Responsabilidade civil

Aumentam as ações de responsabilidade civil contra advogados

Autor

  • Ernesto Lippmann

    é advogado em São Paulo pós-graduado pela Universidade de São Paulo e especializado em Direto médico e responsabilidade civil. Além disso é membro da comissão de bioética da OAB-SP foi assessor jurídico do CREMESP e autor do livro “Testamento vital o direito à dignidade”.

23 de agosto de 2000, 0h00

Não resta dúvida de que um pequeno deslize do advogado pode resultar em grande prejuízo para o cliente… Em que casos pode o advogado ser responsabilizado pela perda da causa, e pagar ao cliente por este erro? O Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei 8.906/94) estabelece em seu artigo 32 que: “O advogado é responsável pelos atos que no exercício profissional, praticar com dolo ou culpa.”. Neste pequeno estudo, vamos mostrar os principais casos em que houve condenação de advogados pela Justiça, e alguns conselhos simples que podem evitar grandes dores de cabeça.

A mistura da proliferação de novas Faculdades, com a conscientização dos clientes vem gerando inúmeros processos contra advogados, que curiosamente não foram divulgadas pelos repertórios de Jurisprudência. Note-se que não é qualquer erro que faz com que o advogado tenha que indenizar o cliente. Em regra a prestação de serviços de advogado é considerada como obrigação de meio, e não de resultado, ou de fim. Portanto considera-se que serviço foi satisfatoriamente cumprido independentemente do resultado alcançado, desde que o profissional tenha sido diligente.

Há que ser ressalvado, portanto o erro grosseiro, fruto da ignorância do advogado Considera-se como tal aquele patente, que revela uma atuação displicente, imperita. Neste ponto a responsabilidade civil do advogado é semelhante a do médico. Este não assume o compromisso de ganhar a causa, aquele não tem o dever de curar. Mas, se o médico for tão imprudente, ou imperito que ao invés de curar, acabe por agravar o estado do seu paciente, responde por imperícia profissional. O mesmo ocorre com o advogado, portanto, a simples perda da causa por si, em regra, jamais induz a responsabilidade civil do advogado, que fica reservada para os casos de erros graves.

A responsabilidade civil do advogado, significa que este deverá, se considerado culpado, arcar com aquilo que seria razoavelmente ganho na demanda, ou ainda, pelos prejuízos que, comprovadamente a parte perdedora sofrer em função da má atuação do profissional. E, sem dúvida há outros danos, pois ser considerado perdedor de uma demanda, sem dúvida se traduz naquele estado depressivo, que se traduz num direito à uma compensação em dinheiro pelo chamado “dano moral”.

Fernando Antônio de Vasconcelos aponta que “é fácil elencar uma série de casos nos quais o profissional pode revelar incompetência, despreparo para a função e ocasionar danos à seus clientes: perda de prazo, parecer alheio à doutrina e a jurisprudência [propondo ações erradas, ou que sejam contrárias ao entendimento que os Tribunais fazem das leis, não utilização das medidas cautelares (procedimentos de caráter emergencial) quando essenciais para a garantia e preservação de seus direitos; recusa de acordo; quando a causa apresenta-se de difícil solução; ausência de recurso, quando há probabilidade de reforma da sentença.”

Outro conceito que também pode ser utilizado para aferir a culpa de um advogado é colocado por Sérgio Novais Dias, que coloca um conceito novo, e aplicável apenas à advogados, ou seja a questão da “perda da chance”, que “não ocorre somente nas hipóteses de perda de prazo para interposição de recurso, mas, como veremos adiante, sucede, por exemplo, no esquecimento de propor uma ação antes do prazo decadencial ou prescricional, perdendo, então, o cliente a chance de ver a pretensão da ação examinada pelo Poder Judiciário. Verifica-se, ainda, quando o advogado deixa de formular pedido essencial para o alcance da pretensão de seu cliente, ou de promover prova indispensável para o acolhimento de determinado pedido, ou ainda quando não promove a restauração dos autos, ou quando não apresenta as contra-razões de recurso, ou não comparece à sessão de julgamento no Tribunal para sustentação oral, ou, em determinadas circunstâncias, não propõe ação rescisória. Cada uma dessas situações têm características específicas, que faremos após o estudo geral do tema.

