O rescaldo da batalha

Leia a principal tese jurídica que adiou o leilão do Banespa

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10 de dezembro de 2000, 23h00

A intensa batalha travada na prolongada véspera do leilão do Banespa ofereceu à comunidade jurídica situações e lições que aprofundaram, como nunca, a discussão em torno do direito público.

Um dos momentos altos quando o Tribunal Regional Federal da 3ª Região, ao julgar os embargos regimentais apresentados contra o presidente da Corte, restabeleceu a decisão do juízo de primeiro grau e suspendeu o processo licitatório do banco.

A decisão baseou-se no voto do juiz federal Márcio Moraes que, pelo mérito, reproduzimos na íntegra:

AGRAVOS REGIMENTAIS NA SS N. 2000.03.00.016834-6

AGRAVANTES: Sindicatos dos Empregados em Estabelecimentos Bancários de São Paulo; Osasco e Região e Ministério Público Federal

AGRAVADA: Decisão de fls. 277/280

VOTO CONDUTOR

O Exmo. Desembargador Federal Márcio Moraes:

Realizada a sessão de julgamento destes agravos regimentais em 1 de junho de 2000, recebi estes autos para redigir acórdão em 2 de outubro de 2000.

Cuida-se e agravos regimentais contra decisão Exmo. Desembargador

Federal Presidente desta corte, que suspendeu liminar concedida pelo MM. Juiz Federal da 15ª Vara Civil de São Paulo em autos de medida cautelar proposta pelo Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos Bancários de São Paulo, Osasco e Região em face da União e do Banco Central do Brasil – BACEN, a qual, por sua vez, suspendia os efeitos do edital de abertura do processo de licitação pra alienação e ações do capital social do Banco do Estado de São Paulo – BANESPA e da respectiva alteração do cronograma de privatização de quaisquer atos neles previstos,ou, na hipótese de já haver sido divulgado o resultado da pré-qualificacão, com a sustação dos seus efeitos, até a efetiva regularização do edital pela Administração Pública (fls.22/27 e 277/280).

Quando preliminar de nulidade suscitada, acompanho o Voto do Relator, considerando que, de qualquer sorte, houve manifestação espontânea do agravante a fls.204/275, precedentemente à decisão suspensiva da liminar.

No mérito, dois são os fundamentos da r. decisão regimentalmente agravada. O primeiro, diz respeito ao não cumprimento pelo juiz monocrático do artigo 2º da Lei 8.437/92, que determina a oitiva do representante judicial da pessoa jurídica de direito público no prazo de 72 horas, antes da prolação do despacho liminar em ação civil pública, o que levou o Exmo. Desembargador Federal Presidente ao entendimento de que tal descumprimento configura grave lesão à ordem pública, nos termos do artigo 4 da mesma lei n 8437/92, considera em termos de ordem jurídico processual.

O segundo, atinente à configuração da grave lesão à economia, pressuposto à concessão da suspensão da grave lesão à citado art. 4º, comprovado por parecer fornecido por órgão técnico do Banco Central do Brasil – BACEN, requerente da suspensão. Com toda a vênia do ilustre presidente, prolator da r. decisão ora agravada regimentalmente, nosso entendimento sobre a matéria é diverso.

Como já nos manifestamos em muitos precedentes desta corte (ARSS n 93.03.047002-8 e ARSS n 98.03.042821-7, dentre outros), pensamos que o pedido de suspensão de liminar ou de sentença com fundamento na ocorrência de grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, tanto na Lei nº 8.437/92, deve ser excepcional e merece, ao menos, interpretação restritiva, para não dizer, como alguns doutrinadores (Sergio Ferraz in “Mandado de Segurança Individual e Coletivo – Aspectos Polêmicos”, 2″ ed., Malheiros Ed., pág. 161/162) que tais previsões legais têm laivos de inconstitucionalidade.

Merece interpretação restritiva por vários motivos

De um lado, porque concede ao poder público uma prerrogativa processual que desequilibra nitidamente as partes no processo,em dissonância com o principio do artigo 125, inciso l, do CPC, que, por sua vez, é reflexo do principio constitucional da isonomia. Mesmo que se considere como justificativa o resguardo do interesse público sobre o particular, esse privilégio processual peca por falta de razoabilidade.

