Banespa

Leia os argumentos que bloquearam a venda do Banespa

Autor

7 de agosto de 2000, 0h00

Para manter suspenso o leilão de privatização do Banespa, o advogado João Roberto Egydio Piza Fontes, representando o Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região, apresentou memorial ao Supremo Tribunal Federal, cujos principais trechos se seguem:

“…Ao contrário do que pareceu ao Procurador Geral da República, a liminar que se objetiva suspender reconheceu, fundamentadamente, cada uma das violações constitucionais apontadas e existentes no edital de pré-qualificação, redigido e publicado, data vênia, sem que houvesse a necessária observância aos princípios da legalidade, da igualdade, publicidade, transparência, objetividade e da soberania nacional; tal e como consta da r. decisão concessiva da liminar devidamente acostada aos autos do presente pedido. Portanto, olvidou-se o Ilustre Representante do Parquet da República de examinar, data vênia, cada uma das violações aos princípios constitucionais mencionados, negando vigência à Constituição Federal, o que de per si é, no mínimo, constrangedor.

Além disso, o parecer não enfrentou a questão da apontada e reconhecida desvinculação da Administração Pública ao próprio edital de pré-qualificação, quando, deliberadamente, alterou os prazos existentes para cada etapa da licitação, ora ampliando-os ora reduzindo-os, infringindo nitidamente o princípio da legalidade, da transparência e da objetividade.

Quanto à sua opinião em relação à alegada lesão grave à economia pública, o parecer ministerial é imprestável, na medida em que, não fez qualquer referência às críticas à Nota Técnica do BC, feitas por renomados economistas e apresentada pelo Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos Bancários quando do oferecimento de sua manifestação. Ora Exa., tal procedimento está a caracterizar ou a parcialidade do I. Procurador Geral da República a favor dos requerentes da medida, ou evidente afronta ao princípio da igualdade, do contraditório, da ampla defesa, razão pela qual não poderá o parecer, também quanto a este aspecto, servir para fundamentar a aludida existência de lesão grave à economia pública, uma vez que, repita-se, seu posicionamento é unilateral, silente em relação à prova produzida por uma das partes, o que por si só compromete, para se dizer o mínimo, a validade da fundamentação adotada”.

A respeito da inconstitucionalidade do artigo 1º da Medida Provisória 1.984/19, que alterou o parágrafo 4º da Lei 8.437/92, o sindicato apontou o seguinte:

“… coincidentemente, após a concessão de duas liminares que suspendiam o prosseguimento do processo de privatização, notadamente aos 04.04.2000, nesta mesma data a Medida Provisória 1984 teve a sua 17ª reedição, na qual restou acrescentada a possibilidade de ser interposto agravo regimental contra as decisões emanadas pelos Presidentes dos Tribunais locais que denegam o pedido de suspensão – o que antes não era previsto pelo ordenamento jurídico – como também restou autorizado pela Medida Provisória que o Presidente do Tribunal estenda os efeitos da suspensão a todas as demais liminares subsequentes, ainda que concedidas em ações diversas, pretéritas ou futuras. Além disso, possibilitou-se a repetição do pedido ao Presidente do Tribunal ao qual couber o respectivo recurso especial ou extraordinário, na hipótese do pedido de suspensão ser denegado pela Presidência do Tribunal local.

… diante de expressivas derrotas, ao invés do manejo dos recursos previstos na Constituição Federal, Código de Processo Civil e no Regimento Interno das Cortes Superiores, optou o ente público pelo “caminho suave”, porém inconstitucional e arbitrário, da reedição de Medida Provisória, sem que ao menos estivessem preenchidos os requisitos necessários para tanto, quais sejam da relevância e urgência. Assim, o Poder Executivo reeditou aos 29 de Junho de 2000, – Portanto, após a massacrante derrota no Órgão Especial do TRF- 3ª. Região – a Medida Provisória nº 1.984/19, para fazer constar no § 4º do art., 4º da Lei 8.437/92, a possibilidade de ser interposto novo pedido de suspensão ao Presidente do Tribunal competente para conhecer de eventual recurso especial ou extraordinário.

Todavia, é certo que muito antes da reedição da Medida Provisória, a União Federal e o Banco Central interpuseram o pedido de suspensão em tela, o qual, diante da ordem jurídica processual vigente à época, não teria quaisquer possibilidades de ser conhecido e muito menos provido, tendo-se em vista que o parágrafo quarto do art. 4º da Lei 8.437/92, alterado pela Medida Provisória 1984-17 (18), somente autorizava a interposição de novo pedido de suspensão ao Presidente desta E. Corte, se e somente se, o Presidente do E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região tivesse denegado o primeiro pedido de suspensão interposto; o que definitivamente, não ocorreu no caso dos autos.