Chance é a palavra de origem francesa que significa entre nós “ocasião favorável, oportunidade (cf. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa). Embora raras as manifestações doutrinária e jurisprudencial em derredor desse tema, quando dele se ocupam, utilizam a expressão perda de uma chance para referir-se, no tocante à atividade de advogado, à perda de uma oportunidade que o cliente sofre, causada por falha daquele profissional, de ver examinada em Juízo uma pretensão ou de ver reformada em seu favor uma decisão judicial que lhe foi desfavorável e contra a qual cabia recurso”.

Até mesmo antes de iniciado o processo, exige-se do advogado o respeito ao dever de prudência e de aconselhamento, pois “com efeito há no exercício da advocacia um dever profissional de aconselhar o seu cliente, que se consubstancia em inúmeras ocasiões. Estas tanto podem surgir numa fase pré-processual como no decorrer do litígio. O importante é que o advogado esclareça ao cliente de forma mais clara e precisa os aspectos pertinentes de seu problema, evitando empregar termos excessivamente técnicos (…) Um exemplo muito freqüente desse dever encontra-se no parecer. No Direito brasileiro não se conhece jurisprudência à este respeito, mas o Direto alemão já decidiu que o advogado que mediante remuneração dá um parecer a quem o consulta responde pela inexatidão dos prejuízos a este causado pela inexatidão dos conselhos.”

O segundo dever do advogado, é o de diligência, ou seja o de cuidar com capricho e dedicação do seu processo. Sem dúvida, o exemplo maior seria a perda de um prazo importante no processo, como por exemplo o da contestação, que como já vimos, se não for apresentada no prazo máximo previsto em Lei, faz com que o cliente perca a ação. Neste caso, tem-se decidido que se contratado, o advogado que não apresente seu trabalho é responsável pelo prejuízo causado ao cliente.

Outro exemplo de negligência grave no exercício da profissão seria o decorrente do advogado não ter proposto a ação dentro do prazo máximo previsto em lei, fazendo com que os direitos do cliente não possam ser reconhecidos pela Justiça. Assim, uma ação trabalhista, deve ser proposta no prazo máximo de 2 anos, contados à partir da despedida do empregado. Se, não for proposta neste prazo, o cliente deixa de ter qualquer direito em relação à seu ex-patrão. Assim, se o cliente envia a documentação para o advogado, e este ultrapassa o prazo legal, fazendo dos direitos do seu cliente letra morta, responde pelos prejuízos causados. A mesma situação ocorre se o advogado da parte que está sendo processada deixa de arguir a perda do prazo legal, também chamada de prescrição.

A falta de atenção ao deixar de juntar documentos indispensáveis ao ajuizamento da ação, fazendo com que a ação seja julgada improcedente também responde pelos valores que seriam esperados no fim da demanda, ou ainda a condução desleixada do processo, no qual o advogado deixa de proceder a restauração de autos extraviados também foram considerados como graves o suficientes para que o cliente seja indenizado pelo advogado.

A apelação redigida de forma grosseiramente errada, dando mostras que o advogado sequer leu a sentença, também é considerada como culpa grave no exercício da profissão

Outra possibilidade, é a perda de um prazo importante, como, por exemplo, o da apelação, (e, recomenda-se ao advogado, que sempre que deixe de apelar de uma sentença desfavorável, peçam do cliente, um de acordo, por escrito, ainda que enviado por Email, ou por fax), ou ainda o fato de não ter depositado o dinheiro recebido do cliente para o pagamento da perícia também foi considerada como caracterizadora da responsabilidade civil do advogado, ou por não ter depositado as custas no prazo fixado pelo juiz, levando a com que o processo fosse julgado extinto.

Por último, também foi considerada abusiva, a atuação do advogado que propõe ação desnecessária contra o INSS, em assuntos que poderiam ser resolvidos administrativamente, sendo o contrato considerado nulo, visto que mesmo sem ação judicial, os problemas dos clientes poderiam ter sido solucionados.