Sim, porque a via do pedido de suspensão vem sendo constantemente alargada nas várias republicações da Medida Provisória nº 1.984, atualmente em sua 17ª edição, para torná-la um verdadeiro recurso, já que abrange também hipóteses de ilegalidade e de confronto com jurisprudência de tribunal superior (parágrafo 7º, do artigo 4º, acrescido à Lei n 8.437/92 pela MP nº 1.984 em sua redação vigente), bem como ao poder público possibilidade de sucessivas repetições do pedido de suspensão nos tribunais superiores em caso de denegação nos inferiores (parágrafo 4º, do artigo 4º, acrescido à Lei nº 8.437/92, pela mesma MP).

De outro lado, também merece interpretação restritiva porque o pedido de suspensão tem pressupostos metajurídicos, concernentes à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas. Ora, lei que obriga um juiz – o Presidente do Tribunal – a julgar fora do campo do Direito, se não tiver laivos de inconstitucionalidade, como já referido, há de ser, pelo menos, de aplicação excepcional.


Por isso é que temos defendido nesta Corte, em vários precedentes (ARSS n 90.03.02867-7, ARSS n 95.03.093076-9 e ARSS nº 98.03.42821-7), a necessidade do requerente pré-constituir provas robustas e isentas de suas alegações nessas áreas e mesmo, sempre que possível, a oitiva do requerido,tudo para dar ao juiz segurança mínima para nelas adentrar.

Penso que quando o judiciário trafega fora do Direito, ainda que autorizado por lei, sem comprovações seguras e robustas em prol de uma tese, caminha próximo ao arbítrio.

É com esse enfoque inicial, que procura uma interpretacão sistemática das Leis 4348/64 e 8437/92 com a Constituição e as leis adjetivadas, que passamos às considerações seguintes.

Diz o r. despacho agravado, por primeiro, que a decisão monocrática atentou gravemente contra a ordem pública, considerada esta em termos de ordem jurídico-processual, quando não determinou a oitiva do representante judicial da pessoa jurídica e direito no prazo de 72 horas, antes da concessão da liminar, como determina o artigo 2º da Lei nº 8.437/92.

No seu voto neste agravo regimental, o Exmo. Presidente acrescentou ainda, na esteira de jurisprudência deste Tribunal e do Superior Tribunal de Justiça, que não havia urgência que justificasse a dispensa da oitiva do representante judicial da pessoa jurídica de direito público.

Ocorre, com a devida vênia e em que pesem os valorosos fundamentos inseridos no voto do ilustrado Presidente desta Corte, que essa matéria de ilegalidade ou mesmo nulidade do despacho concessivo da liminar em ação civil pública por preterição ao artigo 2º, da Lei nº 8.437/92, não pode ser conhecida na via estreita do pedido de suspensão, ainda que sob o manto de lesão à ordem pública no aspecto jurídico-processual.

Essa matéria pertence ao recurso próprio, que é o agravo de instrumento, de competência do órgão fracionário da Corte, o qual, cumpre registrar, já se encontra distribuído à 6ª Turma deste Tribunal, sob nº 2000.03.00.018678-6 e relatoria da ilustre Desembargadora Federal Diva Malerbi.

Esse agravo de instrumento, importa frisar, tem como fundamento igualmente a questão de preterição do artigo 2º, da Lei nº 8.437, de 1992, (item 3 da “minuta dos agravantes”) conforme tivemos oportunidade de constatar pessoalmente.

É verdade que o artigo 1º da Medida Provisória n 1984,em sua 17ª publicação de 5 de maio de 2000, em inovação já constante da edição de nº 16, de 6 de abril de 2000, introduziu o § 7º no artigo 4º da Lei nº 8.437, de 30 de junho de 1992, para permitir a suspensão e liminar que tenha esgotado, no todo ou em parte, o objeto da ação, ou que tenha sido deferida em flagrante ofensa à lei ou a jurisprudência de tribunal superior. No entanto, tal dispositivo é de constitucionalidade duvidosa porque cria, em verdade, um recurso de competência do Presidente do Tribunal.

Ora, o princípio do duplo grau inserido no sistema da Constituição quer julgamento colegiado e não monocrático de recurso, mesmo porque a ser exercida plenamente essa competência pelo Presidente, ele acabaria por esvaziar a competência recursal dos órgãos fracionários da Corte, em completa subversão do duplo grau de jurisdição e da própria jurisdição recursal outorgada pela Constituição aos Tribunais. De outro lado, o E. Supremo Tribunal Federal já decidiu que norma processual não pode ser veiculada por medida provisória, por falta notória do requisito da urgência (Adin 1753-2/DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence).

