Organização sindical

Advogado discute a organização sindical brasileira

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2 de dezembro de 2000, 11h18

Arion Sayão Romita esclarece que “os membros do grupo sindicalizável estão unidos por uma rede ou sistema de relações sociais; eles atuam entre si, de acordo com normas ou standarts aceitos pelo grupo.

Essas relações e sua interação se baseiam em uma série de papéis e de status inter-relacionados, que permitem diferenciar seus membros de quem não seja membro do Grupo”.

De maneira precisa Gomes e Gottschalk esclarecem que “os princípios consagrados da liberdade sindical … reservam aos grupos a faculdade de determinar, livremente, o quadro profissional em que possa ter vida eficiente e ativa o sindicato.

José Afonso da Silva entende que o princípio da liberdade sindical implica em reconhecimento de que “o sindicato pode ser constituído livremente, sem autorização, sem formalismo, e adquirir, de plano, personalidade jurídica” ; assim, Wilson de Souza Campos Batalha afirma que “… o sindicato tem liberdade de constituir-se, obedecidas as formalidades legais de aquisição de personalidade jurídica.”

Para Luiz de Pinho Pedreira Silva , o caráter da representação profissional transformou-se de ontológico em voluntarista. Isto significa que o enquadramento sindical atual estaria “marcadamente caracterizado pelo espontaneísmo outorgado à discrição dos atores coletivos”.

Wilson de Souza Campos Batalha diz “que não mais prevalece, em nosso país, o enquadramento sindical como pré-configurado pela CLT, parece claro que a definição da categoria não pode decorrer da lei, mas do próprio estatuto do sindicato, que irá estabelecer os lindes da categoria que será exclusiva na base.”

“Qualquer interferência do legislador, neste campo, viola não só as leis naturais de desenvolvimento do espírito associativista como os princípios consagrados da liberdade sindical…” , em cuja latitude, aliás, circunscreve-se a natureza jurídica privada dos sindicatos.

Em síntese, segundo Alfredo J. Ruprecht, a formação válida da entidade sindical depende, tão-somente, da observância de um duplo aspecto: a) da conjunção das vontades dos que podem criá-lo, os quais, para isso, deverão reunir-se em assembléia”, cuja realização é um “elemento primordial na vida societária” ; b) da inscrição dos atos constitutivos da associação no registro peculiar, de acordo com o que determinam o Código Civil e a Lei de Registros Públicos, começando sua existência jurídica, embora neste momento ainda não exista a figura do sindicato propriamente dito, cujo nascimento somente se dará com a expedição da certidão de registro sindical.

Nada obstante, o Supremo Tribunal Federal, através de seu Ministro Marco Aurélio Farias de Mello afirmou que “O Pleno da Corte já teve a oportunidade de assentar a recepção, pela atual Carta, da índole ordinária em tudo que não contrariem a proibição constitucional alusiva à interferência e à intervenção do Poder Público na organização sindical”.

Em seguida, o STF entendeu plenamente vigentes os artigos 511 e 570, da Consolidação das Leis do Trabalho. Nesta esteira, em se tratando de dispositivos consolidados cujas regras foram recepcionadas pela Constituição Federal de 1988, Arnaldo Sussekind transcreve excerto de decisão do STF e, com base nela, diz estarem em pleno vigor os artigos 511 e 570, da CLT.

Entretanto, para o autor, o artigo 577, da Consolidação das Leis do Trabalho, é incompatível com a C.F. / 1988, tendo em vista que sua “dinâmica era determinada por atos do Ministro do Trabalho, mediante proposta da Comissão de Enquadramento Sindical. O quadro anexo ao artigo 577 serve hoje apenas de modelo. No mesmo sentido, Amauri Mascaro do Nascimento.

