Juíza acolhe denúncia

Gravação da Globo pode ser usada em favor de Pimenta Neves

Autor

29 de agosto de 2000, 0h00

Na tarde do dia 20 de agosto, Antônio Pimenta Neves, de 63 anos, aproximou-se de Sandra Gomide, 32, e disse que queria conversar com ela. Forçou-a a entrar em seu carro e, encontrando resistência, enquanto ela se afastava, Pimenta atirou em suas costas e, com ela caída, deu um novo tiro em sua cabeça.

Configurou-se a motivação torpe e homicídio à traição – uma vez que Pimenta dissimulou sua verdadeira intenção, sem dar chance de defesa à vítima. Pelo que vinha declarando e pelo cerco preparado, nos dias anteriores, o crime foi premeditado.

Caracterizado o homicídio qualificado, portanto, crime hediondo, o réu não tem direito de esperar o julgamento em liberdade.

Com essa fundamentação, apresentada pela promotora Lúcia Nunes Bromerchenkel, a juíza da 1ª Vara Criminal de Ibiúna, Eduarda Maria Romeiro Corrêa, aceitou a denúncia de homicídio duplamente qualificado e, a pedido do delegado Marcelo Damas, responsável pelo inquérito, decretou a prisão preventiva de Pimenta Neves.

A defesa, contudo, vai recorrer. O processo deve ser longo e tumultuado. Não se espera um desfecho em menos de dois anos. Antônio Cláudio Mariz de Oliveira tem uma série de trunfos para atenuar a pena de seu cliente. A rapidez da primeira etapa do processo, contudo, favoreceu a acusação.

Um dos artifícios que ainda pode ser invocado por Mariz de Oliveira é a divulgação do depoimento de Pimenta Neves pela televisão. A tese do crime passional, do ciúme e da forte emoção são outras armas da defesa.

A promotora recebeu o inquérito policial do DHPP (Departamento de Homicídio e Proteção à Pessoa) por volta das 15h desta segunda-feira (28/8) e denunciou o jornalista quatro horas depois. O documento tem 138 páginas.

A juíza Eduarda Maria respeitou a liminar do Tribunal de Justiça que, baseado em indicação do médico particular, autorizou o jornalista a ficar em uma clínica. Mas determinou novo exame “por órgão técnico isento e de confiança do Juízo”.

Segundo o delegado Nathan Rosemblatt, responsável pela divisão de homicídios do DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa), o depoimento de João Quinto de Souza, caseiro do haras Setti, onde Sandra foi morta, foi determinante para a polícia classificar o crime como homicídio doloso (quando há intenção de matar) e qualificado. João de Souza, que só surgiu em cena na sexta-feira passada, assistiu ao assassinato a poucos metros de distância.

Nesse caso, Antônio Pimenta Neves, ex-namorado da vítima que confessou o crime, fica sujeito a uma pena que varia de 12 a 30 anos de prisão caso seja condenado. Se o crime fosse considerado homicídio doloso simples, a pena variaria de 6 a 12 anos.

Leia os principais trechos da decisão judicial

1. Recebo a denúncia, dando o réu como incurso nos artigos nela mencionados.

2. Designo interrogatório para o dia 05 de setembro de 2000, às 9h30. Providencie-se a citação e requisição do acusado.

3. Defiro o requerido pela Dra. Promotora de Justiça. Providencie a Serventia.

4. Representou a autoridade policial a prisão preventiva de ANTÔNIO MARCOS PIMENTA NEVES, sob o fundamento de conveniência da instrução criminal.

A Promotora de Justiça manifestou-se pelo acolhimento da representação.

Esta representação é analisada conjuntamente com o pedido de revogação da prisão temporária, ante a existência de relação de prejudicialidade lógica entre eles.

Inicialmente, torna-se necessário tecer certas considerações.

A prisão preventiva é medida de extrema excepcionalidade, sendo cabível em situações previstas no artigo 312, do Código de Processo Civil, o que se verifica.

Há prova da existência do crime (exame necroscópico). Ademais, existem indícios de autoria conduzindo ao acusado, notadamente a confissão prestada na fase policial, corroborada pelas testemunhas ouvidas.