Então, o § 7º do art. 4º da Lei nº 8.437/92, introduzido pelo artigo 1º da Medida Provisória nº 1.984 em sua 17ª edição, de 5 de maio de 2000, não merece aplicação à espécie. Aliás, a título ilustrativo, vale observar que a jurisprudência do nosso Tribunal colacionada no despacho do Desembargador Federal Presidente pra justificar a necessidade da observância do artigo 2º, da Lei 8.437/92, foi proferida em agravo de instrumento, o que evidencia a impossibilidade de exame da matéria em sede de pedido de suspensão (Agravo de Instrumento n 97.03.071034-4, de Relatoria da Desembargadora Federal Sylvia Steiner, acórdão publicado no DJU de 20.5.98, Seção II)

A jurisprudência desta Corte e dos Tribunais Superiores é maciça no sentido de restringir o pedido de suspensão aos seus pressupostos específicos, resguardando o exame da legalidade ao recurso próprio, como sugerem os seguintes julgados, dentre outros:

“AGRAVO SUSPENSÃO DE EXECUÇÃO DE LIMINAR. RESOLUÇÃO Nº 2.303 DE 25 DE JLHO DE 1996, DO CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL. COBRANÇA DE TARIFAS SOBRE CONTAS INATIVAS DE POUPANÇA. LIMINAR CONCEDIDA SEM AUDIÊNCIA DA PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO AO ARTIGO 2º DA LEI Nº 8.437/92.

1 – Descabe discutir no juízo de suspensão de segurança, quer o mérito do pedido, quer a juridicidade da liminar atacada, mas somente a possibilidade de a decisão hostilizada ocasionar risco de grave lesão à ordem, à segurança e à economia públicas. A juridicidade do ato atacado deve ser discutida através do recurso próprio e não na suspensão de segurança.

2 – Inexistência de qualquer perigo de afronta ou lesão aos bens jurídicos protegidos pelo artigo 12, par: 1º da Lei nº 7.347/85 ou pelo artigo 4º da Lei nº 8.437/92.

3 – Agravo improvido.”

(ARSS Nº 97.03.003647-3/SP, TRF 3ª Região, Órgão Especial, Rel. Desembargador Federal Oliveira Lima, j. 13.3.97, v.u.)

AGRAVO REGIMENTAL SUSPENSÃO DE SEGURANÇA. EXAME DO MÉRITO. VEDAÇÃO. SUSPENSÃO DE ANTECIAPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA. POSSIBILIDADE. PERICLITAÇÃO DO DIREITO DA PARTE. IMPERTINÊNCIA. FUNDAMENTO INATACADO. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA PASSÍVEL DE RECURSO ESPECIAL. SÚMULA 86/STJ.

1. No âmbito estreito do pedido de suspensão de decisão proferida contra o Poder Público, impõem-se a verificação da ocorrência dos pressupostos atinentes ao risco de grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, sendo vedado o exame do mérito da controvérsia principal.

2. Omissis.

3. Omissis.

4. Omissis.

5. Omissis.

6. Omissis.

(AGSS nº 718/AM, STJ, Corte Especial, Rel. Ministro Antonio de Pádua Ribeiro, j. 17.2.99, v.u.)


Certo que o Supremo Tribunal Federal tem por vezes alargado a via da suspensão, embora com muita cautela e minimamente. Assim tem procedido na chamada doutrina do Ministro Nery da Silveira sobre o conceito de ordem pública (ARSS 846-DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence) abrangente da ordem administrativa, qual seja, não aquela que pretenda impor a vontade da autoridade pública, mas unicamente “a ordem estabelecida em lei para os atos da Administração”. A via também resta alargada no entendimento do Ministro Carlos Velloso que reconhece ao Presidente da Corte um mínimo de delibação do mérito da questão, à consideração de que “… se para a concessão da cautelar; examina-se a relevância do fundamento, o fimus boni júris e o periculum in mora – lei 1.535/51, art. 7º, II – na sua suspensão, que constitui contracautela, não pode o Presidente do Tribunal furtar-se a um mínimo de apreciação daqueles requisitos” (ARSS 1.272 – RJ).

Ambos os entendimentos da Suprema Corte, todavia, não justificariam o deferimento da suspensão da liminar na espécie.

Primeiro, porque eles não foram fundamentos da decisão ora agravada, a qual se limitou a adentrar ao campo da legalidade da liminar sem maiores considerações.

Segundo, porque as razões da liminar suspensa indicam que o seu intuito foi exatamente resguardar a boa ordem administrativa do procedimento licitatório, especialmente no que concerne ao edital de pré-qualificação dos interessados e sua submissão aos artigos 29, 31, inciso II e 114, parágrafo 2º, todos da Lei nº 8666/93 (Lei de Licitações), o que se adequa perfeitamente à orientação do Pretório Excelso.