O Tribunal Superior do Trabalho, em acórdão cuja relatoria coube ao Ministro Ursulino Santos, decidiu pela ab-rogação do quadro anexo ao artigo 577, da CLT: Ementa: “A questão da impossibilidade de criação de sindicato por não se conter no quadro de atividades e profissões anexo ao artigo 577, da CLT, está esclarecida pelo fato de que o sistema rígido de enquadramento sindical foi abolido pela Constituição Federal de 1988, posto que frontalmente incompatível com o princípio da liberdade sindical agasalhado em seu artigo 8º. Tal princípio acentua a autonomia da vontade associativa dos grupos sociais delineados no artigo511 da CLT, que não pode ter peias no referido quadro, sob pena de se admitir a ingerência estatal para definir as categorias, o que obviamente contraria expressamente o inciso I do artigo 8º da Carta Constitucional”(grifo nosso).

Eduardo Gabriel Saad esclarece que “após a Constituição Federal à 05 de outubro de 1988, a criação (de entidades sindicais) não fica na dependência da existência, ou não, da respectiva categoria no enquadramento de que fala o artigo em epígrafe”.

O quadro a que se refere o artigo 577, da CLT é hoje “tido como norma meramente indicativa ou pauta referencial, em face do disposto no artigo 8, n.I, última parte, da Constituição Federal de 1988” , salienta Paulo Emílio Ribeiro de Vilhena


Considerando o caráter meramente referencial do quadro de atividades a que se refere o artigo 577, o enquadramento sindical hoje resume-se em uma equação cujas variáveis são a solidariedade de interesses econômicos e a realização de atividades idênticas, similares ou conexas, conforme previsto no artigo 511, da CLT.

O artigo 511, da Consolidação das Leis do Trabalho, dispõe que é lícita “a associação para fins de estudo, defesa e coordenação dos seus interesses econômicos ou profissionais de todos os que, como empregadores, empregados, agentes ou trabalhadores autônomos, ou profissionais liberais exerçam, respectivamente, a mesma atividade ou profissão ou atividades ou profissões similares ou conexas.”

Em seu parágrafo primeiro, o artigo determina que “a solidariedade de interesses econômicos dos que empreendem atividade idênticas, similares ou conexas, constitui o vínculo social básico a que se denomina categoria econômica”.

Gomes e Gottschalk esclarecem que nossa lei sindical foi elaborada por um sociólogo e jurista , razão pela qual seu texto incorpora expressões como “vínculo social básico” e “expressão social elementar”.

E continuam os autores afirmando “que pretendeu o sociólogo fornecer ao jurista uma base científica para o chamado enquadramento sindical, em que, ulteriormente, vieram a ser submetidas as profissões, segundo um retalhamento de técnicas de ofício (quadro de atividades e profissões), tal como um freio metido nos impulsos associativos naturais, que por surgirem espontaneamente não poderiam ser cortados por métodos pré-fabricados.

Foi mais uma herança infeliz do corporativismo italiano, que permanece até hoje e entra em conflito com a Constituição Federal de 1988. Em seu parágrafo primeiro, o artigo determina que “a solidariedade de interesses econômicos dos que empreendem atividades idênticas, similares ou conexas, constitui o vínculo social básico a que se denomina categoria econômica”.

Conseqüentemente – diante ab-rogação do quadro anexo ao artigo 577 – a expressão “atividades idênticas” não encontra mais limites senão conceituais, subjetivos ou decorrentes de lei especial. O mesmo se dá com a “solidariedade de interesses econômicos”.

Unidos em sua subjetividade, estes elementos – atividades idênticas e interesses solidários – formam o que chama de “vínculo social básico”, vértice da pirâmide do enquadramento sindical.

Assinala Délio Maranhão que “o legislador pensou que a atividade econômica supusesse, necessariamente, a idéia de lucro. Mas não é assim”. A atividade econômica traduz-se na produção de bens e serviços para satisfazer às necessidades humanas; muito embora as idéias de atividade econômica e lucro venham, normalmente, associadas, não se deve confundi-las. Havendo produção de bens e serviços, combinada com a força de trabalho, haverá atividade econômica”.

Nestes termos, as sociedades cooperativas – todas elas, em quaisquer de suas ramificações – desenvolvem uma atividade econômica, pois, embora não tenham finalidade lucrativa, são prestadoras de serviços para seus associados, consistindo nisto sua atividade fundamental e disto emergindo seu substrato econômico.