… nítido portanto, o CARÁTER CASUÍSTICO DA MEDIDA PROVISÓRIA 1984, NOTADAMENTE EM RELAÇÃO À ALTERAÇÃO DO PARÁGRAFO 4º DO ART. 4º DA LEI 8.437/92; o que também corrobora a sua inconstitucionalidade.

… no caso em tela, evidentemente, a Medida Provisória nº 1984/19 veicula matéria processual que é da competência legiferante da União (art. 22, I da CF) e que portanto, só poderia ser disposta ou disciplinada privativamente pelo Congresso Nacional que, por sua vez, não pode delegá-la à legiferância presidencial, sob pena de violar-se o princípio pétreo da separação dos Poderes da União, insculpido no art. 2º e 60, § 4º, III da Constituição Federal.

… não só pelo fato do Poder Executivo ter ultrapassado os limites a ele impostos no art. 62 da Constituição Federal, quando da edição da indigitada Medida Provisória é que a mesma é inconstitucional, mas também e principalmente porque, ao violar o princípio da isonomia, afronta também o direito ao devido processo legal, ao contraditório e a ampla defesa, como passaremos a demonstrar.

No que se refere ao mérito da questão, o advogado do Sindicato dos bancários apontou, dentre outros, os seguintes argumentos:

“… para se manejar o pedido de suspensão devem estar presentes, obrigatoriamente neste caso, dois pressupostos: a) lesão à ordem jurídica, pela ausência da oitiva prévia do ente público; b) lesão à economia pública.

Com relação ao primeiro item, este E. Tribunal, quando do julgamento da ADIN 975-3/DF, declarou inconstitucional tal exigência”. Essa decisão fundamentou-se nos seguintes argumentos:

“Constitucional. Medidas cautelares e Liminares. Suspensão. Medida Provisória nº 375, de 23.11.93.

I- Suspensão dos efeitos da eficácia da Medida Provisória nº 375, de 23.11.93, que, a pretexto de regular a concessão de medidas cautelares inominadas (CPC, art. 798) e de liminares em mandado de segurança (Lei 1.533/51, art. 7º, II) e em ações civis públicas (Lei 7.347/85, art. 12), acaba por vedar a concessão de tais medidas, além de obstruir o serviço da Justiça, criando obstáculos à obtenção da prestação jurisdicional e atentando contra a separação dos poderes, porque sujeita o Judiciário ao Poder Executivo”.

No que tange ao segundo argumento, o sindicato apontou que “… cumpre salientar que o que se discute não é a decisão de privatizar em si, já que esta se constitui decisão política afeta ao Poder Executivo. O que se questiona, se discute e se leva a apreciação do Poder Árbitro é o procedimento adotado pela Administração Pública, o qual no caso em tela, não se encontra em conformidade com os princípios constitucionais insculpidos no caput do art. 37 da Constituição Federal, com a Lei Geral de Licitações, com o Decreto 2.594 de 15 de Maio de 1998 que regulamentou a Lei 9.491/97, com o terceiro termo aditivo ao contrato de venda e compra firmado entre a União e o Estado de São Paulo e sequer com o próprio edital de pré-qualificação que instalou a abertura da licitação em que ocorrerá a venda do controle acionário do Banco do Estado de São Paulo.

… segundo se depreende do conteúdo das liminares, vislumbrou-se violações aos princípios constitucionais da legalidade, igualdade, publicidade, transparência, objetividade, do devido processo legal; aos art. 21 § 4º, 27 à 31; 40; 114 § 2º; da Lei de Licitações; art. 28 do Decreto nº 2.594/98.

… não há que se falar em lesão à ordem jurídica na modalidade administrativa se é a própria Administração pública quem lesa à ordem jurídica propriamente dita, culminando ao ponto de até mesmo desobedecer as ordens judiciais que lhe são impostas, desrespeitando a Constituição Federal e a Lei, consoante se depreende das decisões concessivas das liminares, tornando inválidos seus próprios atos, no caso o processo de privatização em tela.

… além disso, ressalte-se que o Banespa, até 1994, respondia, em média, pela oferta de 70% do crédito ao setor rural paulista, atualmente, ainda é o responsável pela metade dos contratos de financiamento da produção rural do Estado. Ou seja, a argumentação de que com a privatização, a atuação do BANESPA, na intermediação de recursos, acirrará a concorrência com as demais instituições, é totalmente infundada, já que até hoje, o Banespa se constitui como o maior fornecedor de crédito para o setor produtivo; face a inequívoca e evidente inércia dos bancos privados.