A assinatura de acordos que sejam lesivos aos clientes, se feita pelo advogado sem autorização do cliente também leva a que o advogado seja responsabilizado pelas perdas sofridas pelo cliente. O advogado é apenas procurador do cliente, e não pode transacionar livremente os direitos que pretendem ao cliente, que é sempre o maior interessado. Acordos são comuns em qualquer fase do processo, e o montante transacionado depende sempre de fatores como a fase do processo (ou seja se há algum recurso possível, e quanto tempo ele demorará para ser julgado), e do estado econômico do devedor (sempre é melhor receber um pouco hoje do que ter um grande crédito numa massa falida que não tem bens), fatores estes que devem ser explicados pelo advogado ao cliente antes que seja assinado qualquer acordo (e se houver algum advogado lendo esta obra, eu recomendaria que utilizassem o sistema do escritório, onde sempre pedimos autorização prévia e por escrito, do cliente, com menção expressa do valor do acordo, ou em caso de negociação, do valor mínimo a ser aceito. A cautela do advogado deve ser redobrada nos acordos ruins que os clientes insistem que o advogado faça, porque ele, cliente, está numa situação péssima e precisa de dinheiro. Neste e caso é recomendável que o advogado peça que o cliente escreva: “Eu, autorizo, meu advogado a fazer acordo na ação que movo contra fulano, pelo valor de R$ (por extenso) à despeito de ter sido desaconselhado para tanto pelo meu advogado”.

O patrocínio infiel, ou seja representar duas partes, ou estar advogando, porém com a inscrição suspensa pela OAB, e disto resultando a anulação do processo com prejuízos ao cliente, me parece outro caso que poderia fazer com que o advogado respondesse pessoalmente pelo insucesso da causa.

E, como se mede o prejuízo causado pelo advogado? a resposta deve ser analisada caso à caso, e a resposta é aquilo que razoavelmente se ganharia na demanda, ou caso tenha havido condenação, deve-se distinguir aquilo que seria uma condenação razoável, em face dos fatos apresentados no processo, do “plus” pago pela falta de uma defesa adequada. Note-se que em primeiro lugar deve ser declarada a culpa, do advogado, para só depois numa segunda etapa do processo denominada liquidação de sentença, é que se apuarão o valor destes prejuízos.

A última e mais grave possibilidade de responsabilização do advogado seria o da privação da liberdade no processo penal, por falhas na defesa do processo. Se um processo pode ser anulado por falta ao respeito da garantia constitucional da ampla defesa, esta depende sobretudo do desempenho do defensor, que deve oferecer a mais ampla defesa possível, apreciando todos os pontos que possam comprovar a inocência do acusado; isso freqüentemente não acontece quando o defensor é dativo e nomeado de última hora, que acaba praticando atitudes incompatíveis com a ampla defesa, como a falta de defesa, que se constitui em nulidade absoluta, ou o silêncio do advogado na audiência ou o oferecimento de defesa meramente formal, entendendo-se como tal aquela notoriamente mal elaborada, pois conforme já decidiu o STF ao tratar da importância do bom advogado para comprovar a inocência dos acusados “longe fica de revelar o exercício do direito de defesa, alegações finais, que pela sua generalidade, prestam-se, sob o ângulo estritamente formal a todo e qualquer processo. Nas alegações finais, indispensável é que o debate das provas coligadas, emitindo a defesa juízo sobre o conjunto dos elementos probatórios”

Curiosamente não vi qualquer caso envolvendo um pedido de indenização por parte de um cliente. É possível que isto ocorra porque a grande parte dos erros judiciais ocorre com pessoas pobres, e menos conscientes de seus direitos.

Mas, e se isto ocorresse? Neste caso, o advogado deve ser responsabilizado pela negligência no seu dever de defesa. São evidentes os prejuízos sofridos pela condenação criminal: perda do emprego, desconfiança dos amigos, ofensas à família, enfim, toda a repulsa da comunidade recai sobre o apenado. E, a prisão não é um lugar pensado para causar sensações agradáveis a quem quer que seja. Assim, clara a necessidade de se reparar o sofrimento daquele que lá foi hospedado de maneira injusta, e em decorrência da má atuação do advogado.

Acredito que o primeiro parâmetro para a fixação da indenização é aquele que utilizado pelo Estado para reparar o erro decorrente da condenação criminal injusta, que é aquela que ocorre por erro do Juízo, independentemente da boa, ou da má atuação do advogado. Nestes casos costuma-se utilizar o art. 1.150 do Código Civil, e ao que a vítima deixou de auferir em sua profissão no tempo em que esteve recolhida indevidamente, sendo que em regra indenização é baixa, correspondendo à um ou dois salário mínimo por mês de prisão, ou no máximo a 1 piso salarial da categoria profissional do condenado, por mês. Estes valores, poderão sofrer um substancial acréscimo em face do dano moral devido.

Acredito que este curto estudo tenha sido de utilidade para os colegas, e estou aberto ao debate e as sugestões.

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