O artigo 3º, da Lei 5.764/71, determina que celebram contrato de cooperativa as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum, sem objetivo de lucro, tendo forma e natureza jurídica próprias.

Segundo o regime jurídico destas sociedades – cuja natureza é verdadeiramente “sui generis” – as cooperativas singulares se caracterizam pela prestação direta de serviços aos associados, o que não apenas é a sua atividade principal (quaisquer outras são meramente acessórias) mas também é a própria razão de sua existência.

A Lei 5.764/1971, em seu artigo 7º, é direta e taxativa quando determina que as cooperativas singulares são constituídas exclusivamente para prestação de serviços aos seus associados.

Portanto, a atividade cooperativista (ação cooperativa), independentemente do ramo em que seja desenvolvida, não é manufatureira ou comercial, mas auxiliar e terciária, na modalidade de prestação de serviços, conquanto em alguns casos aparentemente seja multifacetária.

Segundo Paulo Emílio Ribeiro de Vilhena “não se discute que o trabalho prestado através de uma cooperativa ou a ela por seus cooperados seja um trabalho de que participa uma pluralidade de pessoas, que se interligam pela identidade, pela similaridade ou pela conexidade de prestações, através das quais se logra e se alcança um resultado comum no interesse dos sócios componentes.

E este processo de integração – de identidade, de conexidade, de similaridade – transcende os limites das próprias sociedades cooperativas e é representado, cristalinamente, quando elas unem-se em sindicato, como outrora seus associados reuniram-se em cooperativas.


O conjunto das sociedades cooperativas formam entre si uma unidade sociológica natural, caracterizada pelo exercício de atividades idênticas, quais sejam, a prestação de serviços diretas ao cooperado. Há que se salientar, no momento, a diferença de termos de objeto e objetivo das cooperativas, pois o objetivo é justamente a prestação de serviços ao cooperado – atividade idêntica – exercida por todas as pessoas jurídicas revestidas da natureza jurídica de “cooperativa”.

Analisando exatamente a questão da possibilidade de sindicalização das sociedades cooperativas, o próprio Tribunal Superior do Trabalho – processo RODC 464226/1998, cuja decisão teve como relator o Ministro Antônio Fábio Ribeiro – manifestou-se, em abril de 1999, no seguinte sentido:

“Um dos argumentos recursais é o de que o art. 511 consolidado, em seu parágrafo segundo, ao definir o conceito de “categoria profissional”, teria excluído do contexto nacional a possibilidade de serem os trabalhadores em cooperativas reconhecidos como tais.

Ora, conquanto não seja o caso, repita-se, de analisar, no mérito, a questão do enquadramento sindical, à falta de competência para tanto, faço uma outra leitura do mesmo diploma legal.

É fato que o antigo sistema de organização sindical por categorias restou mantido na ordem jurídica atual, como também é verdadeiro que a aferição e correspondência dessas se faz a partir das atividades produtivas desenvolvidas.

Mas igualmente não se pode negar que aquele genérico conceito de ‘categoria econômica’ desconsidera por completo a realidade inegável de que, modernamente, o exercício das mesmas atividades produtivas já não determina que todos os empresários nelas envolvidos tenham, necessariamente, idênticos interesses e aspirações.

Conforme venho ressaltando em diversas ocasiões, o panorama sócio-econômico alterou-se de tal forma, e a diversidade empresarial é tamanha (no que tange a dimensões, montante de capital investido e quantidade de empregados), que muitas vezes interesses e prioridades não apenas variam como entram em conflito, no seio de um mesmo e único setor produtivo.

Considerem-se, nesse sentido, as empresas multinacionais, em contraste com as micro e pequenas empresas”(grifo nosso). Segundo Walmor Franke, “a palavra ‘cooperativismo’ pode ser tomada em duas acepções.

Por um lado designa o sistema de organização econômica que visa a eliminar os desajustamentos sociais oriundos dos excessos da intermediação capitalista; por outro, significa a doutrina corporificada no conjunto de princípios que devem reger o comportamento do homem integrado naquele sistema” ; disto depreende-se que o cooperativismo está muito além da idéia inicial de simples “tipo societário”, mas caracteriza-se por ser um sistema organizacional – e, logo, com interesses solidários entre aqueles que o compõem – cuja inteligência possui princípios próprios que lhe asseguram inclusive autonomia científica.

