fato de que o morador da região, ao adquirir a residência, teria conhecimento de que a área escolhida era sujeita a inundação. O juiz não obteve tudo o que pediu. Mas a prefeitura foi condenada a indenizá-lo.

Seguros

As seguradoras, em defesa de seus interesses atuam no sentido de desqualificar o direito à indenização quando os bens, instalações e utensílios danificados, não estão claramente identificados nas cláusulas da apólice contratada, explica o advogado Frederico Diamantino.

“O contrato de seguro, por integrar a categoria dos contratos de adesão, deve ser interpretado em favor do segurado” afirma Diamantino. Portanto, as cláusulas que restringem os riscos cobertos, nem sempre são válidas, legalmente.

Nesse sentido, pode-se concluir que, ao contratar com a seguradora a transferência do risco de danos causados por eventos naturais, passam a estar cobertos pelo contrato todos os componentes móveis e materiais aderidos ao imóvel, necessários ao desenvolvimento das atividades do segurado.

Segundo Frederico Diamantino, nos contratos das seguradoras é comum haver cláusulas ambíguas que, “no final das contas, servem para que o segurador evite a indenização ou a pague da maneira que bem entender”.

Contudo, tem prevalecido no Judiciário o entendimento de que, uma vez transferido o risco de um determinado bem para empresa especializada, essa empresa – a seguradora – deve responder pelo que acontece ao bem segurado.

Parafraseando o juiz Maciel Pereira do Tribunal de Alçada de Minas Gerais em recente voto “Seguro é como gravidez, ou seja, não existe meio seguro. Melhor explicando, assim, como não existe, biologicamente falando, meia gravidez, juridicamente também falando não se admite seguro pela metade.”

As companhias de seguro, por sua vez, também podem reivindicar do poder pública que reembolse a indenização se demonstrar que houve culpa do Estado. As ações de ressarcimento, no entanto, são geralmente demoradas, pois o governo entra com todos os recursos possíveis para não pagar os prejuízos. Segundo informações das seguradoras, mesmo depois de vencido os governos ainda demoram muito para efetuar o pagamento.

Tecnicamente, o segurado pode resistir inclusive contra a perda de desconto ocasionada pelo uso involuntário do seguro. Afinal, ele não contribuiu para o sinistro. Mas, novamente, vale a tentativa de negociar diretamente a preservação do direito. Levar o caso à Justiça – a menos que o prejuízo seja muito grande – não vale a pena.

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