“… quanto aos item 12 a 15 da nota técnica do Banco Central que adentraram na teoria econômica do século XX, para efeito de tentar justificar que a privatização é parte fundamental, especialmente para tornar a austeridade fiscal permanente, já que esta variável influi diretamente no processo decisório dos agentes econômicos; cumpre esclarecer segundo os ensinamentos dos experts, que a privatização é apenas uma das inúmeras variáveis, talvez a de menor relevância ou potencialidade ofensiva ao atual ajuste fiscal, visto que tendo este decorrido única e exclusivamente do acordo com o Fundo Monetário Nacional, cujo prazo de duração vai até o ano 2.001,”deixando o governo livre no ano de 2.002, ano de eleições quase gerais”, torna-se absolutamente compreensível que os agentes financiadores do governo nutram temores quanto ao comportamento da política fiscal e da taxa de juros para o período posterior ao ano 2.001.


E se tratando do argumento do banco central, segundo o qual “a economia de encargos financeiros obtida com o abatimento da dívida com os recursos a serem obtidos no leilão de privatização do Banespa, equivaleria ao”(…) custo de construção de 266,7 mil casas populares”, devemos mencionar que o atual governo de nosso país com históricas e sérias carências sociais, e que necessita ampliar a oferta e a qualidade dos serviços públicos; vem se preocupando, de forma permanente, em atingir a qualquer custo e preço as metas do superávit primário nas contas públicas, reduzindo, e isto é público e notório, de forma crescente, os seus gastos produtivos e sociais. Portanto, tal argumentação Exa, permissa vênia, não passa de uma demagogia descarada do Poder Executivo, pois este nem mesmo demonstra indícios de preocupação em estar abatendo a dívida para investir no social”.

O sindicato alega ainda que “eventual receita com a privatização do Banespa não terá qualquer relevância sobre o estoque da dívida. E isto porque, explica o I. Economista João Luiz Máscolo, diante do tamanho da dívida pública, atualmente em torno de R$ 500 bilhões, o valor a ser obtido com a privatização do Banespa, na melhor das hipóteses, R$ 5 bilhões – o que representa apenas 1% da dívida – é insuficiente para impedir o crescimento do déficit e da dívida pública, como aliás, têm demonstrado as privatizações anteriores. Portanto, a realização ou não da privatização ora em tela não trará qualquer impacto significativo na economia pública.

… infundada a alegação do Banco Central acerca de que a receita a ser obtida com a privatização do Banespa seria utilizada para abater a dívida pública. O fato, este sim, verdadeiro, é que a dívida pública apresentou um espetacular crescimento, e os recursos provenientes das privatizações além de não possibilitar a redução do seu estoque, são insuficientes inclusive para cobrir os encargos financeiros da dívida. Ora segundo o Banco Central do Brasil, em 1994 foram despendidos R$ 27,1 bilhões, em 1998 R$ 72,5 bilhões, e no último ano 13,1 % do Produto Interno Bruto foram gastos com o pagamento de juros, ou seja, ultrapassou-se o “quantum” arrecadado com as privatizações ao longo dos últimos nove anos, já que o custo de endividamento alcançou em 1999, R$ 130, 1 bilhões.

Também é fato que os custos elevados do endividamento decorrem, única e exclusivamente, da política econômica adotada pelo atual Governo, que traz intrinsecamente a necessidade de manutenção de elevados patamares da taxa de juros interna para não alterar a taxa de câmbio; mas o adiamento da privatização do Banespa nunca poderá ser o responsável pela elevação dos custos da dívida interna pública.

… aliás, saliente-se que não há que se falar em prejuízo ao erário pela demora da privatização de Banco Centenário, com a paralisação do respectivo processo em razão de ter sido detectado por órgão do Poder Judiciário, inegáveis inconstitucionalidades e ilegalidades no edital de abertura do processo de desestatização e pré-qualificação dos interessados; na medida em que o prejuízo real e muito maior é a realização da privatização sem a observância da Constituição Federal, dos Princípios Gerais de Direito, da Lei Geral das Licitações, do Decreto 2.594/98 que regulamenta a Lei 9.491/97, o que por certo compromete, por evidente, a solidez e segurança jurídica.

Em face do exposto, requer-se digne esta Colenda Corte Constitucional manter a r. decisão que determinou o arquivamento do presente pedido de suspensão, por seus próprios e jurídicos fundamentos, pois assim agindo, Vossas Excelências além de consagrarem o melhor Direito, estarão delimitando de uma vez por todas as fronteiras da excepcionalidade de edição de Medidas Provisórias, que além de violarem os mencionados princípios constitucionais, desequilibram de forma comprometedora o sistema de freios e contrapesos, tisnando o equilíbrio dos Poderes do Estado, pedra angular do ideal republicano”.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!