O Professor Hanz-Jurgen Seraphim ensina que “o mais alto princípio a que se subordina, inalteravelmente, a ação cooperativa é o do que ela não existe para explorar serviços no seu próprio interesse, mas para prestá-los, desinteressadamente, aos seus membros, os cooperados”.

Prossegue Walmor Franke esclarecendo que “o contato que o sujeito econômico cooperativado estabelece com o mercado mediante a organização empresarial cooperativa dá lugar, por isso mesmo, ao afastamento de um “tertius”, que será, conforme o caso, o comerciante atacadista ou varejista, o industrial, adquirente da matéria prima, o banqueiro, prestador de crédito, o patrão, empregador da mão-de-obra, com os quais o cooperado necessariamente entraria em relação jurídica negocial se não existisse a sociedade cooperativa”.

A sociedade cooperativa é a forma associativa por cujo intermédio uma coletividade promove o incremento de suas economias individuais. A razão que conduz o associado a participar da cooperativa não é a obtenção de dividentos de capital, mas a possibilidade de utilizar-se dos serviços da sociedade.

A relação do cooperado com a sua cooperativa – ou mesmo das cooperativas singulares com suas federações ou confederações – constitui um vínculo social básico, nascido da identidade do grupo que associou-se e em dado momento delimitou as regras da sociedade, com base na identidade destes indivíduos; assim, a continuidade do grupo encontra sustentáculo na semelhança ou conexidade das atividades desenvolvidas de forma idêntica pelas sociedades cooperativas.

O vínculo que se forma entre os cooperados, na cooperativa singular, traslada-se, em bloco, para as organizações de 2º ou 3º graus – federações ou confederações.

Desta forma, mesmo na união de doze cooperativas – conforme previsto na Lei 5.764/71 – sob a denominação de confederação, idênticas são as atividades em relação ao cooperado, razão de toda a estrutura, pois parte-se do indivíduo – ou grupo de indivíduos – para verticalizar-se a estrutura, sendo impossível que a entidade maior não desempenhe a mesma atividade da entidade singular, qual seja, a direta prestação de serviços ao indivíduo ou ao grupo.

A afinidade de interesses se constitui no liame das diversas cooperativas em torno de uma estrutura congregadora e caracteriza-se plenamente no desenvolvimento dos interesses dos indivíduos que dela fazem parte, mesmo pela responsabilidade recíproca destes.

Tal liame é a razão de existência do ente maior que viabilizará, em escala, a vontade e benefício de cada um dos indivíduos, porque são idênticos, fator primordial que os diferencia de outros indivíduos que não são cooperados.

Desta forma, os cooperados estão ligados por um sistema de relações sociais, criados e compactuados pelo grupo na interação capaz de fazer da cooperativa um ente que lhes preste serviços – razão de sua existência e perpetuação.

Assim, as sociedades cooperativas formam entre si – quando reunidas – um grupo natural e homogêneo, em cujo meio são solidários os interesses econômicos e idênticas as atividades empreendidas, perfazendo integralmente os elementos do vínculo social básico a que se denomina categoria econômica.

Pela oportunidade do momento, é finalmente útil lembrar a sempre lúcida mensagem de Arião Sayão Romita, em cuja opinião “a Constituição Federal de 1988 declara que o Brasil se constitui em estado democrático de Direito (artigo 1º). Não bastam, porém, as boas intenções, as quais – como se sabe – calçam o caminho para o Inferno.

A mentalidade retrógrada, autoritária e corporativista, tão bem expressa pela legislação sindical, imposta pela ditadura Getúlio Vargas nas décadas de 30 e 40, continua mais viva do que nunca entre nós.”

Esta é a colcha de retalhos em que se transformou a organização sindical brasileira; harmonizá-la, porém, está plenamente ao alcance do Poder Judiciário, em cujas mãos a ciência do direito deposita sua maior preciosidade: a interpretação.

RevistaConsultor Jurídico, 2 de dezembro de 2000.

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