Quanto à presença dos requisitos da garantia da ordem pública, conveniência da instrução criminal ou assegurar a aplicação da lei penal, seria redundante repetir a judiciosa manifestação do Ministério Público, que acolho como razão de decidir.

Neste sentido cito: “Não há texto legal que vede ao magistrado a prática corrente de adotar como fundamentação do despacho que decreta a prisão preventiva os motivos expostos no parecer do Ministério Público que a requereu e os consignados na representação da autoridade policial, acrescentando que o faz para a garantia da ordem pública e da aplicação da lei penal, ante a gravidade dos fatos atribuídos aos denunciados” (TJSP – HC 30.222-3 – Rel. Prestes Barra – RT 603/337).

Do crime decorreu grave perturbação da ordem pública. Outrora tranqüila cidade de Ibiúna vem sendo assolada, recentemente, por crimes gravíssimos como o presente.

Também não se pode olvidar todo o clamor público que este gerou, atingindo âmbito nacional.

A garantia da ordem pública aqui encontra consubstanciada não na possibilidade que o acusado volte a delinqüir. Ela se confunde, de certa forma, com a aplicação de lei penal.

O acusado não tem domicílio no distrito da culpa. Após o crime evadiu-se, tumultuando as investigações policiais.

Não se pode conferir espontaneidade à sua apresentação.

Permaneceu oculto por quase três dias. Só depois é que deu entrada ao Hospital Albert Einstein levado por pessoa não identificada. O próprio acusado, em seu interrogatório, declarou que não sabe informar a pessoa que o socorreu.

Em sendo assim, deu mostras de sua intenção de subtrair-se da aplicação da lei penal, o que é plenamente possível considerando seu poder aquisitivo e as facilidades de quem já morou no exterior.

Esses fatos justificam a garantia da ordem pública na medida que afetam a credibilidade do Judiciário, recentemente abalada por casos de foragidos da Justiça.

Nem se argumente que o acusado é primário e possui bons antecedentes posto que isso não o torna imune à prisão provisória, comprovada como restou a necessidade desta.

A jurisprudência do STJ é neste sentido: “Prisão Preventiva – Clamor Público – Pacífico e o entendimento no STJ de que nem sempre as circunstâncias da primariedade, bons antecedentes e residência fixa são motivos a obstar a decretação da excepcional medida, se presentes os pressupostos para tanto. O clamor público, no caso, comprova-se pela repulsa profunda gerada no meio social” (STJ – HC 2.660-8 – Rel. Anselmo Santiago – DJU 06.03.95, P. 4.386).

Ante o exposto, acolho a representação formulada pelo Dr. Delegado de Polícia, decretando a prisão preventiva do denunciado.

Expeçam-se mandados de citação e prisão, sendo que este deverá ser cumprido de imediato respeitando os limites da liminar concedida em Habeas Corpus.

Pelo quanto decidido, prejudicado o pedido de revogação da prisão temporária. Traslade este para aqueles autos.

5. O acusado encontra-se no gozo de liminar que lhe concedeu permanência em clínica psiquiátrica pelo prazo de dez dias.

Entretando, mister se faz uma melhor análise de sua atual condição de saúde, a ser realizada por órgão técnico isento e de confiança do Juízo.

Esclarece não se tratar de incidente de insanidade mental, razão pela qual não cabe indicação de assistente técnico ou formulação de quesitos, o que terá seu momento oportuno, caso necessário.

Oficie-se com urgência, considerando o prazo concedido pela liminar do Habeas Corpus, ao órgão competente, a fim de que designe local, dia e horário para que o acusado seja submetido a avaliação psiquiátrica, a qual deverá informar a este Juízo, através de relatório detalhado, sobre exigência de manutenção de sua internação ou eventual suficiência de acompanhamento ambulatorial, mesmo por médico particular, nas dependências do DHPP.

Int. Ibiúna, 28 de agosto de 2000, às 19h50min.

Eduarda Maria Romeiro Corrêa

Juíza de Direito

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!