Terceiro, porque a doutrina da “mínima delibação de mérito” do ilustre Presidente do Supremo Tribunal Federal, Min. Carlos Velloso, parece-nos inaplicável ao Presidente de Tribunal de instância ordinária, uma vez que nela há o recurso próprio para o controle da legalidade como ora se analisa, que é o agravo de instrumento, ao passo que nos Tribunais Superiores os recursos excepcionais têm outros pressupostos e finalidades.

Todavia, no presente caso, ainda que se admitisse, por hipótese, a competência do Presidente para tanto, bem de ver que sua mínima delibação de mérito invasora da jurisdição do agravo de instrumento não foi feliz, com a devida vênia.

A r. decisão ora agravada regimentalmente não explicitou porque entendia pela inocorrência da urgência que justificasse a necessidade de oitiva da representante judicial da pessoa jurídica de direito público. Fê-lo, todavia, o eminente Presidente-Relator deste agravo regimental em seu voto, o argumento de que o leilão da privatização do BANESPA foi marcado para 18/07/2000, em decorrência da alteração do respectivo cronograma publicado em 30/03/2000, data bem posterior à da liminar (04/04/2000).

Não é bem assim, pelo que podemos observar. A liminar suspensa, atendendo expresso pedido da parte autora, constante da inicial, também foi concedida para evitar a divulgação do resultado da pré-qualificação dos interessados que ocorreria no dia seguinte à data da prolação da liminar (04.04.2000), qual seja, em 05.04.2000. Independentemente do mérito da liminar nesse particular, a sua urgência, pelo menos, é inconteste. Havendo o pressuposto da urgência, que torna o deve cautelar do juiz mais necessário à eficácia da jurisdição do que a oitiva da parte contrária, dentro da moderna concepção da efetividade do processo e na esteira da própria jurisprudência colacionada pela r. decisão Presidencial, não ocorre nulidade ou ilegalidade na liminar suspensa, embora, repita-se, essa matéria seja própria do agravo de instrumento.

Não se sustenta, assim, o primeiro argumento do despacho regimentalmente agravado concernente à eventual ilegalidade da decisão liminar concessiva por preterição ao disposto no artigo 2º, da Lei 8437, de 1992.

A decisão liminar de primeiro grau foi também suspensa por apresentar potencial lesividade à economia pública. Assim concluiu o eminente Desembargador Federal Presidente com base em Nota Técnica nº 02/200 apresentada por setor técnico do Banco Central, que foi em parte transcrita no voto proferido por S.Exª..

Aqui é preciso voltar ao que sustentamos de início, no sentido de que o pedido de suspensão há de ter provas robustas pré-constituídas pela pessoa jurídica de direito público, de molde a emprestar ao Presidente do Tribunal segurança para decidir matérias metajurídicas específicas de ciências diversas do Direito.

Sim, porque, de um lado, a pessoa jurídica de direito público não pode esperar do Judiciário tratamento privilegiado no cotejamento das provas de suas alegações. Se ela já tem o privilégio da utilização de via processual excepcional para alegar matérias metajurídicas, tal seria que também dispusesse de presunção de veracidade em suas razões, mesmo porque, não há previsão legal de contraditório na via de suspensão, o que, por si só, representa outro privilégio. Não existe “argumento de autoridade” em nosso Direito, conforme já sustentamos em precedentes desta Corte, dos quais é exemplo o ARSS nº 98.03.042821-7.


De outro lado, as provas pré-constituídas devem demonstrar certa isenção. Meras declarações de órgão técnico da própria pessoa jurídica de direito público encarregada de executar e justificar política de governo, por critérios metajurídicos, decisão liminar proferida por órgão do Judiciário, porque são geralmente unilaterais e interessadas no deslinde da causa.

A nosso sentir, por provas isentas em prol da suspensão entenda-se levantamentos e pareceres técnicos de órgãos ou instituições de nomeada, quiçá internacional (diante da grandeza dos valores em discussão), avalizadores dos dados e informações fornecidas pelos órgãos técnicos das pessoas jurídicas de direito público.

