Internet e o Direito

Questionamento na aplicação de leis para usuários da internet

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13 de dezembro de 2000, 11h37

A Internet massificada ainda é um fenômeno muito recente. Sua expansão, porém, vem ocorrendo numa velocidade impressionante. As instituições vigentes não estão conseguindo acompanhar a era dos “bits”. Tal descompasso fica mais evidente na área do Direito.

De fato, governos estão procurando soluções para aplicar suas leis – as quais são territorialmente demarcadas – à rede mundial de computadores.

Como tributar (ou a quem cabe tributar, ou pode ser tributada) uma compra feita em uma página localizada num servidor de Taiwan, com um cartão de crédito internacional, referente à aquisição de um nome de domínio da Bolívia, sendo que o comprador reside no Japão?

Deve (ou pode) ser criminalmente processado um cidadão norte-americano, residente no Brasil, que faz apostas num cassino virtual hospedado numa Ilha do Pacífico (onde o jogo é permitido)?

Poderia citar milhares de outros exemplos que gerariam dúvida entre os profissionais de Direito.

A verdade é a seguinte: no que diz respeito ao Direito, a Internet alterou o velho ditado para: em terra de cego, quem tem um pouquinho de visão em um dos olhos é rei; aliás, se não enxergar nada, mas tiver um bom tato e uma boa audição já está apto a ser tratado como Majestade.

Explico: alguns profissionais do Direito (em geral representantes de corporações multinacionais, sem um conhecimento mínimo do mundo dos “bits”), por terem acesso aos meios de comunicação, estão falando muitas impropriedades, as quais, infelizmente, estão sendo adotadas por muitos como sendo lei, como sendo a melhor solução encontrada (diante da falta de outras melhores).

Um dos setores que mais vem sendo vítima de soluções no mínimo questionáveis é o de nomes de domínio. Elemento básico da Internet consiste no endereço das páginas, ou seja’ a maneira como podem ser acessadas as páginas de um determinado usuário.

Em vez de um endereço numérico (por exemplo, 919.841.782.57), cria-se uma “máscara” (por exemplo: circo.com.br). É claro que é muito mais fácil memorizar um endereço como circo.com.br do que 919.841.782.57.

Daí vem o grande valor que alcançam alguns nomes, como “business.com”, que foi recentemente vendido por sete milhões e meio de dólares.

Nos últimos meses ocorreram decisões judiciais, no Brasil e no exterior, estendendo a propriedade de marcas também aos domínios.

Vale dizer: os proprietários de marcas teriam o direito ao nome de domínio respectivo. O dono da marca fictícia KTRE teria também direito ao nome ktre.com.br, por exemplo.

Os argumentos dos tais juristas de multinacionais não se sustentam diante de uma análise mesmo ligeira do tema. Em primeiro lugar, as marcas são registradas sempre com vinculação a uma atividade econômica.

Certa empresa pode ser dona da marca globo, mas apenas no que diz respeito ao setor televisivo. Nada impede que uma outra empresa, de ramo diferente, seja proprietária da marca globo: daí poderemos ter panelas globo, alimentos globo, etc.

Pergunto: quem tem direito aos nomes de domínio globo.com ou globo.com.br? A empresa mais rica? A empresa que primeiro registrar tais domínios?

Como existem terminações específicas de domínios referentes a certas atividades, aceito que o domínio globo.tv.br deveria ser prioritariamente destinado à empresa de televisão, e não à de panelas. Ir além disto já é mera manipulação.

E o que dizer de palavras genéricas, como amor, sexo, ou expressões como “já vou indo”, “boca no trombone”, ou nomes como José, Orlando, Maria? Quem pode ser dono de tais nomes? E não podemos esquecer que cada país tem uma terminação própria (“és” para a Espanha, “it” para a Itália, etc): o dono de uma marca terá o direito ao nome de domínio respectivo em todos os países?

A melhor e mais democrática solução creio eu é a seguinte: marca é marca; nome de domínio é nome de domínio; a propriedade deste último cabe a quem fizer o registro primeiro.

De fato, não há lei que me proíba de entrar nos serviços que administram nomes de domínio (no Brasil temos a FAPESP, em http://registro.br), onde encontrarei um nome disponível e efetuarei o seu registro.

As multinacionais vivem demitindo funcionários sob a alegação de incompetência (com a globalização, isto já virou moda).

Quando, porém, a própria multinacional, embora seja um Golias, é incompetente, dormindo no ponto, ela quer ter o direito de apropriar-se do nome registrado por algum Davi, chamando este de pirata virtual, de especulador, de aproveitador. Como se as multinacionais tivessem muita ética em suas ações…

Por fim, só mais um argumento para corroborar que marca não se confunde com nome de domínio. Em vários países é comum a discagem telefônica com base em letras, e não em números.

E se um dia, no Brasil, essa moda pegar? Se alguém tiver um telefone com o número 884-5626, será obrigado a entregar o mesmo para a TV Globo?

Será?

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