O roteiro da rendição

Processo de Nicolau vai testar sistema penal brasileiro

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9 de dezembro de 2000, 23h00

O sistema penal brasileiro vai ser testado mais uma vez no Brasil. O nome do teste, agora, é Nicolau dos Santos Neto. Como nas vezes anteriores, a tendência é a de que se constate um grande número de falhas.

Mas não é só o sistema criminal que vai para a vitrine. Vai também o governo, a imprensa, a sociedade.

A Folha de S.Paulo deste domingo (10/12) traz em sua edição afirmações estonteantes. O governo fez acordo com o ex-juiz, comprometendo-se a tratá-lo humanamente – o que a polícia não costuma fazer com outros brasileiros – e, em troca, o ex-presidente do TRT se entregaria e preservaria Eduardo Jorge Caldas Pereira, que vem a ser o elo de ligação entre o governo e o crime do Fórum.

Mais desconcertantes ainda foram as declarações do advogado Alberto Zacharias Toron: não teria havido um cerco efetivo para localizar seu cliente; as comunicações entre eles teriam sido feitas por telefone fixo; e que o ex-juiz ficou o tempo todo no Brasil.

O traço novelesco do recente episódio fica por conta do contraste entre as cenas angustiantes do reencontro da família Santos e as fotos de seu período de riqueza e felicidade – às custas dos outros. O dado cinematográfico, com o esforço do governo para poupar o preso. O troféu ironia, não há dúvida, vai para o brasileiro Airton Jardim Fontes, o taxista que transportou Nicolau por 170 quilômetros e não recebeu a corrida.

Os supostos parceiros de Nicolau no desvio das verbas da Fórum Trabalhista – o senador Luiz Estevão e o ex-secretário-geral da Presidência da República, Eduardo Jorge – assim como o presidente Fernando Henrique Cardoso, reagiram com cautela à prisão.

O depoimento mais alentado foi o de Eduardo Jorge, em entrevista ao jornalista Guilherme Barros, editor do Painel S/A, da Folha de S.Paulo, cuja íntegra transcrevemos abaixo.

Leia a entrevista de Eduardo Jorge

O ex-secretário-geral da Presidência da República Eduardo Jorge Caldas Pereira acredita que o ex-juiz Nicolau dos Santos Neto deverá se beneficiar na Justiça pelo fato de ter se entregado à Polícia Federal.

EJ acha que, nesses casos, a Justiça costuma ser condescendente, favorecendo a quem se entrega. Segundo ele, geralmente, a Justiça concede liberdade provisória ou prisão domiciliar a quem deixa de ser fugitivo.

Nesta entrevista, concedida por telefone, no sábado de manhã, EJ disse que está absolutamente tranquilo. “Não tenho nada a temer. Não perdi nem um minuto do meu sono”, afirmou. “Nem vou ficar nenhuma noite sem dormir”. Ele afirmou que não tem nenhum envolvimento no caso do desvio de recursos da obra do Fórum Trabalhista de São Paulo e disse que toda sua relação com o ex-juiz Nicolau já foi esclarecida nos vários depoimentos que concedeu à Justiça e ao Congresso.

EJ acha também que o ex-senador Luiz Estevão poderá se beneficiar com a prisão do ex-juiz Nicolau. De acordo com Eduardo Jorge, dos US$ 8 milhões encontrados na conta bancária do ex-juiz, apenas US$ 1 milhão foi transferido de uma conta identificada como sendo de Luiz Estevão. “Faltam US$ 7 milhões. Uma parte do dinheiro, portanto, não foi do Luiz Estevão”, diz EJ. “Ele terá que esclarecer suas fontes de renda.”

A ligação de EJ ao caso do desvio de recursos da obra do Fórum Trabalhista de São Paulo foi levantada na CPI do Judiciário, ao serem encontradas mais de cem ligações telefônicas feitas por ele ao ex-juiz Nicolau dos Santos Neto. Em todos os depoimentos concedidos até agora, EJ negou qualquer participação nesse caso. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Folha – Como o senhor recebeu a prisão do ex-juiz Nicolau?

Eduardo Jorge – Não tenho nada a temer. Não tenho nenhuma preocupação com a prisão do ex-juiz Nicolau. Não perdi nem um minuto do meu sono com isso. E nem vou perder noite sem dormir por causa disso.

Folha – Há possibilidade de ele falar alguma coisa que envolva o senhor?

EJ – Tudo sobre a minha relação com o juiz Nicolau eu já esclareci nos meus depoimentos. Não há nada mais a ser dito. Estou muito tranquilo.