A isenção dessa nota técnica expedida por órgão do requerente da suspensão tem, na espécie, passagens que a enfraquecem sobremaneira. Assim, por exemplo, quando calcula o número de cestas básicas e casas populares que poderiam ser adquiridas com o valor do alegado prejuízo decorrente do atraso da privatização. Afirmações desse porte dirigidas para o convencimento do Poder Judiciário da República, para não entrarmos em outra ordem de considerações, apenas demonstra enquanto a nota técnica é dotada de parcialidade. Aliás, os mesmos argumentos “ad terrorem” foram usados contra o chamado “Plano Collor”, o qual as vias ordinárias da Justiça Federal coarctaram em memorável episódio, sem que a economia nacional viesse abaixo. Não vai aqui desdouro algum aos órgãos públicos que usam tais argumentos nos pedidos de suspensão, porque eles estão notoriamente envolvidos nas políticas de governo. O que importa é apenas extrair a evidência de que nos pedidos de suspensão as informações provindas diretamente dos órgãos integrantes de pessoas jurídicas de direito público requerentes precisam ser consideradas com prudência porque, no geral, são unilaterais e parciais.

Há outro fator que, na espécie, demonstra a insuficiência da comprovação técnica da alegada potencialidade de lesão à economia pública.

O memorial do Ministério Público Federal nos informa da existência de parecer técnico juntado pelo Sindicato ora agravante e essa informação foi confirmada oralmente pelo Exmo. Presidente desta Corte na sessão de julgamento. Todavia, esse parecer técnico do agravante não foi conhecido ou mencionado no relatório, na decisão agravada, ou mesmo no voto do ilustre Desembargador Presidente-Relator, que se limitou a transcrever a nota técnica do Banco Central para concluir pela lesão à economia pública.

Não tendo ocorrido a comparação entre o dois pareceres técnicos, mas a simples aceitação acrítica daquele ofertado pelo requerente da suspensão, somos forçados a concluir, como todo o respeito e admiração que sempre temos pelas decisões do ilustre Desembargador Presidente, que nesse particular seu julgamento não se encontra suficientemente fundamentado.

Daí porque, no nosso entender, o requerente não logrou demonstrar a ocorrência de grave lesão à economia pública em decorrência da decisão judicial.

Ademais, como a espécie não discute propriamente a política da privatização – e nem poderia já que se trata notoriamente de uma política discricionária de governo, implantada por lei – mas sim irregularidades formais no procedimento da privatização, não nos comove a alegação de ocorrência de grave prejuízo à economia pública diante da criteriosa fundamentação da decisão suspensa.

Com efeito, se essas irregularidades assinaladas na decisão podem efetivamente prejudicar transparência da licitação para o fim, inclusive, de garantir-lhe bom preço e igualdade entre os licitantes, vale perguntar: aonde está o prejuízo à economia pública? Na decisão que manda efetivar o leilão mesmo assim, ou na que provisoriamente o suspende para escoimá-lo de possíveis irregularidades?

A resposta, a nosso sentir, está na diferenciação entre os conceitos de interesse público e interesse estatal.

Sabemos todos que, num Estado Democrático de Direito, como diz a Constituição Federal acerca de nossa República, nenhum interesse pode sobrepairar o do bem comum, vale dizer, ao interesse público ao à res pública. Daí as considerações fundamentais do eminente Professor Fábio Konder Comparato (Direito Público – Estudos e Pareceres, Saraiva, 1996, págs. 227/228) a respeito do princípio da supremacia do interesse público:

“Importa compreender em sua essencialidade etimologia o que significa a coisa pública. O publicum romano não indica – como parece à mentalidade moderna – o estatal e, sim, o comum de todos o que pertence de direito à comunidade dos cidadãos.

No Digesto, deparamos com uma sentença de Ulpiano que estabelece claramente essa diferença: bona civitatis abusive “publica” dicta sunt; sola enim ea publica sunt, quae populi Romani sunt (50, 16, 15). Ou seja, os bens pertencentes ao Estado são abusivamente denominados “públicos”, pois assim devem considerar-se unicamente os bens que pertencem ao povo romano. Daí sintetizar Cícero, em fórmula célebre: res publica, res populi.

Assim, feita a devida diferenciação, o interesse estatal sabemos qual é. Está estampado nesse pedido de suspensão e na nota técnica apresentada pelo BACEN: realizar o quanto antes o leilão do BANESPA ao argumento de que se sua postergação trará grave lesão à economia pública.

Mas, nas circunstâncias expostas, qual será o interesse público maior, que é dever constitucional do Judiciário resguardar?

Com toda a vênia dos que pensam diferentemente, creio que o que melhor consulta o interesse público é a higidez da ordem jurídica, que manda a Administração Pública obedecer os princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (artigo 37, caput, Constituição Federal), os quais devem prevalecer à vista das dúvidas fundamentadas levantadas na decisão suspensa e à consideração da não comprovação do alegado prejuízo à economia pública.

Pelo exposto, dou provimento a ambos os agravos.

É como voto.”

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