Às margens do Rio Ipiranga

Artigo: desembargador critica ataques ao ministro Marco Aurélio

Autor

  • Luiz Fux

    é desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e professor de Direito Processual da UERJ

9 de agosto de 2000, 0h00

Na formação da criança brasileira nenhum fato histórico revela-se mais marcante e perene na sua mente do que o Grito do Ipiranga: “Independência ou morte!”.

O episódio e tanto mais significativo na medida em que transpõe a simples informação histórica para revelar-se em notável lição do que é ter dignidade de viver e de morrer, “Independência ou morte” quer significar que, à míngua da independência como autodeterminação na construção do bem, melhor é a morte, porquanto não se justifica uma existência marcada pela ausência de firmeza e retidão de propósitos.

Transpassados esses conceitos para o campo da atividade judiciária, sobressai como o mais expressivo cânone a independência da magistratura, consubstanciada na postura altiva do magistrado que decide sem receios de desagradar ou de cair em impopularidade.

Acima das garantias da inamovibilidade, vitaliciedade e irredutibilidade, dos vencimentos está a proteção pétrea da independência jurisdicional.

Num país onde os juízes não a detém, as decisões valem tanto quanto a pusilanimidade de seus prolatores. Os juízes são sujeitos apenas à justiça legal, interpretando-a e aplicando-a no afã de satisfazer os fins sociais para os quais ela se destina e às exigências do bem comum.

Esse rememorar de princípios comezinhos que integram a mais elementar cultura dos homens impõe-se, presentemente, posto assistir-se a uma injusta investida contra magistrados que, usufruindo dessa garantia pro populo, são atacados pela isenção e eqüidistância de suas decisões.

Num sistema democrático e de harmonia entre os poderes não se pode esperar outra coisa senão uma magistratura servil ao povo em cujo nome exerce parcela do seu poder: “Todo o poder emana do povo e em seu nome será exercido”.

Consectário natural dessas prerrogativas consiste na concessão de liminares urgente e eventualmente a possibilidade de revogação das mesmas. A retratação judicial, muito antes de revelar ausência de propósitos, timbra a humanidade dos juizes que, nos casos legais, podem voltar atrás em suas decisões.

Mas se por um lado essas decisões imediatas suscitam prestação rápida de justiça, por outro desafiam os juízes a fazerem “bem e depressa”, o que arrasta a necessária independência e coragem em decidir. Num país onde os juízes temem, as decisões valem muito pouco mais do que “nada”.

Coragem, independência, probidade e retidão são atributos presentes e evidentes nos componentes da nossa mais Alta Corte do país, por isso legítima é a decisão urgente, imparcial e independente, como também o é a retratação que marca a aspiração de justiça máxima, ainda e sempre o mais formoso sonho da humanidade, na sensível percepção do jusfilósofo Hans Kelsen.

Inadmissível seria contemplar uma magistratura acuada, sem poderes e em responsabilidade social, porque se assim o fosse, dessa decantada democracia não restariam sequer destroços.

Estarrece a todos quantos idolatramos a liberdade, assistir, às margens do Ipiranga, a uma vã tentativa de depreciar a figura de um alto magistrado do porte do ministro Marco Aurélio Mello, vice-presidente do Supremo Tribunal Federal, a quem não faltam os mais singulares e desejáveis atributos que deve ostentar o homem destinado a saciar os que, bem-aventurados pela sagrada escritura, têm sede e fome de justiça.

Rui advertia que de tanto ver triunfar injustiças, os valores poderiam alterar-se de forma que o crime passaria a ser própria inocência. Parafraseando-o, de tanto ver triunfar essas injustiças contra a instituição da Justiça dos homens de bem, aproxima-se uma reprise do momento histórico que serviu de inspiração ao preâmbulo destas digressões, porquanto, para a Justiça e seus julgadores, assim como para a pátria, não há alternativa: Independência ou morte!

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