Folha – O que o senhor acha que pode ter levado o ex-juiz Nicolau a se entregar?

EJ – Não faço a menor idéia.

Folha – O senhor acredita que o fato de ele ter se entregado o beneficia?

EJ – A Justiça tem sido condescendente a quem toma atitudes como essas. Normalmente, em pouco tempo, os juízes costumam conceder liberdade provisória ou prisão domiciliar a quem se entrega. Portanto é bem provável que ele se beneficie por ter se entregado.

Folha – A situação dele, portanto, melhora perante a lei?

EJ – Provavelmente, melhora muito. Ele deixa de ser fugitivo, o que é uma situação muito melhor.

Folha – O que o senhor acha que o ex-juiz Nicolau vai fazer?

EJ – Não sei qual será a estratégia dos advogados dele, mas o ex-juiz Nicolau agora terá a chance de se defender, de esclarecer sua participação nos episódios em que ele é acusado.

Folha – O senhor acha que o fato de ele não ter sido algemado é um sinal de que o governo teria negociado sua apresentação?

EJ – Em primeiro lugar, não tenho nenhuma informação sobre qualquer negociação do governo com o ex-juiz Nicolau. Agora, não acho que uma pessoa que se entrega a 48 policiais e entra num camburão precise ser algemado. Num caso desses, acho que não há a menor necessidade de se algemar uma pessoa.

Folha – A prisão do ex-juiz Nicolau pode complicar ainda mais a vida do ex-senador Luiz Estevão ?

EJ – Ou não. Acho até que pode beneficiar a vida dele. Veja bem, a comissão formada para rastrear as contas do ex-juiz Nicolau achou a quantia de US$ 8 milhões numa conta dele nos Estados Unidos. Desse total, a comissão descobriu que US$ 1 milhão veio de uma conta do Luiz Estevão. De onde vieram os outros US$ 7 milhões? Não foi só dinheiro do Luiz Estevão. O ex-juiz Nicolau deveria ter outras fontes de renda.

Folha – Quais seriam essas outras fontes de renda?

EJ – Não sei, ele vai precisar esclarecer essas coisas. O que se conclui, pelo menos do que foi noticiado, é que uma parte do dinheiro do ex-juiz Nicolau não veio do Luiz Estevão. O dinheiro pode ser de herança ou de qualquer outra fonte, além da obra do Fórum Trabalhista. Mas, repare, ninguém prestou muita atenção a um depoimento de um advogado dizendo que o ex-juiz Nicolau cobrava para dar algumas sentenças. O depoimento é público e está na Justiça. Quem sabe, podem estar aí indícios das outras fontes de renda do ex-juiz Nicolau. É preciso pesquisar.

Folha – O senhor não teme novos fatos que possam envolver o ex-senador Luiz Estevão e acabar ligando o senhor ao caso?

EJ – Estou absolutamente tranquilo. Não há nada que me envolva ao ex-juiz Nicolau e ao ex-senador Luiz Estevão. Estou reunindo todos os documentos que comprovam isso. Portanto não tenho nada a temer. Vou continuar dormindo tranquilo.

Folha – O senhor já se mudou para o apartamento do condomínio Praia Guinle, em São Conrado?

EJ – Já há quase três meses. Mudei-me no dia 1º de outubro. Não entendo porque só agora esse assunto veio à tona. Todas as minhas assinaturas de jornais e revistas e minhas contas já estão no novo endereço. Desde setembro, eu tratei de fazer a troca de endereço das correspondências.

Folha – Quando o senhor comprou o apartamento?

EJ – Comprei em 1º de janeiro o apartamento por US$ 600 mil, com tudo declarado e as fontes de renda usadas para pagar (na época, o apartamento naquele local era avaliado em US$ 1 milhão). Repare, nas declarações de bens apresentadas pelo prefeito eleito Cesar Maia, consta que ele comprou um apartamento aqui por US$ 300 mil. Não faz sentido me acusarem de subfaturamento ou de qualquer outra coisa. Eu comprei o apartamento de uma pessoa que adquiriu o imóvel num leilão judicial. O primeiro comprador tinha obtido um empréstimo do Banco do Brasil para comprar o apartamento e não pagou o banco. O Banco do Brasil, então, leiloou o apartamento.

Folha – Por que o senhor demorou tanto a se mudar? EJ – O apartamento precisava de umas reformas. O primeiro dono tinha destruído o apartamento.

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